O secreto propinoduto da Odebrecht na Europa
Por meio de banco em Andorra, empresa pagou o equivalente a 650 milhões a 145 políticos e servidores Papéis aos que o EL PAÍS teve acesso mostram os documentos usados para abrir as contas no principado
A Odebrecht, gigante brasileira da construção que protagonizou o maior escândalo de propinas no continente americano, pagou 200 milhões de dólares (650 milhões de reais) em propinas a políticos, funcionários, empresários e supostos “laranjas” de oito países da América Latina através do Banca Privada d'Andorra (BPA), de acordo com relatórios confidenciais da polícia do principado.
Os rastreadores da Polícia Judiciária e de Investigação Criminal de Andorra sob as ordens da juíza Canòlic Mingorance calcularam esse valor depois de examinar as contas de 145 clientes apresentadas ao banco pela maior empreiteira da América Latina. Uma empresa gigante com 168.000 funcionários e tentáculos em 28 países.
O Governo de Andorra interveio em março de 2015 no BPA por um suposto crime de lavagem de dinheiro. O Departamento do Tesouro dos EUA informou que tinha denunciado esta entidade por acolher fundos de criminosos. Andorra, sob pressão internacional, renunciou no ano passado ao sigilo bancário.
O EL PAÍS teve acesso à documentação confidencial que políticos, altos funcionários de Governo, advogados e laranjas do Equador, Peru, Panamá, Chile, Uruguai, Colômbia, Brasil e Argentina apresentaram ao BPA para abrir suas contas secretas. A Odebrecht transferiu para essas contas valores milionários mascarados como serviços que nunca realizou.
A revelação inclui centenas de documentos, como passaportes, cartas de apresentação, questionários confidenciais de clientes e relatórios sobre a avaliação de risco. Também inclui as atas das empresas do Panamá, das Ilhas Virgens e de Belize que os principais protagonistas da trama Odebrecht usavam para operar. Uma bomba política que revelou pagamento de propina em 12 países da América Latina e cujos estilhaços já impactaram os presidentes Michel Temer (Brasil), Juan Manuel Santos (Colômbia) e Danilo Medina (República Dominicana). E também os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Ollanta Humala (Peru), que está preso pelo escândalo.
O BPA de Andorra e o Meinl Bank de Antígua e Barbuda (país do Caribe) foram os principais bancos utilizados pela empresa de Marcelo Odebrecht, atualmente na prisão, para o pagamento de subornos a atores centrais na distribuição de obras públicas.
A construtora reconheceu na Justiça do Brasil que pagou legal e ilegalmente por campanhas eleitorais de presidentes latino-americanos. E que os candidatos favorecidos pela empreiteira executavam, depois, planos de obras milionários.
A polícia de Andorra elaborou um relatório detalhado contendo os nomes de 145 clientes e empresas que abriram contas no BPA por iniciativa da Odebrecht e investiga dezenas de pessoas e empresas que mantiveram operações bancárias através dessa estrutura corrupta _entre os documentos aos que o EL PAÍS teve acesso, não há nomes de políticos brasileiros. São clientes que receberam e fizeram transferências internas diretas para as principais contas sob suspeita. Os investigadores tentam determinar se eles também são parte desta complicada rede de compra de vontades em troca de obras públicas.
As investigações policiais e judiciais revelaram que a Odebrecht usou as empresas offshore Aeon Group e Klienfeld Services para pagar subornos a políticos e funcionários. E que gestores do BPA constituíram empresas no Panamá para esconder os verdadeiros donos das contas bancárias.
A maioria dos clientes do BPA favorecidos pela Odebrecht esvaziou suas contas rapidamente e, às vezes, transferiu fundos para bancos suíços e outros paraísos fiscais, de acordo com os investigadores. Os documentos mostram que, embora os funcionários do Departamento de Complimiento (Compliance) do BPA alertaram para o alto risco das PEP (pessoas politicamente expostas) apresentadas pela Odebrecht, as contas foram abertas mesmo assim.
A seguir estão os detalhes que surgem dos documentos secretos do maior escândalo da América:
Transferência de 2,1 milhões aos pais de um ex-ministro do Panamá
A Odebrecht pagou 2,1 milhões de dólares (6,8 milhões de reais) aos pais de Demetrio Papadimitriu, ex-ministro da Presidência e ex-chefe de campanha do presidente Ricardo Martinelli do Panamá (2009-2014), de acordo com os documentos confidenciais.
A construtora usou uma de suas empresas instrumentais, Aeon Group, para transferir fundos aos pais do político, María Bagatelas Papdimitriu e Diamantis Papdimitriu, já falecido. Para ocultar o rastro do dinheiro, os familiares do ex-ministro foram muito cautelosos. Colocaram como titulares de suas contas quatro empresas constituídas no paraíso fiscal de Belize. Os Papdimitriu chegaram a receber no BPA desde 2011 um total de quatro depósitos no valor de cerca de dez milhões de dólares (32 milhões de reais). Todas suas contas estavam criptografadas. E nem mesmo os funcionários do banco podiam saber que, atrás de códigos como 490145, se escondia a família do antigo homem forte de Martinelli.
Um alto funcionário do presidente do Peru planejava esconder 10 milhões
O antigo vice-presidente da empresa estatal Petróleos del Perú, Miguel Atala Herrera, planejava esconder até dez milhões de dólares (8,5 milhões de dólares) em Andorra. Este antigo diretor indicado durante o mandato do presidente Alan García (2006-2011) recebeu no BPA 1,3 milhão de dólares (4,2 milhões de reais) de uma das empresas usadas pela Odebrecht para pagar seus subornos, a Klienfeld.
Os documentos secretos do banco de Andorra também confirmam que Gabriel Prado Ramos, ex-diretor de Segurança Pública de Lima e antigo responsável pela empresa municipal de pedágios EMAPE durante o mandato da ex-prefeita Susana Villarán (2011-2014), planejava esconder no pequeno país europeu entre 600.000 e um milhão de dólares (entre 1,9 milhão e 3,2 milhões de reais). E apenas durante o primeiro ano desviou 800.000 dólares (2,6 milhões de reais) para sua conta em Andorra.
As revelações também mostram que o ex-membro do Comitê de Licitações do Metrô de Lima, Edwin Martin Luyo Barrientos, administrava - pelo menos - duas contas em Andorra. Além de sua conta já conhecida no BPA, há outra no Crèdit Andorrà que no dia 24 de abril de 2016 registrava um saldo de 1,2 milhão de dólares (3,9 milhões de reais).
Ex-ministro do Equador e engenheiro mecânico
A polícia de Andorra concluiu que Alecksey Mosquera, ex-ministro de Eletricidade do Equador durante o mandato presidencial de Rafael Correa (2007-2017), e o empresário Marcelo Raúl Endara receberam pagamentos ilegais e subornos da Odebrecht. “Os depósitos feitos em suas contas não foram justificados com documentos e apenas são mencionadas supostas atividades de prestação de serviços e consultoria com pouca ou nenhuma justificativa para os fluxos obtidos e depositados”, afirmam os investigadores. Três empresas panamenhas de Endara moveram um milhão de dólares (3,25 milhões de reais) da Klienfeld, uma das duas empresas utilizadas pela construtora brasileira para pagar suas comissões ilegais através do BPA.
Para conseguir a abertura de sua conta na entidade andorrana, Mosquera se apresentou ao banco como engenheiro mecânico para preencher, em 18 de janeiro de 2011, o questionário confidencial de cliente. No BPA recebeu da Odebrecht um suposto suborno de um milhão de dólares (3,25 milhões de reais). Mosquera respondeu à pergunta se era uma Pessoa Politicamente Exposta (PEP) marcando um X tanto no sim como no não.
Betingo, o ator central
A conexão entre o BPA e a Odebrecht passa - de acordo com os documentos secretos - pelo antigo responsável pelo banco de Andorra no Uruguai, Andrés Norberto Sanguinetti Barros, apelidado de Betingo. A polícia do Principado descreve o papel deste ex-diretor como “central” e o posiciona na criação da complicada rede comercial criada pela maior empreiteira da América Latina para pagar comissões milionárias. “Construiu redes de empresas para triangular operações em benefício da Odebrecht”, concluem os agentes. Betingo atuou como “pessoa de contato” entre o BPA e o principal laranja do esquema de subornos, Olivio Rodrigues, segundo os investigadores. Rodrigues foi o homem por trás da Klienfeld, uma sociedade criada pela Odebrecht que canalizou pagamentos no valor de 200 milhões de dólares (650 milhões de reais).
Pistas sobre o suborno do ex-ministro colombiano García Morales
A polícia de Andorra confirmou o suborno de 6,5 milhões de dólares (21,1 milhões de reais) pagos pela Odebrecht a Gabriel García Morales, ex-vice-ministro de Transporte do Governo do ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe. Um relatório, datado de 8 de agosto, afirma que a conta aberta em nome da empresa Lurion Trading Inc “foi usada como ponte para transferir fundos para o exterior e para uma terceira pessoa, com o objetivo de impedir que o verdadeiro beneficiário fosse conhecido”. O beneficiário foi García Morales, que concedeu para a Odebrecht a obra pública da Ruta del Sol, Sector II, uma parte da Autopista Atlántica colombiana. O ex-político colombiano declarou-se culpado em janeiro passado.
A polícia de Andorra também colocou o foco sobre um novo nome: Paulo César de Miranda, advogado da empresa Akerman LLP da Flórida (EUA), que participou de uma reunião na sede desta empresa em Miami com diretores da Odebrecht. Na reunião supostamente foi discutida a crise enfrentada pelo Banco Meinl de Antígua e Barbuda, entidade usada pela construtora para pagar os subornos. Os agentes examinam uma conta em nome de Kingstall Financial Inc., empresa criada nas Ilhas Virgens, aberta em 25 de maio de 2010, cujos representantes foram Miranda e Carlos Raúl Barrios Icaza, embora este último tenha saído. A conta chegou a ter em julho daquele ano, um saldo superior a 12 milhões de dólares (39 milhões de reais).
Dinheiro de propinas em uma obra argentina de 3 bilhões
A Odebrecht pagou com fundos pouco transparentes a uma subcontratada que participou no soterramento da linha de trem Sarmiento, uma infraestrutura em Buenos Aires no valor de 3 bilhões de dólares (9 bilhões de reais). A obra entrou em licitação em 2006 durante o mandato do ex-presidente argentino Néstor Kirchner. E foi reativada em outubro passado pelo atual Governo de Mauricio Macri. Com uma execução de 10%, a construção deste projeto que inclui mais de 20 quilômetros de túneis tem a previsão de acabar em 2022. Um consórcio onde estava a Odebrecht junto com as construtoras Iecsa, Ghella e Comsa desembolsou pelo menos 1,4 milhão de reais em suborno para uma subcontratada ligada ao soterramento da linha de trem Sarmiento, de acordo com um relatório da polícia de Andorra de 11 de abril de 2017.
Uruguai: uma corretora de câmbio sob suspeita
O Uruguai ocupa outro capítulo na investigação da juíza sobre os tentáculos da Odebrecht no Principado. Os investigadores cercaram a empresa Carday Capital SA e seus beneficiários, Gustavo Raymundo Pintos Giordano e Carlos Roberto Tarigo Bonizzoni. A polícia diz que ambos são sócios da corretora de câmbio Cambio Europa SA em Montevidéu. Carday Capital SA tinha uma conta aberta no BPA para “receber fundos de vários clientes sul-americanos, principalmente do Brasil e da Argentina”. Estão sendo investigados os pagamentos que a Klienfeld, empresa panamenha da Odebrecht usada para pagar subornos, fez para a Carday Capital SA. Os agentes apontam também um terceiro beneficiário desta empresa, “Ricardo Fontana”. Argumentam que pode ser Ricardo José Fontana Allende, um empresário envolvido em uma operação de lavagem de dinheiro iniciada no Brasil e chamada Harina.
Os relatórios policiais sobre o Chile citam Andrés León Mozes Libedinsky e sua empresa de Belize, Ralford Limited. O empresário foi apresentado ao BPA pelo Aeon Group, uma das empresas empregadas pela Odebrecht para pagar propina. A conta desse chileno apresenta, segundo a polícia, um saldo de 400.103 euros (1,5 milhão de reais). E recebeu três milhões de dólares (9,7 milhões de reais) da Aeon. Este jornal tentou sem sucesso entrar em contato com Mozes para que desse sua versão.
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