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A fotógrafa brasileira que levou um iPhone à capa da ‘Time’

Gaúcha Luisa Dörr retratou as mulheres mais influentes dos Estados Unidos com câmera de celular

María Martín
Luisa Dörr fotografa a embaixadora americana nas Nações Unidas, Nikky Haley, com um Iphone 7 Plus
Luisa Dörr fotografa a embaixadora americana nas Nações Unidas, Nikky Haley, com um Iphone 7 PlusReprodução/Instagram
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Hillary Clinton, Serena Williams, Aretha Franklin, Oprah Winfrey e Melinda Gates... Quando as mulheres mais poderosas dos Estados Unidos viram chegar a fotógrafa brasileira Luisa Dörr se perguntaram: “Mas onde está a câmera?” Tinham sido convidadas para um ambicioso projeto da revista Time, e Dörr, gaúcha de rosto angelical, marcado por grandes óculos e uma cabeleira loira, tinha apenas um iPhone. Muito distante da ideia que muitos dos ícones femininos mais influentes do mundo poderiam ter de uma sessão de fotos. Clinton, por exemplo, nunca tinha sido fotografada profissionalmente com um telefone. “A ideia a entusiasmou, pareceu-lhe superinteressante, mas muitas também tiveram dúvidas quando me viram aparecer”, diz Dörr ao EL PAÍS. 

A campanha provocou admiração nas redes sociais, mas Luisa Dörr, que aos 28 anos está longe de ser uma fotógrafa veterana, foi uma aposta da revista. Não tinha assinado exposições nem capas, mas foi encarregada do projeto FIRSTS, uma ideia que a revista Time teve de retratar as 46 mulheres norte-americanas mais importantes. São ícones femininos que estão mudando o mundo: as primeiras a ir ao espaço, a ganhar 23 grand slams de tênis, a aspirar à presidência da maior potência mundial, a dirigir o Banco Central dos EUA ou a acumular uma fortuna de 40 bilhões de dólares (cerca de 125 bilhões de reais)... Mulheres acostumadas a grandes câmeras, lentes, flashes, produtores, maquiadores, uma tropa de assessores e cenários e que, desta vez, seriam submetidas à praticidade e ao silencioso clique de um celular, como qualquer simples mortal.

Graças a isso, se o sonho de um fotógrafo é publicar uma capa da prestigiada revista, Dörr ilustrou 12 de uma tacada só. Um de seus retratos favoritos, o de Janet Yellen, presidenta do Banco Central dos Estados Unidos, foi feito em apenas dois minutos, o tempo concedido pela protagonista, suficiente para ativar o modo HDR do aparelho, focalizar o rosto suave e amável da economista, com a paisagem de Washington por trás, e fazer disso uma capa.

Por que Dörr e por que um iPhone? A editora de fotografia da Time, Kira Pollack, nunca tinha ouvido falar da fotógrafa brasileira até topar com seu trabalho no Instagram, onde Dörr tem cerca de 66.000 seguidores. A primeira foto que viu foi a de Maysa, uma jovem negra da periferia de São Paulo cuja trajetória Dörr segue desde 2014, quando a menina, então com 11 anos, concorreu e ganhou uma espécie de Miss São Paulo, mas apenas para jovens negras, mais um reflexo da batalha travada contra o racismo no Brasil. “Foi surpreendente, um retrato sincero e poético”, recordou Pollak em entrevista à Time sobre como foi seduzida pelas fotos de Dörr.

Não havia só Maysa. A conta estava recheada de retratos simples de mulheres banhadas por fachos de luz natural, em jardins, praias, igrejas, ruas e jardins. Composições às vezes espontâneas e, ao mesmo tempo, magnéticas. “As fotos eram incrivelmente consistentes. Em sua biografia, estava escrito: ‘Todas as fotos foram tiradas com um iPhone’. Entrei imediatamente em contato com ela”, conta Pollack.

Essa naturalidade era o que o projeto pedia, e isso obrigava a usar a mesma tecnologia. “Kira me convidou porque queria que fizesse as fotos do projeto como no meu Instagram. E isso só era possível com um celular. Não funcionaria com uma câmera, eu fotografo diferente, e a pessoa reage diferente”, conta Dörr, em seu caminho de volta a Itacaré, pequena e humilde cidade litorânea da Bahia onde vive com seu marido, espanhol. Os retratos começaram com um iPhone 5s, mas a maioria foi tirada com um iPhone 7plus. São o primeiro portfólio da Time feito com um celular.

“Fotografar com um iPhone não significa que seja mais fácil. É preciso pensar na foto da mesma maneira, pensar na composição e trabalhar com a luz disponível. Luz natural, qualquer que seja”, alerta Dörr para responder à pergunta se seu trabalho pode ser considerado menos profissional que o executado com uma câmera. “Este projeto vai além do uso do telefone. O celular foi escolhido pela estética, mas a ideia e a criatividade de cada foto não são pensadas pelo iPhone, eu as penso.”

Fazia tempo que Dörr estava fascinada pelas “paisagens e topografias dos rostos das mulheres”, por como a vida e o tempo escrevem sobre eles, “não somente com marcas físicas, mas também com traços mais espirituais”. Um de seus projetos, ainda não lançado, O Véu das Noivas, tem como protagonistas mulheres da Congregação Cristã do Brasil, a igreja evangélica mais ortodoxa em relação às mulheres –proibidas, entre outras coisas, de cortar o cabelo-, que durante meses abriram a intimidade de suas casas para a fotógrafa (http://luisadorr.com/#the-brides-veil).

Dörr também fotografou para o EL PAÍS uma história feminina que concebeu às vésperas dos Jogos Olímpicos, sem saber muito claramente de onde tiraria suas protagonistas. “Quero retratar as mulheres que migram para o Rio de Janeiro para se prostituir durante o evento. Sei que existem, mas quero fotografá-las sem a vulgaridade que sempre as estigmatiza. Quero que se vejam bonitas, que se vejam como mulheres, e não como prostitutas”, disse na época a esta repórter. A reportagem parecia praticamente impossível, por sua logística e se assemelhava a procurar uma agulha num palheiro, mas Dörr persistiu e sempre acreditou que conseguiríamos. E foi o que aconteceu. As mulheres não mostraram seu rosto, por respeito a suas famílias, mas aceitaram participar de todas as sessões de fotos que ela propôs. Em troca, pediram para ficar com as imagens.

Fotografia e 'smartphone' na capa da 'TIME'

Héctor Llanos Martínez

Com a chegada do primeiro iPhone, em 2007, chegou também a nova era da fotografia: nova ferramenta, novos códigos. Luisa Dörr os utilizou em seu catálogo de retratos femininos que estão na capa da Time.

Em apenas uma década, o chamado fotojornalismo de smartphone abriu seu caminho na cultura da superinformação, especialmente através das redes sociais. A subida foi vertiginosa.

Uma fotografia tirada com esse aparelho chegou pela primeira vez em 2012 à capa da revista, cujo prestígio foi construído ao longo das décadas a partir da qualidade técnica e a singularidade de suas imagens. Como experiência piloto, a publicação decidiu mostrar a última hora do furacão Sandy através do Instagram. Uma dessas fotos acabou na capa de sua versão em papel.

“Ninguém vê o mundo em branco e preto e com os tons das imagens de um jornal e de uma revista, mas todo mundo as entende como reais. O mesmo pode acontecer com as fotografias de um telefone”, nos disse um dos integrantes do Mobile Photo Group (MPG), Theodore Kaye.

É um coletivo internacional formado por fotógrafos de diversas áreas informativas e artísticas cuja ferramenta de trabalho é seu telefone. Procuram dar lugar profissional a uma atividade que, defendem, não é amadora e não está sempre relacionada ao jornalismo cidadão.

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