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Papa Francisco: “Evitemos apresentar a fome como uma doença incurável”

Líder da Igreja católica pede que Governos deixem de lado os discursos vazios e atuem imediatamente contra as causas da falta de acesso de centenas de milhões de pessoas aos alimentos

Francisco, nesta segunda-feira na sede da FAO em Roma (Itália).
Francisco, nesta segunda-feira na sede da FAO em Roma (Itália).©FAO/Giuseppe Carotenuto

No momento em que o aumento do número de pessoas com fome, os conflitos e a mudança climática ameaçam deixar para trás ou obrigar milhões de pessoas a emigrar de seus países, não fazem sentido as denúncias de fachada nem as palavras medidas para evitar comprometimentos. Essa é a mensagem que o papa Francisco dirigiu nesta segunda-feira, na sede da FAO, a agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aos ministros da agricultura do G-7. “O que está em jogo é a credibilidade de todo o sistema internacional”, alertou o Papa.

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Especulação com o comércio de alimentos, apropriação de terras, cortes na cooperação. Em um discurso contemporâneo, alinhado com outros que já pronunciou anteriormente, o Pontífice abordou sem subterfúgios quase todas as questões que tomam conta do debate sobre a erradicação da fome, suas causas e consequências. “Evitemos apresentar a fome como uma doença incurável”, pediu o Papa.

Na comemoração do dia internacional da alimentação, dedicado à relação entre a falta de alimentos e as migrações, Francisco mencionou as “raízes” do problema: a violência e o clima. Por isso, instou as autoridades do mundo todo a combater o tráfico de armas e a trabalhar em favor da paz. Mais uma vez, fez um apelo à comunidade internacional: “De que adianta denunciar que milhões de pessoas são vítimas da fome e da desnutrição por causa de conflitos e não fazer nada contra isso?”.

“Não é justo tirar as terras cultiváveis da população, às vezes com a cumplicidade daqueles que deveriam defender os interesses do povo”

Ele também destacou a relevância do Acordo de Paris contra a mudança climática –“do qual desgraçadamente alguns se retiraram”– e fez um chamamento por uma mudança nos estilos de vida, nos modelos de produção e no consumo de alimentos. “Qualquer discurso sério” sobre a segurança alimentar e a migração, segundo o Papa, tem de partir desses pressupostos.

Na semana passada, no mesmo local, a sede romana da FAO, reuniram-se representantes de Governos, da iniciativa privada, ONGs e entidades urbanas, camponesas e indígenas do mundo inteiro para discutir as formas de garantir uma alimentação suficiente e saudável para todo o planeta. Nesta segunda-feira, o discurso de Francisco coincidiu, em grande medida, com as denúncias feitas nesse encontro.

De forma direta, sem usar de nuances semânticas nem se referir a medidas bem-intencionadas que visariam a evitar o fenômeno, o Pontífice condenou, por exemplo, a apropriação de terras: “Não é justo tirar terras cultiváveis da população, às vezes com a cumplicidade daqueles que deveriam defender os interesses do povo”. Diante de dezenas de diplomatas e representantes governamentais, ao mesmo tempo em que denunciou a corrupção administrativa que em certos casos consome toda ajuda externa, ele insistiu que “é preciso abandonar a tentação de atuar em favor de grupos reduzidos da população”.

O Papa destacou o aumento da produção mundial de cereais como um exemplo a ser seguido, como uma forma de trabalhar atendendo às necessidades de alimentação e não à busca por lucros. “Os recursos alimentícios estão frequentemente expostos à especulação, que os encara somente em função dos ganhos econômicos dos grandes produtores ou das estimativas de consumo”, criticou mais uma vez.

Em sintonia com o discurso do diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, e de alguns ministros do G-7 que se pronunciaram em seguida, Francisco fez uma aposta em projetos de desenvolvimento rural que gerem emprego e protejam as populações das crises ambientais, para que a migração não seja a única saída possível para milhões de pessoas. E incitou a todos a se envolverem mais. Não é aceitável “entrincheirar-se atrás de sofismas linguísticos”, reduzindo a diplomacia, assim, “a um exercício estéril para justificar o egoísmo e a inação”. Segundo o Papa, é preciso, não tanto piedade –“a piedade se limita à ajuda emergencial”–, mas sobretudo justiça.

O símbolo Aylan

Aylan Kurdi, o menino sírio de três anos que morreu afogado em setembro de 2015 quando tentava atravessar o Mediterrâneo com sua família, é o símbolo da migração forçada dos dias de hoje. A foto de seu cadáver na areia de uma praia turca ilustra também a "indiferença" da sociedade diante de tanto horror e de tanta morte lamentada pelo Papa nesta segunda-feira.

O Pontífice presentou a FAO com uma estátua de mármore realizada por um artista italiano autodidata e que representa a imagem que, reproduzida nos veículos de comunicação e nas redes sociais, transformou Aylan em um símbolo da tragédia. Ao lado da criança, um anjo alado chora desconsolado.

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