Luciano Huck, esperança da nova política ou um candidato mais do mesmo para 2018?
Apresentador tem ideias progressistas no âmbito comportamental, mas patina por seus laços com o 'establishment'
Eleições de 2018: o país está dividido entre um ex-presidente de esquerda condenado pela Lava Jato e um candidato de extrema direita saudoso da ditadura militar. Nisso surge “o novo”, um candidato de centro com rosto conhecido da TV, e neutraliza os “radicalismos” de Lula e Jair Bolsonaro, atuais líderes nas pesquisas. Teria sensibilidade para entender as demandas econômicas do mercado financeiro, sem deixar de lado o apelo social dos menos abastados. Este é o roteiro que muitos querem para o pleito do ano que vem, que seria estrelado pelo apresentador da Rede Globo Luciano Huck - criador do bordão “loucura, loucura, loucura”. Ele se reuniu recentemente com o presidente do PPS, Roberto Freire, e com representantes do DEM.
A possibilidade do apresentador disputar as eleições ganhou força depois que a pré-candidatura do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que já havia se auto intitulado como “o novo” na política, começar a fazer água nas pesquisas — o tucano já admite que deixou para trás o sonho de ser presidente e que gostaria de disputar o Governo do Estado ao invés do Planalto. O global, por sua vez, conta com 60% de aprovação, de acordo com pesquisa do Instituto Ipsos divulgada nesta quinta-feira — que não era, no entanto, um levantamento de intenção de votos, mas uma percepção dos entrevistados para a pergunta “Vou ler o nome de alguns políticos e gostaria de saber se o senhor(a) aprova ou desaprova a maneira como eles vêm atuando no país”. Na lista estavam Lula, Bolsonaro, Doria e outros presidenciáveis, além do juiz Sergio Moro e do ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa. Huck superava a todos, alguns com folga, como o nome do prefeito paulistano, que só soma 19% de aprovação.
O nome de Huck cresceu nos balões de ensaio da política – nome que se dá quando alguém é apresentado publicamente como possível candidato para ver a aceitação do público e do establishment — este ano desde que concedeu uma entrevista em março à Folha de S. Paulo, em que enfatiza a necessidade de a sua geração assumir postos chaves na política. Mas na mesma entrevista foi questionado sobre um desejo seu, explicitado dez anos atrás, de um dia ser presidente do Brasil.
– Há dez anos você declarou que poderia se lançar à Presidência no futuro. Esse momento chegou?
Huck se esquivou, mas sua resposta não foi um “não” definitivo. “Esta é sempre a pergunta pegadinha. Não dá para responder na atual conjuntura. Falando seriamente, nossa geração chegou a um momento em que tem capacidade, saúde, força de trabalho, relevância, influência. Quem entrou na faculdade em 1990 está chegando agora aos espaços de poder. Faço parte desta geração. Estamos vivendo um trauma moral e ético que se soubermos capitalizar para o bem, tenho convicção de que daqui a 10, 20, 30 anos vamos ter um país de fato diferente e mais justo.”
Desde então, as especulações sobe seu nome cresceram, inclusive com a legitimidade de nomes tradicionais da política, como o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que disse numa entrevista em maio que Huck representava o “novo” como alternativa neste momento em que a política busca saídas para o desprezo popular.
Mas Huck sempre tratou de desmentir, quando perguntado, dizendo que podia ajudar participando do lado de fora e como figura pública, que tem milhões de seguidores em redes sociais, e a audiência de 18 milhões de pessoas todos os sábados no Caldeirão do Huck. Em outubro deste ano, afirmou ter interesse em "participar deste processo de renovação política no Brasil", como escreveu em sua coluna na Folha de S.Paulo. Mais adiante no texto, no entanto, ele diz continuar "achando que, de onde estou, fora do dia a dia da política, minha contribuição pode ser mais efetiva e relevante".
O global também ganhou holofotes depois de, ao lado de outro empresários de peso como Abílio Diniz, entrar como fiador da criação de um fundo cívico com o objetivo de fomentar e formar novos quadros da política nacional.
Assim como Aécio em 2011, Huck também teve a habilitação apreendida durante uma blitz da Lei Seca, em 2012, no Rio de Janeiro
Vive, também, a pressão de alguns partidos, como o PPS, que espera a sua filiação neste ano. Apesar de ainda manter o rótulo de balão de ensaio, diante do cenário eleitoral que se desenha a partir das pesquisas mais recentes, Huck poderia embalar uma candidatura palatável que traria a reboque nomes de total prestígio no mercado financeiro, como o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso e sócio da Gávea Investimento. Fraga, inclusive, está ao lado do global no fundo cívico.
Além da aproximação com partidos políticos, o global também tem se articulado com integrantes do Agora!, entidade formada por acadêmicos e membros do terceiro setor que se autodenomina um “movimento cívico que pretende impactar a agenda pública e a ação política a partir de cidadãos comuns”. Huck integra a lista de membros, mas não teve participação ativa na entidade até o momento. O endosso a uma candidatura do apresentador por parte do movimento ainda não é oficial, mas alguns quadros do Agora! já sinalizaram que existe essa possibilidade. Embora popular, seu nome não chega a ser uma unanimidade. A movimentação em prol dele fez, por exemplo, com que um dos fundadores do grupo, o ativista e produtor cultura Alê Youssef, anunciasse sua desfiliação.
Nos Estados Unidos o fenômeno do entretenimento invadir a política não é novo – o ex-presidente Ronald Reagan, morto em 2004, teve uma carreira prolífica como ator de filmes de faroeste antes de assumir a Casa Branca, e o Arnold Schwarzenegger, o Exterminador do Futuro, se elegeu governador da Califórnia. O próprio Donald Trump ganhou boa parte da sua fama quando apresentou um programa de TV. O Brasil, porém, não tem um histórico de celebridades no Executivo. Mas se existe algo com o que todos concordam, é que no Brasil dos tempos atuais, tudo pode acontecer.
Por ora, o nome de Huck embala as conversas de potenciais adversários. Doria e Aécio Neves já desdenharam seu nome, e nesta semana, foi a vez do ex-presidente Lula. O petista disse que "adoraria" disputar as eleições contra alguém que tem o "logotipo da Globo na testa". As provocações, que cresceram com o resultado da pesquisa Ipsos, devem forçar Huck a se posicionar de uma vez por todas. Ele, de fato, não terá muito tempo para decidir. A Globo fez circular internamente uma diretriz: funcionários que pretendem disputar o pleito serão afastados a partir de dezembro, e precisam tomar uma decisão em breve.
Do ponto de vista dos negócios, suas empresas patinaram diversas vezes quando o assunto foi racismo ou meio-ambiente
É inegável que o apresentador tem alguns trunfos na manga para uma eventual disputa. O principal deles é o fato de ser um rosto conhecido em todo o Brasil, um pai de família que comanda um programa de TV no qual oferece ajuda às pessoas. Por outro lado, Huck tem posições consideradas liberais e progressistas em questões comportamentais, como por exemplo a legalização da maconha. Ele foi, por exemplo, um dos produtores do documentário Quebrando o Tabu, que defende a descriminalização das drogas. Seu irmão Fernando Grostein Andrade dirigiu o filme. Homossexual assumido, Grostein também é responsável pela página do Facebook que leva o nome do documentário, considerada de esquerda por discutir questões de gênero, racismo, aborto entre outras. Isso pode atrair um eleitor jovem (principal público do seu programa) e mais escolarizado, mas pode ser um tiro no pé para Huck.
“Ele vai ter que se guiar pela imagem de homem de família que ajuda os mais pobres. Um candidato que coloca abertamente a agenda da descriminalização das drogas e o aborto, por exemplo, pode sofrer muito numa eleição”, diz Marcello Faulhaber, mestre em Economia Política pela London School of Economics e estrategista da campanha de Marcelo Crivella à Prefeitura do Rio em 2016. Segundo ele, a aproximação de Huck com “o pessoal do Agora!, que tem agenda de Estado pequeno e bastante liberal no campo comportamental, pode ser prejudicial para suas pretensões eleitorais”.
Mas caso opte por disputar o Planalto, o global teria de se preparar para algumas cascas de banana, para além do pouco tempo de TV que PPS ou DEM teriam a oferecer. Aos 46 anos, Huck ainda é frequentemente associado ao establishment tucano: nas eleições de 2014 ele acompanhou a apuração dos votos na casa do candidato derrotado, Aécio Neves. Ao longo da campanha, o senador recebeu o endosso do apresentador na disputa.
Após o tucano se ver envolvido em denúncias da Operação Lava Jato, circulou nas redes sociais a informação de que Huck estava apagando fotos nas quais aparecia ao lado do peessedebista, o que ele negou prontamente. Mas alfinetou em entrevista à Folha de S.Paulo: “É evidente a minha enorme decepção e tristeza com tudo o que veio à tona em relação não só a um amigo, mas a alguém que foi governador, senador e que recebeu mais de 51 milhões de votos numa eleição presidencial recente". Em novembro deste ano o tucano também mostrou-se pouco simpático a Huck, ao dizer que sua provável pré-candidatura é sinal da “falência” da política.
“Ele consegue se posicionar em um contexto de pós-esquerda e pós-direita, com um discurso mais conciliatório e não de ataque”
Assim como Aécio em 2011, Huck também teve a habilitação apreendida durante uma blitz da Lei Seca, em 2012, no Rio de Janeiro: “deveria ter ido de táxi”, escreveu em um post no Facebook após o episódio, admitindo ter bebido “um copo de vinho”. Além de Aécio, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (preso há um ano por seu envolvimento em esquemas de corrupção) e o empresário Eike Batista (que foi para prisão domiciliar em abril) são algumas personalidades a quem Huck já teceu elogios nas redes sociais. Ambos caíram em desgraça.
Para o estrategista político Faulhaber, é “inegável” que ele é visto por uma parcela da classe média como integrante do “establishment não só político, mas econômico”. “Ele tem relações comerciais com grandes empresas há muito tempo, seja com a Globo ou o banco Itaú [como garoto propaganda], além de políticos envolvidos em escândalos. Isso pode ser explorado pelos rivais na campanha”, afirma.
Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisas Locomitiva e fundador do Data Favela e do Data Popular, acredita que a candidatura de Huck “é uma das mais viáveis” no cenário nacional. “Ele consegue se posicionar em um contexto de pós-esquerda e pós-direita, com um discurso mais conciliatório e não de ataque”, diz. Segundo Meirelles, “existe uma demanda latente” por um candidato outsider “que tenha esse perfil, que rompa com os argumentos do fla-flu que se tornou a política nacional”. Para ele, os laços com o establishment podem ser alvo de ataques, "mas o fato é que todos os demais candidatos são o establishment político".
Estes laços com políticos investigados, no entanto, são apenas parte das cobranças que teria de enfrentar. Do ponto de vista dos negócios, as empresas de Huck patinaram algumas vezes quando o assunto foi racismo ou meio ambiente, o que pode dar munição para os rivais no horário eleitoral e em debates. Uma polêmica famosa ocorreu após o jogador Daniel Alves, então no Barcelona, ser alvo de ofensas racistas quando torcedores do Vilarreal jogaram bananas nele. Uma das marcas de roupa da qual Huck é sócio criou uma estampa supostamente para apoiar Alves na qual se lia “#somostodosmacacos” e “respeito”. O slogan não foi bem recebido por parte do público, que ainda acusou o apresentador de tentar lucrar com o triste episódio.
Já em 2016, outra marca de Huck fez uma campanha de marketing em sua loja na qual manequins negros foram pendurados de ponta cabeça na vitrine, com os pés amarrados por cordas. A empresa afirmou que “até [o logo] é posto de cabeça para baixo”, e que não se tratou de um episódio de racismo.
Questões ambientais também podem assolar o apresentador. Em 2003 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) interditou temporariamente a Pousada Maravilha em Fernando de Noronha, Pernambuco, da qual ele era acionista. De acordo com o órgão, faltavam documentos de licenciamento para que o empreendimento pudesse funcionar. Posteriormente Huck se desfez de sua participação na pousada.
Outro imóvel de Huck que também foi alvo de disputas na Justiça por violações ambientais foi uma mansão em Angra dos Reis, no Rio. Segundo noticiou o jornal O Estado de São Paulo em janeiro de 2010, o global teria sido beneficiado por um decreto do então governador, Sérgio Cabral, que alterou a Área de Proteção Ambiental da região, beneficiando construções irregulares. A medida foi apelidada de "Lei Huck". À época, foi o escritório de advocacia da mulher do peemedebista, Adriana Ancelmo Cabral, quem cuidou da defesa do apresentador em um processo movido pelo município de Angra contra ele. Atualmente a questão está no Supremo Tribunal Federal.
Huck foi condenado em agosto deste ano por ter instalado uma série de boias no entorno da mansão, que de acordo com ele seriam para a maricultura (produção de mariscos). Além de retirar o equipamento da água, ele foi obrigado a pagar uma multa de 40.000 reais a título de indenização. A sentença já transitou em julgado, e não cabem mais recursos.
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