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Coluna
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Dezembro é o mais cruel dos meses

Essa volátil sensação de euforia que nos arrebata nesta época do ano serve apenas para nos alienar momentaneamente da realidade

Movimento na Rua 25 de Março as vésperas do Natal.
Movimento na Rua 25 de Março as vésperas do Natal.Fotos Públicas (Paulo Pinto)
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O poeta T.S. Eliot inicia seu longo poema, a obra-prima “A terra desolada”, com o conhecidíssimo verso “Abril é o mais cruel dos meses”. Para mim, o mais cruel dos meses é dezembro – e por isso o mais detestável. Em dezembro as pessoas rendem-se ao consumismo desenfreado e, obedientes às luzinhas chinesas e aos obesos papai-noéis, inundam as ruas como se estivessem entorpecidas. Torna-se, então, obrigatório ser feliz – como se a felicidade dependesse única e exclusivamente do nosso poder de compra.

Essa volátil sensação de euforia que nos arrebata nesta época do ano serve apenas para nos alienar momentaneamente da realidade. É como as cercas elétricas, os muros altos, as câmeras de segurança e os sistemas de alarme que prometem proteção contra a violência do mundo “lá de fora”, quando, na verdade, não existe o mundo “lá de fora” – estamos imersos na mesma experiência de vida e cada ato que cometemos ou deixamos de cometer modifica de maneira substancial e definitiva tudo e todos que nos rodeiam.

O costume de oferecer presentes de Natal, assim como ocorre hoje em dia, é uma tradição recente, e faz parte do calendário de datas que alavancam a economia – como o Dia das Mães, o Dia dos Namorados, o Black Friday. Aquilo que poderia ser uma manifestação legítima e simpática de lembrança do outro, transformou-se num exercício narcísico: damos presentes na exata medida da nossa expectativa de receber ou então damos presentes como forma de nos impor socialmente. E, hipnotizados pela falsa sensação de bem-estar proporcionada pelo consumo, não medimos as consequências das nossas ações.

Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, em outubro 61,8% das famílias brasileiras estavam inadimplentes – sendo que 10,1% delas declararam não ter condições de pagar os débitos. Dívidas com atraso de um ano atingem um terço das famílias e 24% do total das famílias endividadas gastam metade da renda para quitar contas e dívidas em atraso. O prazo de endividamento médio, ou seja, o tempo que as famílias levam para saldar suas dívidas, é de 63,8 dias.

Neste Natal, cerca de 13 milhões de pessoas estarão desempregadas – 63,7% do total são pardos ou pretos, segundo definição do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). De acordo com o Banco Mundial, 45,5 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. No entanto, todos, empregados e subempregados, serão, em dezembro, bombardeados com a mesma mensagem: compre, senão você não será feliz. Ou, em outras palavras: felicidade se compra em até doze vezes, sem juros, no cartão de crédito.

O dia 25 de dezembro, antes de ser a data oficial do nascimento de Jesus Cristo, é, aproximadamente, o solstício de inverno, o dia mais curto do ano no Hemisfério Norte. Nesta data, comemorava-se em Roma o Natalis Solis Invicti (“nascimento do Sol Invicto”), festa pagã em homenagem ao deus persa Mitra, um dos mais populares do império. Quando, em 312, o imperador Constantino, que adorava o Sol Invicto, se converteu, pouco a pouco os pregadores cristãos foram assentando as bases da nova religião do Estado sobre as ruínas pagãs. A sobreposição da data do nascimento de Cristo às comemoração do Sol Invicto serviu para a Igreja apropriar-se de algo já fortemente arraigado no imaginário popular.

Hoje, quase ninguém mais lembra que o Natal é uma celebração religiosa. O que menos importa neste dia é recordar o nascimento de Jesus Cristo, mesmo que simulado. Como por uma irônica vingança, a data voltou a ser uma comemoração pagã – troca de presentes, em meio a muita comida e bebida. Ao Natal sucede o réveillon, as férias de verão e finalmente o Carnaval, outra data originalmente religiosa tornada pagã. E quando entrar março, endividados, estaremos às vésperas da eleição presidencial. Implacável, a realidade arrombará a nossa porta...

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