_
_
_
_

Trump não validará pacto nuclear com Irã e deixa acordo nas mãos do Congresso

Objetivo do presidente é ampliar seu perímetro punitivo e que seja sancionado também o programa balístico

Jan Martínez Ahrens
Donald Trump, na Casa Branca
Donald Trump, na Casa BrancaAP

O presidente dos Estados Unidos sacudiu o tabuleiro internacional nesta sexta-feira. Cada vez mais afastado dos seus aliados europeus, Donald Trump anunciou sua decisão de não validar o pacto nuclear com o Irã, e de deixar o futuro do acordo nas mãos do Congresso. A medida, embora não signifique a ruptura do acordo, abre caminho para uma estratégia muito mais agressiva contra Teerã, e um capítulo incerto para o Oriente Médio. "Vou interromper um caminho que leva ao terror, à violência e à arma nuclear. Em qualquer momento posso acabar com o pacto", afirmou Trump.

O presidente elevou o tom. Diante da discrição de seus assessores, focados em apagar o incêndio, Trump cravou a marca de um "regime fanático, ditatorial e terrorista". Um viveiro mundial de "destruição e morte" que tem que ser freado. "O Irã nunca terá a bomba atômica. As agressões não deixaram de crescer e é hora de colocar um fim nisso", disse o presidente.

Mais informações
Irã alerta que responderá “de forma decidida” a uma ruptura do pacto nuclear
Donald Trump ameaça “destruir totalmente a Coreia do Norte”
EUA decidem rever suspensão de sanções ao Irã como parte do acordo nuclear
Editorial | Trump provoca o Irã

Sua firmeza, que gerou uma rejeição imediata do Irã, veio acompanhada do anúncio de novas sanções econômicas à Guarda Revolucionária e pela decisão de não validar o acordo. Um passo que, sem reativar os pactos econômicos para o programa nuclear iraniano, busca expandir o alvo contra o regime dos aiatolás.

O objetivo declarado é que o Congresso estabeleça novos limites, que resultem em castigos em caso de descumprimento. Esses cenários incluiriam o programa balístico de Teerã, a possibilidade de que o país produza uma arma nuclear em menos de um ano e a sua eventual recusa em prorrogar as restrições à produção de combustível nuclear. “Procuramos neutralizar a capacidade de desestabilização do Governo do Irã e diminuir seu apoio ao terrorismo”, observa um documento da Casa Branca.

O silêncio precede o grito. Com Trump irromperam na Casa Branca os tambores do medo. Os complexos equilíbrios cimentados durando o mandato de Barack Obama começaram a se romper. Não se trata somente da retirada do acordo contra as mudanças climáticas ou a frenética escalada nuclear com a Coreia do Norte. Também são as relações com Cuba, reduzidas à sua mínima expressão, e agora o acordo nuclear com o Irã.

O acordo foi saudado na época como um marco do multilateralismo e do diálogo. Um feito da diplomacia de Obama, equiparável aos acordos de Camp David em 1978. O texto, selado em 2015 em Viena, limitava o programa atômico iraniano em troca da suspensão das sanções econômicas. Mas seu alcance era muito maior. Dois inimigos acérrimos, que haviam passado 40 anos confrontados, davam as mãos e decidiam fazer uma pausa. Numa terra manchada por tanto sangue e fogo, a aproximação desses dois Governos antagônicos parecia abrir uma porta para a calma. O acordo vinha, além disso, referendado por outras cinco potências (França, Rússia, China, Reino Unido e Alemanha), com o que se tornava um modelo global para resolver outros conflitos.

O sucesso, contudo, não foi absoluto. Desde o início o pacto enfrentou resistências. Israel, o grande aliado dos Estados Unidos na região, rejeitou o texto de Viena. Não acreditava nos bons propósitos do Irã e argumentava que ele continha uma cláusula de extinção após uma década, razão pela qual, portanto, não colocava realmente um fim ao desenvolvimento da arma nuclear iraniana.

Trump, alérgico a qualquer coisa que tenha a assinatura de Obama, sempre teve uma percepção semelhante. Durante a campanha eleitoral, descreveu-o como o “pior pacto do mundo” e prometeu rompê-lo se chegasse à Casa Branca. Já no poder, não deixou de atacá-lo, a tal ponto que, no seu discurso de setembro à Assembleia Geral da ONU, descreveu o acordo como “uma vergonha”.

Este impulso destrutivo foi contido durante meses pelo alto comando da Casa Branca. O secretário de Estado, Rex Tillerson, o chefe do Pentágono, Jim Mattis, e o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Joseph Dunford, se mostraram partidários de manter o acordo com vida. Sob sua influência, o Salão Oval, deixando de lado os tuítes incendiários do presidente, certificou sua continuidade em suas revisões trimestrais. Nada excepcional, levando-se em conta que também a Agência Internacional de Energia Atômica e o resto dos signatários consideram que o Irã cumpre sua parte.

Mas o dique finalmente apresentou uma fissura. Em uma decisão que tem muito de pirueta, Trump recusará o seu aval à certificação e o remeterá ao Congresso. A medida, segundo o Departamento de Estado, foi longamente debatida. Frente ao impulso inicial de Trump de jogar tudo pela janela, triunfou um caminho intermediário. A Casa Branca não vai recomendar a retomada das sanções paralisadas desde 2015, mas quer aproveitar a sua tramitação no Congresso para ampliar o campo de tiro e com isso obter um duplo resultado: manter o que foi obtido em Viena e somar novos alvos.

O comportamento do Congresso ainda é uma incógnita. Trump diz que tem apoio suficiente para levar adiante a iniciativa. Mas propostas anteriores, como a retirada do Obamacare, fracassaram estrepitosamente pela incapacidade republicana de chegar a um consenso.

Com ou sem escalada, Trump voltou a escrever a política externa dos EUA com métricas internas. É a doutrina da América Primeiro desviada para o campo eleitoral. Embora o gesto esteja incompleto, o presidente pode dizer orgulhoso para seu núcleo mais fiel que cumpriu sua promessa e deu outro golpe ao legado odiado de Obama. Como em outras vezes, colocou o carro na frente dos bois. Rompeu pontes justamente quando os Estados Unidos estão imerso em uma vertiginosa escalada com a Coreia do Norte. Um problema que se soma a outro problema. Trump, de novo, pisa no acelerador.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_