Por que o brutal Kim Jong-un baixou a guarda? A precária economia norte-coreana explica
Após manter o mundo sob ameaça de bombas nucleares, o líder da Coreia do Norte recua com vistas a promover o desenvolvimento em seu país, aos moldes da China
“É a economia, estúpido”. O lema não oficial com o qual Bill Clinton ganhou a presidência norte-americana em 1992 bem poderia ser pronunciado agora por Kim Jong-un. O líder supremo norte-coreano está fazendo história ao sentar à mesa de negociação com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, em chão sulcoreano nesta sexta-feira, a terceira ocasião em que líderes de ambas Coreais se veem cara a cara. A cúpula sela um giro de 180 graus, tão rápido como surpreendente, à posição beligerante de Kim de só cinco meses atrás. Um giro motivado, entre uma de suas grandes razões, pelo desejo de desenvolver a economia norte-coreana.
A cúpula desta sexta-feira na Casa da Paz em Panmunjom, na Zona Desmilitarizada que separa as duas Coreias, visa à melhoria das relações entre Pyongyang e Seul, abordar algum tipo de acordo de paz permanente entre os dois países ainda tecnicamente em guerra e “clarificar o compromisso de Kim Jong-un a completar sua desnuclearização, e de que maneira poderá ser expressado esse compromisso”, explica Kim Taehwan, da Academia Nacional de Diplomacia da Coreia do Sul. Mas, atenta Cho Seoung-ryoul, do Instituto de Estratégia de Segurança sul-coreano, “faz somente um ano que se falava da possibilidade de uma guerra, e agora nos encontramos diante de uma reunião para tratar a desnuclearização e a paz permanente”.
Os fatores para esta mudança, assinalam os estudiosos, foram a mudança de atitude da China, que começou a aplicar as multas internacionais com maior seriedade; o convencimento norte-coreano de que já não precisa desenvolver mais seu armamento para fazê-lo crível, e as ameaças de Trump de uma guerra que deixaria a Coreia do Norte devastada. Pyongyang “concluiu que foi longe demais, e está disposta a dar alguns passos atrás. Mas não sabemos ainda quantos”, explica o professor de Estudos Norte-coreanos na Universidade Kookmin Andrei Lankov.
A motivação econômica também tem um viés político popular. “Desde sua chegada ao poder, Kim Jong-un sempre foi consistente. Quer melhorar a qualidade de vida de seu povo e conseguir o desenvolvimento econômico, e isso pode vir com a desnuclearização”, explica Kim Joonhyung, assessor de política exterior do Governo de Moon e professor da universidade Handong.
Mediante concessões em seu programa nuclear, Kim poderia conseguir uma redução do número de tropas norte-americanas destacadas na Coreia do Sul, 28.000 na atualidade; a eliminação, ao menos parcial, de multas internacionais, mais a ajuda humanitária e intercâmbios culturais e, quiçá, turísticos. Um ponto de vista com o qual está de acordo Lankov, segundo quem Kim tem em mente o desenvolvimento da economia, ao estilo do que Deng Xiaoping fez na China nos anos 80. “Uma versão local da economia chinesa”, na qual manteria o férreo controle político, mas poderia receber investimento estrangeiro.
O experimento já foi tentado durante os tempos de Kim Jong-il. “Mas o Querido Líder estava traumatizado pela queda da União Soviética. Estava aterrorizado de mudar nada. Embora as reformas ao estilo chinês tenham sido propostas seriamente, e inclusive dando início à sua implantação, foram canceladas”. Já Kim Jong-un é sério sobre esta meta. “Ao chegar ao poder, resgatou os mesmos homens que sugeriam as mudanças, e deu início a reformas bastante radicais. A economia norte-coreana tem crescido entre 4% e 7% do PIB, um salto substancial”.
Até agora, afirma, as ameaças de multas prévias não tinham um impacto significativo na economia norte-coreana; mas isso começaria a mudar no futuro próximo caso continuassem aplicando as mais recentes com o rigor atual. Se, como parte das negociações com Estados Unidos, Kim conseguir que as multas voltem a níveis similares aos de 2016, a “Coreia do Norte pode viver com elas e continuar fazendo crescer sua economia”.
O motivo do líder supremo é duplo, pragmático por um lado e idealista por outro. Kim Jong-um, explica o expert, é “um homem brutal e manipulador”, mas também quer “ser considerado um bom líder em um ambiente político muito hostil. Quer sinceramente melhorar as condições de vida da sua gente. Ao mesmo tempo, é o suficientemente maquiavélico para se dar conta que, se a gente tem dinheiro, ele terá mais apoios e será mais popular”, agrega Lankov.
Este especialista, não obstante, descarta que Kim Jong-un chegue a se propor seriamente a se desfazer de maneira completa, verificável e irreversível — como exige os Estados Unidos — de seu armamento nuclear. “Iraque e, sobretudo, o triste final de Muamar Gadafi na Líbia. Com esses antecedentes, nenhum líder autocrático vai ser entusiasta sobre a desnuclearização”, aponta. “Simplesmente, vai na contramão dos interesses da Coreia do Norte”. Porque, além do desenvolvimento econômico, a Coreia do Norte também quer garantias da sobrevivência de seu regime e de seu Estado.
Uma possibilidade, segundo analistas, é que Pyongyang ofereça se desfazer de parte de seu arsenal, que, estima-se, inclui entre 15 e 60 bombas nucleares, ou um congelamento mais ou menos duradouro de seu programa. Uma solução, segundo Lankov, que permitiria manter a distensão e “com a qual o mundo poderia viver”. Em qualquer caso, opina Kim Joonhyung, o momento atual abre uma grande oportunidade para tratar de convencer a Coreia do Norte de que opte pelo caminho da normalização. Uma oportunidade, considera, “irrepetível”.
Caso se alcance um compromisso em um ou todos os pontos, ele representará um sucesso que pareceria impensável em novembro, quando a Coreia do Norte lançou com sucesso um míssil intercontinental. Mas os acordos que venham a ser fechados não serão muito detalhados. Panmunjom é só um primeiro passo, e isso é algo que os dois líderes têm claro. Tudo se fará com vistas a pavimentar o caminho para o encontro que Kim e o presidente norte-americano, Donald Trump, têm previsto dentro de um mês ou dois.
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