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STF suspende novas regras do trabalho escravo por ferir princípios da Constituição

Em decisão liminar, ministra Rosa Weber ataca com dureza a portaria do Temer que muda normas para caracterizar o que é ou não uma atividade análoga à escravidão

Imagem de 2014 de um cortador de cana de açúcar em Campos Dos Goytacazes, no Rio.
Imagem de 2014 de um cortador de cana de açúcar em Campos Dos Goytacazes, no Rio.Marcelo Sayao (EFE)
Felipe Betim
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A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu nesta terça-feira uma liminar (decisão provisória), pedida pelo partido Rede Sustentabilidade, que suspende a portaria do Governo de Michel Temer que altera — e reduz — a fiscalização ao trabalho escravo. Para Weber, a ordem de Temer "vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supra legal assumidos pelo Brasil". A decisão da ministra ficará vigente até que o caso seja julgado pelo plenário do Supremo.

A portaria do Ministério do Trabalho diz, entre outros pontos, que seria preciso ocorrer a privação do direito de ir vir para que fosse identificado o trabalho forçado, a jornada exaustiva e a condição degradante, algo que no Código Penal não é obrigatório. A portaria deixa também nas mãos do ministro do Trabalho — e não mais da equipe técnica — a inclusão de nomes na chamada "lista suja", que reúne empresas flagradas explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Para Weber, o Governo Temer "introduz, sem qualquer base legal de legitimação, o isolamento geográfico como elemento necessário à configuração de hipótese de cerceamento do uso de meios de transporte pelo trabalhador, e a presença de segurança armada, como requisito da caracterização da retenção coercitiva do trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída". Ela também recorda que a portaria se omite "quanto à conduta, tipificada na legislação penal, de restringir, por qualquer meio, a locomoção de alguém em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".

A ministra argumenta ainda que a portaria adota "conceitos tecnicamente frágeis" e "ambíguos" ao definir o conceito de trabalho forçado como aquele “aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador” ou quando este não tem a “possibilidade de expressar sua vontade”. Diz ainda que a portaria "opera verdadeiro esvaziamento do conceito" (trabalho escravo) ao atribuir "à expressão jornada exaustiva" o significado de "jornada excessiva em extensão ou intensidade".

A ministra Rosa Weber numa sessão do STF no último dia 3 de outubro.
A ministra Rosa Weber numa sessão do STF no último dia 3 de outubro.Carlos Moura (SCO/STF)

"Por fim, a Portaria aparentemente afasta, de forma indevida, do conjunto das condutas equiparadas a trabalho realizado em condição análoga à de escravo, as figuras jurídicas da submissão a trabalho forçado, da submissão a jornada exaustiva e da sujeição a condição degradante de trabalho, atenuando fortemente o alcance das políticas de repressão, de prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de escravo", diz a ministra. Em sua decisão, também deixa claro que "o Estado brasileiro tem o dever – imposto tanto pela Constituição da República quanto por tratados internacionais de que signatário – de manter política pública eficiente de combate à redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo".

A portaria foi publicada na semana passada pelo Governo Temer para atender demandas antigas da bancada ruralista, às vésperas da votação da segunda denúncia contra o presidente na Câmara dos Deputados. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) chegou a declarar que o Brasil deixava de ser referência no combate ao trabalho escravo e vira exemplo negativo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também defenderam a revogação imediata do documento.

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