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Martin Wolf | Colunista do ‘Financial Times’

Martin Wolf: “A recessão democrática leva a acreditar em autoritarismos”

O colunista do ‘Financial Times’ alerta que o crescente desapego à democracia no mundo alimenta “a reação tribal e nacional”

Cristian Segura
cristóbal castro

Martin Wolf (Londres, 1946), chefe da seção de opinião econômica do jornal britânico Financial Times, participou no mês passado em Sant Cugat (Barcelona) de um simpósio do Instituto Aspen e da universidade Esade. Concedeu esta entrevista armado com um café puro duplo e uma eloquência transbordante. Sua única condição: não falar da crise independentista na Catalunha.

Pergunta. Que pontos em comum o senhor detecta entre os movimentos que questionam o modelo da democracia ocidental no mundo?

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Resposta. Esses movimentos têm um fundo mais político do que econômico. Há 10 anos eu esperava uma maior hostilidade contra o capitalismo e menor contra a democracia liberal. No entanto, contra o capitalismo houve um movimento débil, que se estancou agora. O protecionismo de Donald Trump continua me preocupando, mas a antiglobalização e o anticapitalismo são muito fracos em comparação com os anos trinta do século passado. Por exemplo, foram pouco limitados os movimentos de capitais e só houve uma pequena regulação do sistema bancário. É verdade que não foram dados novos passos para a liberalização dos mercados, mas também não houve um enorme crescimento do protecionismo. O prestígio dos políticos parece ter caído mais que o do sistema econômico.

P. Quando terminou a Guerra Fria, diminuíram as intromissões em outros países.

R. É verdade que o ocidente já não precisava defender o capitalismo apoiando homens fortes, mas também havia a percepção de que a democracia era um movimento de sucesso e de bons resultados. Larry Diamond, um dos grandes estudiosos da democracia, destaca que entre 1989 e 2007 cresceu o número de democracias no mundo: não eram perfeitas, mas foram muitos os países que adotaram esse sistema político, não só os do antigo bloco do Leste, mas também da América Latina e da África. No entanto, desde 2006, segundo a Freedom House, o número de democracias diminuiu. Podemos ver uma clara redução dos valores democráticos em todo o mundo, inclusive nas jovens gerações dos países desenvolvidos. Vários acadêmicos de prestígio escrevem sobre o que chamam de “recessão democrática”. As gerações de pós-guerra como a minha têm maior apego à democracia como princípio do que as jovens. Há uma recessão global da democracia, o que leva à crença em autoritarismos. E como a esquerda continua muito desacreditada, a maioria desses autoritarismos vem da direita. A globalização era de certa forma percebida como um movimento homogêneo que traria uma cultura global. Há uma reação nacional, tribal, religiosa, simbólica contra essa globalização, principalmente da direita.

P. O senhor não vê movimentos populistas também da esquerda?

R. A característica mais habitual dos populismos não é a ideologia, e sim a fé em um líder carismático. As diferenças entre Hugo Chávez e Donald Trump são enormes ideologicamente, mas o atrativo comum é “eu sou o líder; se você me apoiar, mudarei tudo”. Nesses movimentos é frequente o discurso contra o sistema democrático. A maior parte é de direita, com exceções como o chavismo. Para a maioria das pessoas, isso é tolerável, e vemos isso no Reino Unido, porque consideram que a esquerda fracassou. Na hostilidade contra a globalização, em questões de nacionalismo, a opção é a direita.

P. O senhor escreveu que o prestígio político fica particularmente abalado com o Brexit. Considera possível que não se chegue a nenhum tipo de acordo com a União Europeia?

R. É mais que possível, é provável, sim.

P. Mesmo sendo uma situação negativa para todas as partes?

R. Hoje o Reino Unido está muito dividido. A sociedade, o Governo e a oposição estão divididos. Se não alcançarmos um acordo, o impacto econômico no curto e médio prazo será muito negativo; no longo prazo, será negativo. Os partidários do Brexit culparão os europeus e também aqueles que estão no poder por não conseguir chegar a um acordo.

P. Lembro-me de algumas palavras suas assinalando que “quando a política soma zero, as pessoas começam a olhar para fora”.

R. Os partidários do Brexit acusarão quem está contra; os trabalhistas culparão os conservadores, e com bastante razão. O país acabará ficando mais tenso e dividido do que está agora. Na Europa também haverá perdas, mas serão menores. A maioria dos europeus dirá que tudo é culpa dos britânicos, não se sentirão responsáveis e provavelmente não será um assunto de divisão na UE. Começou um processo que terá consequências danosas para o Reino Unido e deixará danificadas as relações com a UE. Mas a Europa superará bem isso.

P. Há muitos anos que analistas como o senhor preveem uma crise na China pelo desequilíbrio entre sua liberalização econômica e sua ditadura política. No entanto, ela não chega.

R. A China tem mantido a demanda graças a um extraordinário nível de investimento, expandindo o nível de crédito e de dívida a grande velocidade. O retorno desse investimento tem caído, a margem é zero ou negativa. No longo prazo, é insustentável. O problema mais grave da China é a redução substancial do crescimento. Também há uma incompatibilidade fundamental entre o fortalecimento de um Estado autocrático e a abertura para uma nova fase que permita um crescimento rápido durante os próximos 30 anos. E a dependência do crédito é cada vez maior, porque a economia não se reforma. Com o tempo, a máquina econômica pode reduzir sua velocidade, o poder central do partido pode aumentar, e poderíamos ver como a China, em 20 ou 30 anos, começa a declinar, como aconteceu com a União Soviética. Se ocorrer isso, será gerada uma crise política. O que querem construir em 30 anos é uma autocracia que administre uma economia de mercado, a maior e a mais avançada do mundo. Mas, se você analisa a história, é normal ser cético.

P. O senhor disse que a Espanha é um exemplo de história de sucesso colocando em prática reformas estruturais para sair da crise. Por quê?

R. O PIB por habitante é mais ou menos o mesmo que há 10 anos. Uma década perdida. Mas o crescimento da produtividade antes da crise era próximo de zero, e agora é maior. Antes da crise havia um déficit externo de 10% do PIB, e agora há superávit. As duas coisas indicam ajustes estruturais extraordinários, maiores do que eu havia esperado da Espanha levando em conta sua história. Isso ocorreu por causa de reformas no mercado trabalhista que permitiram aumentar a produtividade. A competitividade melhorou muito, o que facilitou um grande crescimento das exportações, uma menor dependência do crédito e um controle do déficit. Mas isso não teria sido possível sem a recuperação da economia global e a ação do Banco

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