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Coluna
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Sobre o lugar em que vivemos

Oprimidos pela insegurança e pela impunidade, governados pela corrupção e julgados pela arbitrariedade, a maior parte dos brasileiros não vive, apenas sobrevive

Crianças brincam em praia no Pirambu, área que já foi considerada umas das mais violentas de Fortaleza
Crianças brincam em praia no Pirambu, área que já foi considerada umas das mais violentas de FortalezaMARÍLIA CAMELO
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Um estudo do Grady Trauma, projeto ligado ao Grady Memorial Hospital e Emory University School of Medicine, de Atlanta, nos Estados Unidos, concluiu que 46% dos moradores de bairros pobres daquela cidade sofrem de transtorno do estresse pós-traumático. Essa desordem mental, normalmente associada a vivências de guerra, só há pouco passou a ser estudada também em populações civis submetidas à violência urbana. O índice é absurdamente maior que o identificado entre veteranos dos conflitos do Iraque (11%) e do Afeganistão (20%).

Agora, os pesquisadores estão analisando as implicações clínicas e psicológicas decorrentes desse transtorno, especificamente em populações infantis. Eles já descobriram que o cérebro das crianças expostas à violência urbana cresce mais rapidamente, o que as leva a ter dificuldades de aprendizagem e para construir relacionamentos afetivos e as tornam mais propensas a desenvolver depressão e se envolver com drogas. Atlanta, com 435 mil habitantes, é a oitava cidade mais violenta dos Estados Unidos, com 14,3 assassinatos por 100 mil habitantes.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que a taxa por aqui é de 29,9 homicídios por 100 mil habitantes, o dobro da média de Atlanta. Fortaleza, a capital mais violenta do Brasil, segundo o Atlas da Violência 2017, registra 78,1 assassinatos por 100 mil habitantes – cinco vezes mais que a cidade norte-americana. E a violência urbana não se encontra mais circunscrita a megalópoles, espalhou-se também pelo interior – no ranking, existem 12 cidades pequenas onde se mata mais, proporcionalmente, do que em Fortaleza...

Fruto do crescimento desordenado, fermentado pela ideologia do Brasil Grande, patrocinada pela ditadura militar e mantida ao longo dos governos democráticos, as cidades incharam sem qualquer planejamento. Em 1960, 55% da população brasileira vivia no campo – na década seguinte, 56% já moravam na cidade e hoje esse número alcança expressivos 84%. No entanto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), três em cada quatro habitantes dos centros urbanos sobrevivem em más condições, ou seja, não desfrutam de moradia adequada, não têm acesso a redes de água e esgoto e nem a coleta de lixo.

Aliado à falta de infraestrutura adequada, a ausência do Estado é evidente ainda na má qualidade da educação, da saúde e do transporte ofertados – o tempo médio de deslocamento no trânsito em São Paulo, por exemplo, chega a 173 minutos, conforme o Mapa da Desigualdade 2017, da Rede Nossa São Paulo. E, segundo dados do IBGE, metade de todos os trabalhadores empregados, em 2016, ganhava 85% do salário-mínimo, algo em torno de R$ 827,90, em valores de 2018. Uma realidade totalmente vulnerável à ação de traficantes de drogas e de milícias...

Um curioso levantamento realizado pela Folha de S. Paulo constatou que os Correios restringem ou não entregam produtos em quase um terço da cidade de São Paulo, que possui um índice de 17,3 assassinatos por cem mil habitantes, ocupando a penúltima posição no ranking das capitais mais violentas do Brasil. Os bairros mais afetados pela restrição parcial ou total (os moradores não recebem em suas casas itens como roupas, brinquedos e eletrônicos) localizam-se nas zonas Leste e Sul.

O Mapa da Desigualdade 2017 mostra que a expectativa de vida no Jardim Paulista, bairro de classe alta de São Paulo, é de 79,4 anos, enquanto no Jardim Ângela, zona Sul da cidade, é de 55,7 anos – uma diferença de 23,7 anos, a mesma que distingue um habitante da França, na Europa, de um outro de Zâmbia, na África...

Com quase 62 mil assassinatos e cerca de 47 mil mortos no trânsito por ano, oprimidos pela insegurança e pela impunidade, governados pela corrupção e julgados pela arbitrariedade, sem ver cumpridos os mais elementares princípios que regulam uma verdadeira democracia, a maior parte dos brasileiros não vive, apenas sobrevive. E, pior, sem esperança no futuro – não por acaso, um dos principais sintomas do transtorno do estresse pós-traumático.

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