NASA estuda missão interestelar para 2069
Projeto de exploração da Proxima Centauri pode levar quase um século
A Voyager-1 é a nave que chegou mais longe no espaço. Decolou em 1997 e levou 37 anos para sair do Sistema Solar. Com sua vertiginosa velocidade atual — 17 quilômetros por segundo —, vai demorar outros 70.000 anos para alcançar a estrela mais próxima. Se para nós, humanos, é tão difícil fechar um acordo sobre um plano para mitigar a mudança climática daqui a 100 anos, como pensar numa missão para alcançar outro astro e seus planetas num tempo razoável?
É o que fez Anthony Freeman, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA (JPL, na sigla em inglês). Juntamente com Leon Alkalai, chefe do Escritório de Planejamento Estratégico, o engenheiro acaba de apresentar o primeiro conceito para uma missão interestelar que seria lançado em 2069, no centenário da chegada do homem à Lua.
“A NASA começou a estudar missões interestelares há 30 anos”, diz Freeman, pelo telefone, de seu escritório. “Na época, o foco era como tornar possível a comunicação entre a nave e a Terra. Depois revisamos essas ideias mais ou menos a cada década.”
O novo projeto, ainda sem nome, “está numa etapa muito prematura como conceito de missão”, adverte Freeman, mas coincide com o recente lançamento de projetos similares impulsionados por organizações privadas. E também com a aprovação, pelo Congresso dos Estados Unidos, de um documento promovido pelo republicano John Culberson que pede expressamente à NASA que já comece a financiar esse projeto.
O destino da futura missão seria a Proxima Centauri, a estrela mais próxima do Sol. Recentemente, descobriu-se que ela possui um planeta habitável do tamanho da Terra. A proposta de Freeman contempla uma nave capaz de viajar a 10% da velocidade da luz, alcançando a Proxima em 40 anos. As primeiras imagens feitas de lá chegariam à Terra cerca de quatro anos mais tarde, em 2113, quase daqui a um século. Isso significa que os engenheiros e cientistas que analisarem essas imagens nem sequer terão nascido quando a nave for lançada e, provavelmente, a maioria de seus projetistas originais já estarão mortos. Nenhuma missão espacial enfrentou esse tipo de horizonte temporal - e esse é exatamente um de seus maiores desafios, admite Freeman. “As missões espaciais agora são feitas com um enfoque muito conservador. Se realmente queremos enviar uma missão a outra estrela, não podemos fazer isso. Temos que ser um pouco mais loucos”, reconhece.
“As missões espaciais são feitas com um enfoque muito conservador. Se realmente queremos enviar uma missão a outra estrela, temos que ser um pouco mais loucos”
Quando a nave chegar ao destino, a tecnologia do momento já será muito mais evoluída. O conceito de Freeman explora uma sonda capaz de se atualizar, reprogramar e transformar sem necessidade de receber todas as instruções da Terra. Por exemplo, usando impressoras 3D e sistemas de inteligência artificial capazes de criar novos programas de software. O conceito desenvolvido por Freeman e Alkalai também sugere uma missão de apoio, cujo objetivo seria viajar 550 unidades astronômicas (cada uma equivalente à distância entre a Terra e o Sol) na direção contrária à Proxima Centauri. Sua meta seria fazer imagens aproveitando o fenômeno das lentes gravitacionais, que usa a gravidade de corpos celestes, como o Sol, como se fosse uma lupa para ampliar a imagem do astro a ser observado.
A abordagem de longo prazo permitiria elaborar gradualmente as complexas tecnologias necessárias e testá-las com objetivos mais próximos e factíveis, como a nuvem de Oort e o Planeta X, diz Freeman, que apresentou seu conceito semanas atrás, durante o Congresso da União Geofísica dos EUA.
No momento, não existem novas formas de propulsão para uma viagem interestelar. Nem o combustível químico dos foguetes, nem a energia nuclear e nem os painéis solares servem para cobrir, num tempo acessível, as distâncias de mais de 40 trilhões de quilômetros até os astros mais próximos. Algumas ideias alternativas são a fusão nuclear e as explosões de matéria e antimatéria, que ainda não foram desenvolvidas.
Outra opção é a “energia direcionada” proposta pelo físico Philip Lubin, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (EUA). O sistema é baseado em naves com velas solares alimentadas por feixes de laser emitidos da Terra ou do espaço. Quanto menor for a sonda, mais rápida poderá ser, até um limite que chegaria a 20% da velocidade da luz, explica Lubin. A tecnologia para isso já existe, e o físico espera que ela passe por um desenvolvimento exponencial similar ao da eletrônica. Desde 2015, o projeto Deep-In recebeu duas rodadas de financiamento da NASA, num total de mais de meio milhão de euros (cerca de 1,9 milhão de reais). “Com um orçamento adequado, a tecnologia que estamos desenvolvendo pode estar pronta para uma missão interestelar antes do centésimo aniversário do pouso da Apolo [11]”, afirma Lubin.
Os engenheiros e cientistas que analisarem essas imagens nem sequer terão nascido quando a nave for lançada
Em 2016, ano em que o planeta da Proxima foi descoberto, Stephen Hawking apadrinhou o novo projeto para buscar vida lá fora com um arranjo de diminutas naves espaciais, impulsionadas por laser e capazes de chegar a essa estrela em 20 anos. Por trás da iniciativa estava Yuri Milner, um bilionário russo que se transformou num dos maiores mecenas da ciência mundial e que colocou 100 milhões de dólares (324 milhões de reais) na iniciativa. O sistema de propulsão dessas naves - que realizaram a primeira viagem ao espaço em 2017 - se baseia no de Lubin. “Estamos entusiasmados com o fato de que a NASA tenha começado a trabalhar em missões interestelares”, diz Pete Worden, ex-diretor do Centro Ames da agência espacial norte-americana e atual diretor executivo do Breakthrough Starshot, o projeto de Milner. A organização está negociando com a NASA para cooperar em vários campos, incluindo a viagem interestelar, e espera anunciar os detalhes dentro de alguns meses, diz Worden.
Outros especialistas que trabalham em missões atuais e futuras questionam a viabilidade desses projetos. Mar Vaquero, engenheira de voo do JPL, acredita que a proposta de seus colegas é “louca e teórica” demais. Mas diz que “não há dúvidas de que um conceito assim convida à reflexão”. Além disso, não faltam paralelismos com missões recentes de grande sucesso. “A rota primária da Cassini não havia sido completamente fechada no momento do lançamento. Foi projetada durante a fase de cruzeiro. Com esse conceito pode ocorrer algo semelhante. Vamos nos deparar com desafios em diferentes áreas, como a propulsão, a navegação e a própria proteção da nave e de seus sistemas durante tantos anos de viagem interestelar, mas não tenho dúvida de que poderemos resolvê-los”, afirma.
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