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Coluna
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De volta para o futuro

Enquanto no Brasil do Carnaval, uma despreocupação contagiante toma conta do ambiente, no Brasil real, as forças políticas vão se movimentando visando as eleições gerais de outubro

Destaque no desfile da Beija Flor representando um político brasileiro.
Destaque no desfile da Beija Flor representando um político brasileiro.MAURO PIMENTEL (AFP)
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Um estrangeiro que tenha passado a primeira metade do mês de fevereiro no Brasil pode ficar com a impressão de que vivemos no melhor país do mundo. Milhões de pessoas fantasiadas ocuparam as ruas das cidades, em blocos organizados ou informais, demonstrando uma alegria incontida e uma despreocupação contagiante. A mídia, tanto a tradicional quanto a virtual, só teve olhos e espaço para explorar imagens de mulheres seminuas, famosos de ocasião, personalidades do dia. É como se suspendêssemos a vida por um momento.

Enquanto isso, no Brasil real, as forças políticas, as que verdadeiramente importam, vão se movimentando visando as eleições gerais de outubro. O objetivo principal é perpetuar, a qualquer custo, os privilégios da elite que mantém o país refém de seus interesses desde sempre. Uma elite que usufrui das benesses do poder, pairando olímpica acima de partidos e ideologias, e que agora caça um nome que possa dar continuidade ao projeto de desmontagem do Estado, iniciado pelo presidente não eleito, Michel Temer.

O nome da vez é do apresentador de programas de auditório da Rede Globo de Televisão, Luciano Huck. Jovem e carismático, Huck tem como padrinho o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e como trunfo a superexposição de seu rosto todos os domingos, há 18 anos, em boa parte dos lares brasileiros, principalmente os de classe média baixa. Huck, que já havia renunciado à possibilidade de se candidatar à sucessão de Temer, sinaliza que pode voltar atrás, após seu bom desempenho na última pesquisa de intenções de voto do Datafolha.

Uma coisa é certa. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aparece liderando todas as simulações das eleições de outubro, dificilmente conseguirá transferir votos para um outro candidato. O personalismo caudilhista de Lula é de tal ordem que sua imagem há muito se descolou do PT e da esquerda. Seus eleitores são seus, não do partido. Ausente do pleito, seu espólio se dispersará. E aqui entra a aposta de Fernando Henrique, a de que Luciano Huck poderia amealhar boa parte dos votos destinados a Lula, pois ambos fascinam o mesmo público.

De qualquer maneira, esse mesmo público é também alvo dos evangélicos. Ano a ano, a bancada no Congresso ligada a igrejas pentecostais e neopentecostais cresce. Em 1998, eram 47 deputados federais, hoje já são 93 deputados federais e três senadores. O objetivo da campanha deste ano é chegar a 150 deputados federais e 15 senadores. A estratégia é lançar apenas um candidato ao Senado por Estado e um ou dois candidatos a deputado federal regionalmente ligados a igrejas evangélicas, e, mais que tudo, conquistar o eleitor do Norte e Nordeste ainda fiel a Lula.

Ou seja, cada vez mais, a aliança com os evangélicos se torna crucial para vencer as eleições presidenciais. Lula só conseguiu ser eleito Presidente da República em 2002, após três derrotas consecutivas, quando se aproximou dos evangélicos. Para agradar aos novos aliados, o PT acabou adotando uma agenda mais conservadora e pontos de discussão antes cruciais de seu programa – como aborto, relações homoafetivas, desarmamento, reforma agrária, entre outros – foram flexibilizados ou simplesmente engavetados.

O nome de Huck parece muito mais viável à elite brasileira que o do seu candidato natural, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pouco conhecido fora do Estado e destituído de carisma. E o apresentador de televisão poderia sem problema algum associar-se aos evangélicos. Até porque, no país do carnaval, as igrejas pentecostais e neopentecostais, que têm como rebanho preferencial a classe média baixa, adotam com unhas e dentes os mesmos interesses que são da elite...

Senão vejamos: a defesa incondicional do patrimônio privado, seja o do proprietário de centenas de imóveis urbanos, seja do latifundiário; o porte de armas extensivo a todos os cidadãos; a fé cega na iniciativa individual, e, portanto, crença no estado mínimo; o uso da força no estabelecimento da segurança pública – todos esses temas são convergentes entre os que estão no topo da pirâmide social e as lideranças evangélicas. Escola sem partido? Legislação anti-aborto? Esses detalhes não preocupam a elite brasileira, pois ela não usa os sistemas públicos de educação e saúde. E, cá entre nós, ela sempre se manteve acima da lei, porque, ao fim e ao cabo, a elite é a lei...

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