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“Acordo da Petrobras nos EUA prejudica acionista brasileiro duas vezes”

Para Érica Gorga, pesquisadora da USP, acerto mostra que há pouca proteção a investidor local. Especialista diz que indenização a acionistas internacionais pode gerar onda de ações no Brasil

Érica Gorga, pesquisadora da USP, doutora em direito comercial.
Érica Gorga, pesquisadora da USP, doutora em direito comercial.

A Petrobras anunciou, na semana passada, ter chegado a um acordo bilionário para encerrar um processo coletivo movido por investidores americanos que alegam terem sofrido prejuízos com os escândalos de corrupção da petroleira, notadamente o descoberto pela Operação Lava Jato. A estatal deve compensá-los com 2,95 bilhões de dólares (cerca de 9,6 bilhões de reais). O acordo é um dos maiores da história dos Estados Unidos.

Na avaliação da advogada e pesquisadora da Universidade de São Paulo Érica Gorga, o acerto feito pela estatal pode ser considerado um aprendizado ao combate à corrupção, mas acaba afetando duplamente os investidores brasileiros. Para Gorga - que atuou como perita no processo dos investidores minoritários americanos - além de deixar de fora os acionistas brasileiros, a Petrobras precisará desfazer de patrimônio da companhia, que pertencia a todos, para indenizar apenas um grupo. A advogada acredita, no entanto, que o precedente gerado na Justiça americana deve gerar uma onda de ações no Brasil.

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Pergunta. Qual será o impacto deste acordo para a Petrobras? Já se falou que a estatal pode comprometer o pagamento de dividendos. A indenização acontece também em um momento que ela foi autuada pela Receita Federal em 17 bilhões de reais….

Resposta. O que a Petrobras tem feito é vender ativos, de patrimônios que eram também de acionistas. A questão que precisa ficar clara é que ela está desfazendo de patrimônio, inclusive mobilizado, para arcar com uma indenização que será paga apenas a um grupo de acionistas, os que compraram papéis no exterior. É o que chamamos de investidores internacionais. Ela está afetando duas vezes os acionistas brasileiros, já que não os indenizou pela corrupção e ela desfaz de patrimônio da companhia, que pertencia a todos, para indenizar um grupo. Você tem um efeito circular de transferência de renda, de riqueza, de um grupo de acionistas brasileiros que adquiriu papéis no Brasil para o grupo de acionistas que adquiriu ações no exterior. Acho que esse é o ponto mais relevante. É um grande aprendizado para nós em termos de combate à corrupção, mas combater a corrupção não é só devolver patrimônio desviado ao Estado, é importante distribuir o patrimônio desviado as pessoas privadas.

P. O direito americano protege mais os acionistas?

R. Sem dúvida. Nesse caso específico fica claro que o direito americano é mais protetivo dos direitos dos acionistas minoritários e dos pequenos investidores. É um fator da proteção jurídica que passa tanto pelas leis, pela jurisprudência americana, como pela rapidez do Judiciário. Esse caso mostra a eficiência do judiciário em apurar uma decisão, ainda que tenha sido um acordo. Mas se não tivesse rapidez da Justiça, esse acordo ainda nem teria saído, o que acontece aqui no Brasil várias vezes. Empresas são processadas e ficam postergando aquele processo por anos a fio. Pedindo inúmeros recursos para postergar ao máximo uma demanda. Este acordo nos Estados Unidos foi celebrado com uma rapidez, no fim do ano, o que mostra que os grupos envolvidos no caso trabalharam Natal e Ano Novo, o que é raro aqui. O que me parece muito incompleto no Brasil é que o combate tem privilegiado somente a proteção do patrimônio público e não aquele privado, que foi investido e que foi desviado. As pessoas privadas também perderam e merecem ser indenizados num esforço de combate a corrupção global. O Estado não pode simplesmente fechar os olhos para as perdas das pessoas privadas e apenas enxergar a sua própria perda. Acho que isso fica de aprendizado para nós.

P. Já tiveram muitos outros casos de empresas brasileiras pagando indenizações a acionistas estrangeiros?

R. A Petrobras foi a terceira companhia processada nos Estados Unidos. As primeiras foram a Sadia e a Aracruz Celulose, por conta da queda dos preços dos papéis na crise financeira do subprime [desencadeada em 2007], envolvendo a questão dos derivativos cambiais. Elas investiram apostando na queda do dólar e a moeda norte-americana acabou subindo. As duas perderam bilhões. Naquela ocasião, as duas companhias já tinham sido processadas por investidores estrangeiros que tiveram prejuízo com a queda das ações e alegaram que as informações que as empresas divulgavam estavam incompletas. E aconteceu o mesmo que agora: apenas os acionistas estrangeiros foram indenizados. E a Petrobras foi a terceira companhia a ser processada lá fora, depois dela, outras estão sendo processadas também.

P. Acredita que, desta vez, pela dimensão do caso, e com o precedente americano pode haver uma onda maior de ações dos acionistas minoritários brasileiros?

R. Acho que deveria gerar uma onda de ações. Já vemos diversas associações se mobilizando. Ficou muito claro para o acionista nacional o quão pouco protegido é o seu investimento. No caso da Petrobras, teve o agravante da compra de ações por meio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O Governo abriu uma exceção nas regras do Fundo para que as pessoas adquirissem papéis da Petrobras. Então foi muito grave. Inclusive, tenho sustentado que é um caso de crime contra a economia popular. Não divulgar todas as informações do que acontecia na mesma época que você chama a população que tem o fundo a depositar na Petrobras. A estatal é uma sociedade de economia mista com a maioria das ações votantes retidas pelo Estado, pela União Federal. Então temos uma relação de corresponsabilidade. A empresa é responsável porque a chamada é feita pela pessoa jurídica, mas a União Federal também é por ser o acionista controlador. É o caso de um questionamento de até que ponto você poderia responsabilizar a União Federal. 

P. A diferença entre acionistas minoritários brasileiros e estrangeiros não torna o Brasil menos atraente para investir em ações?

R. Sim, isso é o que explica a vantagem competitiva americana e a capacidade de retomada econômica americana, a recuperação do mercado de ações americanas. Eles sofrem uma crise de subprime e logo depois recuperam, pois não usam o argumento de que as companhias eram vítimas. Isso dá segurança ao mercado e ele sabe que se alguma companhia fizer alguma coisa errada com o dinheiro captado, ela será considerada responsável e terá que indenizar. Portanto, todos têm mais confiança em investir em novas companhias.

P. Cerca de dois terços dos papéis da Petrobras foram adquiridos na B3 (a bolsa de São Paulo) e apenas um terço na Nyse (a bolsa de Nova York). Um acordo nas mesmas bases no Brasil resultaria em aproximadamente 20 bilhões. A Petrobras conseguiria pagar?

R. Não sei exatamente a proporção do capital da Petrobras negociada no Brasil, mas a maior parte do capital é negociada aqui e teria que ser uma indenização maior proporcionalmente. Você precisa tratar os acionistas da mesma forma. É claro que você exclui as ações dos controladores, que é o Estado que tomou as decisões em razão de votos de ex-ministros e de agentes de Estado que compunham a companhia. Agora aqui eles tem uma estratégia orquestrada no sentido de defender no Brasil que a Petrobras é vítima, tanto é que eles pediram para constar no acordo com os acionistas americanos sua condição de vítima do esquema de corrupção. Sendo vítima, ela não deveria indenizar no Brasil, obviamente não concordo com essa leitura, porque não acredito com essa tese. Não existe essa figura no direito privado brasileiro. Isso é algo que nasceu agora dentro da Lava Jato. Empresa não é vítima, ou ela atuou de acordo com os deveres e obrigações dela, ou ela não atuou. No caso, ela não atuou. Toda a discussão deve ser feita no âmbito do direito privado e não no do criminal. Parece que há uma confusão muito grande, inclusive alimentada por alguns procuradores da operação, como se o texto no processo criminal fosse o mesmo no processo cível. Ela é vítima em relação ao Paulo Roberto da Costa, em relação ao Nestor Cerveró, quando você analisa a relação de uma companhia que teve seus recursos desviados pelos administradores. Mas aí a relação é dual, você está analisando a companhia e seus administradores. Isso não tem discussão, o que tem é investidor e companhia. Nessa relação ela é responsável por tudo que ela faz com o capital, por o que ela capta. E o que ela fez foi se apresentar como uma pessoa idônea.

P. O acordo acabou sendo, de alguma maneira, positivo para a Petrobras já que se falava em um valor de indenização maior?

R. Acho que depende da perspectiva. A Petrobras estava se colocando como vítima do processo. Se ela acreditasse veementemente na vitória dessa tese, ela não teria feito o acordo e não pagaria nada. É extremamente contraditório o discurso da ação. Mas em um aspecto negocial você aceita pagar um acordo bilionário se você tiver o receio de que haja uma condenação e que leve a empresa pagar um valor ainda superior ao que você está propondo pagar. Foi essa a lógica da empresa. E, por essa perspectiva, a defesa da companhia não prosperou. O grande benefício seria não ter feito nenhum acordo, seria ter sido uma companhia que não tivesse lesado os investidores, que tivesse agido com as práticas de governança que ela divulga desde sempre. Acho que a avaliação precisa ser feita num cenário realista, é óbvio que um processo desse tamanho tem custos para a continuidade, fazer o julgamento de um processo desses é muito caro.

P. Alguns analistas apontam que além do escândalo da Petrobras, os papéis da estatal variaram muito de acordo com a cotação internacional do preço do petróleo.

R. É um fato que o valor do petróleo caiu, mas a pergunta é: como essa queda impactou os papéis de todas as petroleira? O que se precisa analisar é se as ações da Petrobras caíram mais que os das outras petroleiras. E aí você consegue isolar o efeito da corrupção. O raciocínio é por aí. De tudo que estudei do caso, não acredito que só a queda do petróleo explica a queda dos papéis. Não é essa a análise. O que afeta a Petrobras mais que as outras petroleiras foi a questão dos superfaturamentos dos ativos. A Petrobras já tinha reconhecido tanto no balanço perdas diretas com corrupção como impairments [desvalorização dos ativos] em relação a 2015 e 2016. Ela já tinha reconhecido, então acho que na análise é preciso levar os dois fatores: preço do petróleo que afetou toda a indústria e o fato corrupção.

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