Por que a França ordenou a retirada de uma cruz sobre uma estátua do papa João Paulo II?
Símbolo religioso está sobre uma estátua colocada em uma praça pública
Uma estátua do papa João Paulo II, sim. Uma cruz sobre o monumento, não. O Conselho de Estado da França ordenou à prefeitura de Ploërmel que retire a cruz colocada sobre a escultura do papa em uma praça dessa localidade na Bretanha. Segundo a maior instância judicial administrativa do país, o símbolo religioso não respeita a separação estrita entre Igreja e Estado determinada pela lei do país, e que serve para qualquer lugar público.
A estátua de João Paulo II com as mãos colocadas em gesto de oração, que foi erguida com recursos públicos, fica sobre um pedestal com a famosa declaração do papa polonês “não tenhais medo”, e está sob um arco sobre o qual repousa a cruz motivo de discórdia. Foi colocada em 2006 na praça João Paulo II em Ploërmel, uma comunidade de 10.000 habitantes no departamento de Morbihan, na Bretanha.
A decisão do Conselho de Estado põe fim a uma batalha judicial que durou 11 anos, praticamente desde que o então prefeito da cidade, o conservador Paul Anselin, encomendou a estátua do Papa ao escultor russo Zourab Tsereteli. Uma decisão que levou a protestos da Federação de Morbihan de pensamento livre, que, ao lado de outros cidadãos, recorreu à Justiça para cobrar a retirada do monumento, argumentando que violava a lei de 1905 que decreta a separação de Igreja e Estado.
Em 2015, um tribunal administrativo lhes deu razão e ordenou que a prefeitura retirasse a estátua da praça pública, considerando que a cruz, “símbolo da religião cristã, por sua disposição e suas dimensões, apresenta um caráter ostensivo” e não respeitava “a neutralidade do serviço público ante os cultos religiosos”. Mas um tribunal de apelações anulou o veredicto no mesmo ano, alegando um erro jurídico.
O Conselho de Estado acabou, no entanto, por agora dar razão aos laicos e à sua defesa da lei de 1905. O artigo 28 dessa legislação “proíbe erguer ou colocar qualquer sinal ou emblema religioso sobre monumentos públicos ou em um espaço público, seja qual for, a exceção de edifícios religiosos, terrenos de sepulturas nos cemitérios, monumentos funerários e museus ou exposições”.
O artigo, “que tem por objetivo garantir a neutralidade das pessoas públicas a respeito dos cultos religiosos, obstrui a instalação por estas, em um espaço público, de um sinal ou emblema que manifeste o reconhecimento de um culto ou que marque uma preferência religiosa”, afirmou o Conselho de Estado.
O órgão estatal deu ao Governo municipal prazo de seis meses para cumprir sua decisão. No entanto, não terá que retirar toda a estátua, nem sequer o arco. A decisão afeta somente a cruz, uma vez que o Conselho de Estado considero que, “ao contrário do arco, representa um sinal ou emblema religioso, de forma que sua colocação contraria o artigo 28 da lei de 9 de dezembro de 1905 sobre a separação das Igrejas e do Estado”, segundo o veredicto emitido na quarta-feira.
A Frente Nacional não demorou para denunciar uma “profanação judicial” e “injusta” que faz parte de “uma obra de destruição de nossa civilização judaico-cristã”, afirmou o vice-presidente do partido de extrema-direita, Louis Aliot, em comunicado. “Quando vai ter fim essa caçada a nossos símbolos, nossas tradições e nossa história!”, acrescentou Aliot.
Paradoxalmente, a FN acaba de apresentar uma proposta de lei para ampliar outra lei em defesa do laicismo, uma legislação vigente desde 2004 que proíbe a exibição de símbolos religiosos ostensivos nas escolas e institutos de ensino. Em uma iniciativa abertamente dirigida a impedir que mulheres muçulmanas usem o hijab ou véu em sala de aula, o partido de Marine Le Pen quer que esta lei se aplique também às universidades. Em sua defesa da proposta, afirma de forma explícita que a origem da medida está na “pressão exercida pelos discípulos de um islã rigoroso que ameaça à ordem pública e exige uma resposta firme que proíba os símbolos ostensivos em todos os estabelecimentos de ensino público”.
Há um ano, quando a Federação de Morbihan a favor do livre pensamento reiterava seu chamado pela retirada da estátua de João Paulo II, a organização laica já advertia sobre a importância de defender o conceito de laicismo das forças de extrema-direita, que “querem se apropriar dessa palavra para destilar melhor seu veneno xenófobo”.
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