_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Onde estávamos há cem anos?

O Brasil enfrentava problemas com a educação, com a saúde, bandos de cangaceiros agitavam o Nordeste, as eleições eram fraudadas e a população mantinha-se apática

Copacabana e Leme, Rio de Janeiro, nos anos 1920.
Copacabana e Leme, Rio de Janeiro, nos anos 1920.Arquivo Nacional
Mais informações
'Bolsonaro: é isso que queremos?', por Luiz Ruffato
'Sobre o lugar em que vivemos', por Luiz Ruffato

O Brasil começava o ano de 1918 com a expectativa de eleições presidenciais, que seriam realizadas em 1° de março. Melhor: não o Brasil como um todo, mas aquela pequena parcela de homens maiores de 21 anos e alfabetizados, cerca de 6% da população de 28,9 milhões de pessoas — o voto era proibido aos menores de 21 anos, analfabetos, mulheres, religiosos e militares. Ainda assim, apenas 395 mil eleitores (1,4% do total) compareceriam às urnas, sufragando a eleição do advogado paulista Rodrigues Alves, numa coalizão do Partido Republicano Paulista (PRP) com o Partido Republicano Mineiro (PRM), naquela que se convencionou chamar de política do café com leite.

Rodrigues Alves já havia sido presidente do Brasil, entre 1902 e 1906, num período de bonança econômica. Com a entrada de divisas provenientes da exportação de café e borracha, o país remodelou as estradas de ferro, comprou da Bolívia o território do Acre e, principalmente, promoveu a reforma da capital, então o Rio de Janeiro. O objetivo era, além de dotar a cidade de um planejamento urbano, combater a peste bubônica, a febre amarela e a varíola que grassavam por ali. Instigados pela oposição, o povo se revoltou contra a vacina obrigatória antivariólica e alguns militares aproveitaram para tentar um golpe de estado, rapidamente sufocado.

Com o prestígio adquirido naquele primeiro mandato, Rodrigues Alves venceu o pleito de 1918 com 99% dos votos. É bom lembrar que na época o voto não era secreto e quem determinava o resultado das eleições era o poder dos coronéis, título genérico que se dava às lideranças políticas ou militares regionais. Mas Rodrigues Alves não chegou a tomar posse. Os soldados que lutavam na Europa, na carnificina denominada I Guerra Mundial, começaram a ser dizimados por uma nova doença, a gripe espanhola. Os primeiros casos surgem em abril, e em setembro a epidemia já aportava no Brasil, acarretando mais de 300 mil mortes, incluindo o presidente recém-eleito.

No dia 15 de novembro, data marcada para a posse, assume o cargo interinamente o vice-presidente eleito, na época votava-se para ambos os cargos, o mineiro Delfim Moreira. Nas novas eleições, realizadas em 13 de abril daquele ano, saiu vitorioso o paraibano Epitácio Pessoa, apoiado pelo PRM. Detalhe curioso é que Epitácio Pessoa venceu o pleito, contra o jurista baiano Ruy Barbosa, estando fora do Brasil, chefiando a delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, na França. Ele só voltou ao país um mês antes da posse, ocorrida no dia 28 de julho...

O fim da I Guerra Mundial, ocorrido em 11 de novembro de 1918, deixou como saldo, após quatro anos de batalhas, cerca de nove milhões de mortos, entre civis e militares, o mapa-múndi redesenhado, o surgimento de uma nova potência, os Estados Unidos, e problemas econômicos e políticos não resolvidos, que iriam desencadear a Grande Depressão da década de 1930 e provocar o reinício dos conflitos que redundariam na II Guerra Mundial, apenas 21 anos depois. Com um novo e fundamental componente: o aparecimento das ideologias totalitárias, o fascismo, o nazismo e o stalinismo.

Benito Mussolini, sargento “por mérito em guerra”, após lutar por nove meses e ser ferido por uma granada, volta para seu país e funda em 1919 o Fasci Italiani di Combatimento, origem do partido fascista, que a partir de 1922 assume com poderes absolutos o governo da Itália. O austríaco Adolf Hitler, cabo do exército alemão, esteve todo o período da guerra em frentes de batalha. Em 1919, toma a liderança do Partido dos Trabalhadores Alemães, origem do partido nazista, que a partir de 1933 alcançaria o poder absoluto na Alemanha. O georgiano Josef Stálin, durante a I Guerra Mundial, amargava o exílio no Círculo Polar Ártico, por conta de suas atividades como membro do comitê central do Partido Comunista. Em 1917, é libertado, e em 1924, com a morte de Lênin, assume com poderes absolutos o governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Há cem anos, o Brasil enfrentava problemas com a educação (a educação de qualidade era privilégio da elite), com a saúde (epidemias grassavam, causando pânico), bandos de cangaceiros agitavam o Nordeste, os militares planejavam golpes de estado, as eleições eram fraudadas, a população mantinha-se apática, e nasciam, com força, os ideólogos das doutrinas totalitárias, alimentando-se da frustração, da ignorância e da desesperança...

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_