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Crítica | Cinema
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

‘Trama Fantasma’: O sadomasoquismo que está na moda

Tudo aspira a ter uma aura de mistério e múltiplas interpretações. No meu caso, não é contagioso

Daniel Day-Lewis, em 'Trama fantasma', um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme.
Daniel Day-Lewis, em 'Trama fantasma', um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme.
Carlos Boyero

Foi muito venturosa para o cinema a aparição de Paul Thomas Anderson, dono de um mundo tão estranho quanto fascinante, descobridor ou impulsionador dos melhores atores e atrizes (ninguém em são consciência se atreveria a qualificá-los de coadjuvantes) que começaram a trabalhar nos anos noventa, autor de duas obras-primas sem prazo de validade, que evidenciam um talento fora do comum. São elas os perturbadores Boogie Nights e Magnólia, retratos complexos, tragicômicos, brutais e piedosos de gente à deriva, atormentada por seu passado ou por seu presente, viciados até o paroxismo em nome da sobrevivência, profissionais da pornografia no primeiro, testemunhas de um surreal, apocalíptico e redentor dilúvio de sapos caindo do céu sobre Los Angeles no segundo. Diante de qualquer filme que leve a assinatura desse homem, você sabe que vai encontrar propostas inevitavelmente insólitas, uma linguagem visual muito poderosa, raridades com pedigree. O que não impede que alguns deles me pareçam intragáveis, como essas bobagens com vocação brincalhona e excêntrica intituladas Embriagado de Amor e Vício Inerente. Tampouco suporto o interminável e delirante desenlace de Sangue Negro, nem o alcoolismo histriônico e agressivo representado pelo sempre chapado Joaquin Phoenix (e ao seu lado um Philip Seymour Hoffman genial, como sempre) no atraente, mas também irregular, O Mestre.

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Apesar do seu status privilegiado no cinema de arte norte-americano, e de ser o queridinho de uma crítica apaixonada, nunca tinha recebido muitas indicações ao Oscar. Com Trama Fantasma, conseguiu um monte delas: o longa foi indicado a seis categorias no Oscar 2018, entre eles o de melhor filme, melhor diretor e melhor ator, para Daniel Day-Lewis, que anunciou que esta seria sua despedida dos cinemas.

E é provável que acabe sendo ungido. Seria o triunfo da qualité, do cinema supostamente sutil e profundo, do exercício de estilo com pretensões de brilhantismo, da convicção de que existe uma história muito perturbadora por trás de outra história que parece linear, de atrevidas e lisonjeiras comparações (eu não estranharia) entre a metodologia imagética utilizada por Paul Thomas Anderson e a narrativa literária de Henry James.

O protagonista supostamente pertence à raça dos artistas absolutos, cuja vida só encontra sentido através de suas criações. Ele as desenvolve por intermédio das roupas que inventa. O que em épocas antigas recebia a intolerável denominação de alfaiates e modistas, e que a pós-modernidade reivindicou com o título de estilistas. Esse homem elegante e de semblante frio, introvertido ao extremo, protegido por um irmã todo-poderoso e vampírico, que cumpre os sonhos de rainhas, aristocratas e milionárias inventando vestidos divinos para elas, conhecerá uma mulher jovem, suave, complacente e que possui o dom de acessar a sua hermética intimidade, e com quem estabelecerá uma relação enigmática nos âmbitos sentimental e profissional. Mas o maníaco e fascinante pavão não deixa de sofrer, suas depressões são cíclicas e inexplicáveis. As aparências podem ser enganosas. Aparentemente, existem poucos vícios tão fortes quanto o sadomasoquismo. O subterrâneo, não sejamos vulgares, pois estamos falando de arte.

Em Trama Fantasma, tudo aspira a ter uma aura de mistério e múltiplas interpretações. No meu caso, não é contagioso. Os personagens sofisticados e sua retorcida relação me desinteressam do começo ao fim. Foi filmado com muita competência. E é impossível afastar o olhar desse ator sempre magnético chamado Daniel Day-Lewis, nessa que ele diz ter sido a sua última atuação. Mas permaneço como um iceberg do começo ao fim.

TRAMA FANTASMA

Direção: Paul Thomas Anderson.

Elenco: Daniel Day-Lewis, Lesley Manville, Vicky Krieps, Richard Graham.

Gênero: drama. EUA, 2017.

Duração: 130 minutos.

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