Petrobras na era Temer: estrangeiras avançam na nova divisão do poder do pré-sal
Primeiro leilão após mudanças na regras de exploração reforça papel de gigantes mundiais Petrobras e Shell se destacam. Liminar chegou a impedir negociação por algumas horas
As petrolíferas estrangeiras se movimentaram nesta sexta-feira para garantir um lugar na nova divisão de poder do pré-sal após as mudanças nas regras para a exploração da maior reserva de petróleo do país. Nos primeiros dois leilões para exploração dos campos do pré-sal sem presença obrigatória da estatal Petrobras em todos os blocos ofertados, as gigantes mundiais do setor esquentaram a disputa, especialmente nas áreas que tiveram sinalização prévia de interesse da empresa brasileira. Foram arrecadados 6,15 bilhões de reais com as duas rodadas de licitação nesta sexta, cerca de 80% da pretensão inicial do Governo. Para duas das oito áreas em negociação não houve lances. O Governo federal e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) comemoraram o resultado. “Esse leilão representa a retomada dos investimentos no setor”, afirmou Décio Oddone, presidente da ANP.
Os consórcios liderados pela Petrobras, com a participação de estrangeiras, venceram em três dos oito campos em disputa, incluindo o bloco de Peroba, na Bacia de Santos, que tinha as estimativas de petróleo mais generosas, de 5,3 bilhões de barris (leia detalhes abaixo). A segunda maior vencedora do certame foi a anglo-holandesa Shell, que lidera o consórcio que arrematou dois blocos. Já a norueguesa Statoil levou o último campo negociado nesta sexta. Tanto a Shell com a Statoil já operavam no pré-sal, mesmo sob as regras anteriores, mas o leilão também atraiu desta vez outras gigantes ao mercado brasileiro, como a norte-americana ExxonMobil, que ficou 40% da área arrematada pela companhia norueguesa.
Para levar um campo, o consórcio tinha que fazer a oferta mais generosa à União em termos de "óleo lucro", ou seja, quanto da fatia do volume de petróleo que sobra após os custos de produção e investimento iria oferecer ao Estado brasileiro. Os consórcios com participação da Petrobras puxaram para cima as ofertas, ampliando o potencial arrecadatório da União do futuro. “O desenho anterior de leilão nunca geraria competição. Dessa vez, pelo menos algumas empresas disputaram áreas”, afirma o economista Helder Queiroz, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP). “O modelo anterior engessava muito a Petrobras. O resultado de agora confirma que ela está cada vez mais seletiva, com foco bem específico no pré-sal.”
Além de não exigir a participação obrigatória da Petrobras em todos os blocos do pré-sal, os leilões desta sexta-feira também exigiram menor percentual de conteúdo local na produção dos campos ofertados. Isto é, diminuiu o valor gasto com empresas brasileiras em serviços e projetos durante a exploração e a produção dessas áreas, o que, para o mercado, é considerado um alívio nos custos operacionais. Essas novas regras do pré-sal foram um atrativo para as petrolíferas estrangeiras, avalia Carlos Assis, sócio líder do Centro de Energia e Recursos Naturais da EY no Brasil e América do Sul. “Ninguém gosta de tomar decisão de investimento com algo compulsório colocado (a operação da Petrobras). Conseguir a operação é importante, permite criar diferenciais”, afirmou. Para o consultor, também há maior incentivo à concorrência e à inovação com novas regras. “A diversificação de empresas, pensando no desenvolvimento da cadeia, é muito importante. Não se afunila tudo em um só grande operador. Desenvolvem-se novos fornecedores, novas formas de fazer negócios e mais inovação”, afirmou.
Guerra jurídica e partilha
Os novos leilões do pré-sal sob o Governo Michel Temer (PMDB) marcaram uma nova era no setor petroleiro do Brasil, atravessado por ferrenha disputa política e ideológica. Nesta sexta, uma liminar da Justiça do Amazonas chegou a impedir a realização do certame até que o Governo conseguiu derrubar a medida. Movida pelo Sindicato dos Petroleiros do Amazonas, a ação contra os leilões protestava contra a não obrigatoriedade de participação da Petrobras.
A resistência dos sindicatos petroleiros ecoa a visão vigente nos Governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quando a presença compulsória da Petrobras no pré-sal, descoberto em 2007, era defendida como um componente essencial para o crescimento do país. De lá para cá, a Petrobras passou por um furacão, incluindo os abalos provocados pela Operação Lava Jato. Com a empresa sem fôlego com o excesso de investimentos e o desequilíbrio nos preços da gasolina, o próprio Governo Dilma acabaria capitulando e negociando o fim da obrigatoriedade de participação da estatal na exploração da megareserva.
A volta das estrangeiras com força também marca o fim do sonho das grandes empresas nacionais privadas no setor. Uma das grandes apostas, o empresário Eike Batista turbinado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está arruinado - Eike responde a ações penais em prisão domiciliar, mas perdeu seu império empresarial após uma série de apostas fracassadas e prejuízos milionários. Nos leilões desta sexta-feira, só uma empresa nacional estava inscrita, a Ouro Preto Óleo e Gás, do empresário Rodolfo Landim, ex-funcionário de Eike e ex-presidente da BR Distribuidora. Mas a empresa de Landim saiu derrotada no único lance que fez.
A configuração nas áreas do pré-sal licitadas nesta sexta
No bloco de Peroba, na Bacia de Santos, que tinha as estimativas de petróleo mais generosas (5,3 bilhões de barris), o grupo liderado pela estatal brasileira saiu vencedor, com 40% de participação da Petrobras, 20% da chinesa CNODC e 40% da britânica BP Energy. O consórcio da Petrobras venceu com uma oferta em óleo excedente de 76,96%, ou seja, saiu vitorioso porque se comprometeu a entregar a maior parcela do petróleo produzido no campo à União, depois de descontados gastos de produção (esse volume é o chamado "lucro em óleo").
Os consórcios da Petrobras também fizeram as ofertas mais elevadas nos outros dois campos em que a estatal também tinha manifestado preferência - neste caso, pelas regras em vigor, mesmo em caso de derrota, a Petrobras teria garantido 30% de participação na exploração das áreas. Na briga pelo bloco Alto de Cabo Frio Central, a Petrobras venceu com a BP que tinha também 50% de participação e uma oferta de lucro em óleo de 75,86%. No campo Entorno de Sapinhoá, a Petrobrás venceu com 45% de participação, divididos com a anglo-holandesa Shell (30%) e a sino-espanhola Repsol Sinopec (25%), com oferta de 80% de lucro em óleo. Esses foram os campos mais disputados e tiveram as maiores ofertas de lucro em óleo, puxadas pela estatal brasileira.
Entre as estrangeiras, a Shell liderou e consagrou-se operadora de dois campos. No bloco Sul de Gato do Mato, a Shell ficou com 80% de participação e a francesa Total com 20%, com 11,53% de oferta de lucro em óleo, o mínimo aceito na licitação. No campo Alto de Cabo Frio Oeste, a Shell garantiu 50% de participação, com 20% da chinesa CNOOC e 25% da QPI, do Catar, com uma oferta de lucro em óleo de 22,87%, também o percentual mínimo exigido. Já a norueguesa Statoil arrematou o campo Norte de Carcará, do qual será operadora com 40% de participação, divididos com a portuguesa Petrogal (20%) e a americana ExxonMobil (40%) com uma oferta de lucro em óleo de 67,12%.
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