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Coluna
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O que a América Latina pode fazer para conter tentação autoritária

O sistema regional ainda é falho quando aqueles no poder ameaçam a governança democrática

Oliver Stuenkel
Nicolás Maduro no Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano.
Nicolás Maduro no Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano.EFE

"Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira", afirma o escritor russo Leon Tolstoi em Anna Karenina. À primeira vista, parece que o mesmo vale para as democracias. As mais sólidas têm muitas semelhanças, enquanto as mais frágeis o são cada uma à sua maneira. Na Venezuela, Nicolás Maduro marginalizou o parlamento. Na Bolívia, Evo Morales ignorou o resultado de um referendo que o impede de participar da reeleição. Em Ruanda, Paul Kagame proibiu várias candidaturas da oposição e venceu as eleições com 99% dos votos. Na Hungria, Viktor Orbán está tentando fechar uma das principais universidades do país e ataca ONGs de direitos humanos.

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No entanto, uma análise mais aprofundada revela que, embora o contexto e a justificativa possam variar, a essência de todos os projetos autoritários é muito parecida e tem como objetivo enfraquecer os princípios fundamentais da democracia: os chamados freios e contrapesos e a própria alternância de poder. Inspirado em uma narrativa revolucionária de esquerda em Caracas ou de direita em Budapeste, de nacionalismo em Ancara ou do modelo singapuriano em Kigali, o objetivo nunca é nobre. Afinal, nada mais é do que concentrar o poder e eliminar adversários necessários ao jogo democrático, seja no Legislativo, seja no Judiciário, seja na sociedade civil.

O fim da democracia venezuelana concentra atualmente considerável atenção da mídia global, mas ela reflete uma tendência maior. Ameaças autoritárias estão voltando a surgir mesmo em regiões onde a democracia parecia estar consolidada nas últimas décadas, como na Europa e nas Américas. Os casos recentes de Turquia, Polônia, Hungria, Venezuela e até Estados Unidos, entre outros demonstram que esse progresso não pode ser dado como certo.

Muito mais tem sido escrito sobre transições da ditadura para a democracia do que sobre transições na direção oposta. Em um curso muito popular na Universidade Harvard até poucos anos atrás, "Os Desafios da Democratização", os estudantes discutiam as dificuldades dos países que superaram a ditadura e se democratizaram — como a Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra Mundial, a Espanha nos anos 1970 e a África do Sul na década de 1990. Os casos em que as democracias se tornaram ditaduras — como a Argentina em 1976 — eram vistos como raros e relativamente atípicos. Hoje, em contraste, há uma necessidade crescente de avaliar como e por que as democracias fracassam e o que se pode fazer para lidar com essa tendência.

A Bolívia pode servir como um exemplo importante, precisamente porque se encontra na fase inicial do desmonte da democracia. A gestão macroeconômica prudente de Evo Morales ao longo dos últimos 12 anos ajudou a economia boliviana a crescer mais rapidamente do que a de seus vizinhos. No entanto, com as eleições presidenciais programadas para 2019 e Morales tecnicamente proibido de concorrer a um quarto mandato, há sinais de que ele cederá à tentação autoritária. Isso se tornou visível quando se recusou a aceitar o resultado de um referendo no ano passado que o impede de disputar mais um mandato presidencial. Em vez de começar a promover um sucessor, Morales, ao que tudo indica, recorrerá a uma espécie de gambiarra para se manter no poder. Um judiciário pouco independente — resultante de um processo polêmico por meio do qual os juízes são eleitos diretamente pelos cidadãos — poderá desempenhar um papel fundamental. Uma opção aberta a Morales é demitir-se seis meses antes do término de seu terceiro mandato, o que poderia levar os tribunais a ele submissos a lhe permitir mais cinco anos no Palácio Quemado. Ele também pode decidir simplesmente pressionar por outro referendo ou acelerar processos judiciais contra políticos da oposição para que se tornem inelegíveis nas próximas eleições.

Até agora, não houve reação de outros governos latino-americanos à situação na Bolívia. Afinal, os mecanismos estabelecidos na região para proteger a democracia foram articulados para evitar rupturas mais radicais, como golpes militares. Eles são menos eficazes para prevenir a erosão lenta da democracia liderada pelo próprio chefe de Estado.

Assim como a União Europeia tem dificuldades para lidar com as crises democráticas na Hungria e na Polônia, governos na América Latina muitas vezes não têm certeza de como responder às crises democráticas na região. Um exemplo claro é que até hoje há dissenso na Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre como se posicionar em relação à Venezuela. Desde que a região redemocratizou-se nos anos 1980 e 1990, criou-se uma série de normas cada vez mais sofisticadas para fortalecer a governança democrática na América Latina. Desde a adoção da Resolução 1080 pela OEA em 1991, a qual exige que o Secretário Geral da organização convoque o Conselho Permanente se um golpe de Estado acontecer na região, até a invocação da "cláusula democrática" do Mercosul, os governos da região podem escolher entre diferentes opções políticas para os casos de ameaça à democracia. Em diversas ocasiões, esses mecanismos tiveram um impacto tangível, ajudando na prevenção ou na reversão de rupturas democráticas em países como Paraguai (1996 e 1999), Venezuela (2002) e Honduras (2009).

Como o principal risco para a democracia vem cada vez mais dos palácios presidenciais — e já não dos quartéis —, está na hora de discutir como adaptar os mecanismos regionais, com foco no aspecto preventivo, para proteger a ordem democrática.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim, membro do Carnegie Rising Democracies Network

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