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Coluna
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Coreia: a guerra que não terminou

O conflito iniciado na década de 1950 perdura até hoje e as previsões pioraram desde a eleição de Donald Trump

Kim Jong-un faz pronunciamento contra Donald Trump na TV norte-coreana.
Kim Jong-un faz pronunciamento contra Donald Trump na TV norte-coreana.KCNA (EFE)
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A guerra da Coreia iniciou-se em 25 de junho de 1950, com a invasão do território do Sul pelas forças do Norte. Foi uma das primeiras situações em que problemas derivados da contraposição de forças em disputa durante a Segunda Guerra Mundial, no caso os EUA, A União Soviética, China e o Japão resultaram em novo conflito. Outras, como, por exemplo, o Vietnã, a Camboja, o Laos, a ilha Formosa (onde localiza-se Taiwan), tomaram mais tempo. Chegaram porém a ser resolvidas, embora a muito custo. A Coreia ainda não. E, com o desenvolvimento de armas nucleares por Pyongyang, assim como de mísseis balísticos de longo alcance, a situação tende a agravar-se ainda mais.

Ao que parece, a Coreia do Norte tenta ganhar a guerra que terminou de certa forma empatada em 1950, com o país dividido em duas partes independentes. Uma, ao Norte, sob a proteção da União Soviética e da China, então em franco período revolucionário. E outra, no Sul, sob a proteção dos Estados Unidos e, pouco a pouco, também do Japão, histórico antagonista da Península Coreana. Nas duas vezes em que estive na Coreia do Sul, ouvi referências marcadas por um perceptível orgulho “retroativo” de que a civilização japonesa descende da coreana. Durante a Segunda Guerra, o Japão ocupou toda a península e, ao final, a ocupação conjunta por forças soviéticas e norte-americanas garantiu a manutenção da divisão entre as duas Coreias, tal como a das duas Alemanhas na Segunda Guerra Mundial.

Americanos e soviéticos não tinham então um objetivo estratégico claro na região. Havia outras prioridades no final da II Guerra. Consta que não foi difícil chegar a um acordo destinado a dividir a península ao meio, no entendimento que as duas partes se reuniriam eventualmente sob um único governo coreano.

As retiradas soviética e americana deram-se no período 1948-1949. Porém, como lembrou John Lewis Gaddis em seu magnífico livro A Guerra Fria, não houve acordo sobre qual parte dirigiria o país. Cada qual se dizia herdeiro da vitória.

Os Estados Unidos, pressionados por graves problemas de “gestão” do pós-guerra, não davam maior importância à Coreia. Ignoraram os apelos das lideranças do Sul para que interviessem.

Foi o que bastou para que Stálin, em sintonia com Mao Tse Tung e com o líder do Norte, Kim-Il-Sung, decidisse apoiar a invasão do Sul pelo Norte. Os americanos acordaram e desfecharam, sob a capa protetora institucional da ONU, um contra-ataque utilizando inicialmente forças estacionadas no Japão. Isso só foi tornado possível pela ausência da União Soviética, que havia-se retirado do Conselho de Segurança sem poder, portanto, vetar a decisão.

A estratégia do General MacArthur, que comandava as tropas da ONU, foi rápida e efetiva. Os soviéticos deixaram a Península. E a República Democrática da China assumiu o controle da situação militar mudando, de certa forma, a face do conflito que começou a ensejar fortes confrontações. Consta que MacArthur chegou a usar cinco armas nucleares de alcance moderado para estancar a invasão chinesa.

Os soviéticos ameaçaram retaliar igualmente com armamento nuclear. Mas logo foram dissuadidos pelos EUA. O Presidente Truman demitiu o General MacArthur. Duraria ainda dois anos, até 1953, após, portanto, a morte de Stálin, a luta no terreno. Praticamente uma luta de trincheiras, que deixou a península devastada.

O resto é conhecido. A Coreia do Sul desenvolveu-se extraordinariamente, tornando-se um dos países mais ricos do mundo e, hoje, um dos principais líderes em tecnologia de ponta. A Coreia do Norte, por sua vez, estagnou, sobretudo após o desvanecimento da Guerra Fria. Fortaleceu-se, porém, com a consolidação de um regime monocrático, sempre com o apoio da China e com um programa nuclear propiciado – presume-se – por cientistas da Europa do Leste que terão tido acesso aos programas soviéticos e russos. E também pelo uso da tecnologia de mísseis, e especialmente de teleguiagem, algo, por sinal, que o Brasil jamais conseguiu desenvolver, nem receber. Há um veto inexorável dos EUA…

Ao longo dos anos, as políticas evoluíram sinuosamente. As lideranças da Coreia do Sul em diversos momentos imaginaram que poderiam acabar com a resistência da Coreia do Norte, mediante a abertura e um crescente envolvimento no mundo. Chegou a pedir muito enfaticamente ao Brasil que reconhecesse o regime de Pyongyang. Estava presente quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez o ato de reconhecimento na base de Panmunjom, no lado sul-coreano da fronteira. Hoje, temos uma Embaixada em Pyongyang.

Ao sujeitar uma eventual decisão de não levar adiante seu programa nuclear e balístico ao fim da presença dos EUA na região, o regime norte-coreano aparenta querer na verdade recuperar o tempo perdido e ganhar a guerra que deixou de vencer no princípio dos anos cinquenta.

Talvez o que estamos testemunhando hoje pudesse ser - como algumas crises precedentes - uma mera encenação. Uma farsa, como são os arranha-céus de madeira avistados desde o lado sul-coreano em Panmunjon, apenas para dar a impressão ao incauto de que se trata de uma grande cidade. O problema é que tudo tornou-se novamente mais perigoso após a eleição de Trump e sua imprevisibilidade. As ameaças bombásticas e as bravatas inconsequentes do presidente dos EUA só fazem alimentar o ego do líder norte-coreano e reforçar seus desígnios belicosos. A aplicação de sanções, como sempre, é uma faca de dois gumes, já que ao estrangularem economicamente um país afetam mais sua população do que seus dirigentes, geralmente bem providos e bem protegidos, e para quem a manutenção do poder justifica o sofrimento da população.

O Brasil, de sua parte, não pode fazer coisa alguma para alterar a situação. Após longos anos de campanha para obter um assento permanente, não somos sequer membro não permanente do Conselho de Segurança e não temos o menor poder de barganha nessa questão, que foge totalmente do escopo de nossa política exterior.

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