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Istambul, a meca dos implantes capilares

Cerca de 65.000 estrangeiros se submeteram à cirurgia na cidade em 2016, atraídos pelo baixo preço

Andrés Mourenza

Se você visitou Istambul nos últimos anos talvez tenham lhe chamado a atenção os grupos de homens que passeiam entre a Mesquita Azul e a Aya Sofia, ou pela avenida Taksim, com uma faixa na cabeça raspada. Alguns turistas perguntam se se trata de alguma estranha seita islâmica. Mas não: são carecas. Homens de todo o mundo que vão à metrópole turca para se submeter a uma cirurgia que solucione seu problema de alopecia.

O cirurgião Abdullah Etöz marca as regiões da cabeça de seu paciente de onde serão extraídos os folículos capilares a serem implantados na parte superior.
O cirurgião Abdullah Etöz marca as regiões da cabeça de seu paciente de onde serão extraídos os folículos capilares a serem implantados na parte superior.ANDRÉS MOURENZA

Jordi, um jovem de Barcelona, não consegue esconder o nervosismo. Está a ponto de se colocar nas mãos do cirurgião em um hospital de Istambul: “É a primeira vez... bem, na verdade isso só se faz uma vez na vida”. A decisão de ir à Turquia foi longamente refletida. É um país que não conhece, mas depois de investigar os diferentes tratamentos e opções na Espanha — guarda várias folhas de documentos com comparações — se decidiu por ele. “Fez a lição de casa”, sorri o pai orgulhoso. Com 24 anos, perdeu boa parte do cabelo devido a um medicamento que teve de tomar, mas depois de oito horas de operação na qual se extraem um a um folículos capilares da nuca para “plantar” no topo e nas entradas, parece satisfeito. Se tudo correr bem, em alguns meses poderá exibir uma nova cabeleira.

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Nos últimos anos, a Turquia se tornou um dos líderes mundiais nessa modalidade de cirurgia estética: em 2016, cerca de 65.000 estrangeiros foram a suas clínicas para implantar cabelo. Procedem, em sua maioria, de países árabes, mas cada vez são mais europeus que optam pela Turquia, especialmente italianos e espanhóis. As clínicas turcas abriram escritórios de representação em Madri, Barcelona e outras cidades espanholas ou trabalham com empresas intermediárias. O motivo da atração pelos hospitais turcos é fundamentalmente o preço, entre 2.000 e 3.000 euros por cirurgia, o que inclui algumas noites em hotel — alguns pacotes inclusive estendem a estadia para que se possa fazer turismo em Istambul — assim como os transportes e um intérprete. “Os preços podem ser cinco ou seis vezes menores do que em qualquer cidade europeia ou dos Estados Unidos. O motivo é que não se trata de uma operação que exige material custoso, mas sobretudo de capital humano, e como na Turquia os salários são menores, isso faz baixar o preço. Outro fator bem importante é que há muita concorrência e as empresas turcas ajustam o preço ao máximo”, afirma Pau Vilanova, gerente da empresa CapilClinic, que se dedica a levar pacientes a Istambul: “Mas as instalações, os equipamentos médicos, são muito avançados, à altura de qualquer europeu”.

A cirurgia plástica e a microcirurgia avançaram enormemente nas últimas décadas. Segundo o doutor Abdullah Etöz, do hospital Acibadem Bakirköy, tem a ver com numerosos acidentes de trabalho e lesões de guerra que os hospitais turcos tratam o ano todo: “Além disso, temos um grande número de profissionais jovens, bem formados e abertos às novas tecnologias”. O cirurgião Zekerya Kul, que dirige a própria clínica, acrescenta outro motivo pelo qual os implantes capilares se desenvolveram a ponto de as técnicas utilizadas na Turquia serem mais avançadas até que as dos EUA: “O setor começou a crescer muito pela demanda interna, assim como a Rússia, que se especializou na cirurgia ocular, e o Irã, na rinoplastia”.

É inegável que também há um apoio do Governo, cujo objetivo é fazer da Turquia “um dos três maiores destinos mundiais do turismo médico em 2023”, afirma uma fonte do Ministério da Saúde. Para ele, as empresas turcas de saúde recebem subvenções para a promoção e abertura de escritórios no exterior. Cerca de 750.000 estrangeiros foram à Turquia em 2016 para receber tratamento médico, deixando cerca de 5 bilhões de euros (mais de 18 bilhões de reais) no país. “A cirurgia estética é só uma das muitas áreas em que trabalhamos”, afirma Gökhan Izlisu, responsável para a Europa do grupo Adibadem. “Há 12 anos recebemos pacientes estrangeiros, especialmente para tratamentos contra o câncer, e de fertilidade, neurocirurgia e transplantes de órgãos, porque temos convênios com os sistemas de saúde de vários países”, explica Izlisu.

Mas a grande concorrência existente entre as clínicas que oferecem tratamentos contra a alopecia na Turquia — só em Istambul há mais de 350 — tem um lado obscuro. Foram registrados casos de clínicas que carecem das condições higiênicas adequadas ou de operações realizadas por enfermeiros ou técnicos sem formação adequada. “Na Turquia é obrigatório que um cirurgião esteja à frente da intervenção, ou pode ser punido com pena de prisão”, adverte o doutor Kul. Mesmo assim, há empresas que alugam salas de grandes hospitais e realizam ali as operações sem supervisão médica. “Os pacientes acreditam que estão sob o guarda-chuva do hospital, mas não é assim”, continua o cirurgião.

Esse ponto é confirmado por uma ex-funcionária de uma dessas clínicas “fantasma”, que relata como, toda vez que uma inspeção da Vigilância Sanitária ia ao hospital, se fechava totalmente o andar onde eram realizados os implantes capilares para dar a impressão de que estava vazio. “Há empresas que reduzem muito o preço, mas não cumprem a norma nem os padrões”, afirma Vilanova. “Por isso recomendamos aos pacientes que não olhem só para a variável do preço, mas que também se assessorem bem antes de contratar a operação.”

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