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O frágil e incerto plano de Temer para cumprir a nova meta fiscal

Economistas não confiam no ajuste do Governo que poderia até mudar a meta de novo Com eleições próximas, Congresso fica hostil para apoiar medidas impopulares

Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles em anúncio da revisão da meta.
Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles em anúncio da revisão da meta.SERGIO LIMA (AFP)

O rombo nas contas públicas brasileiras neste ano corre o risco de ser bem maior do que o anunciado pela equipe do ministro Henrique Meirelles (Fazenda) nesta semana. A nova meta fiscal – a estimativa feita pelo próprio Governo da diferença entre gasto e receita –  de um déficit de 159 bilhões de reais (20 bilhões a mais do que o prometido no início de 2017), é frágil e incerta, segundo especialistas ouvidos pelo EL PAÍS. A maior parte do novo ajuste para equilibrar as contas após uma pífia arrecadação dos últimos meses depende ainda de medidas que precisam passar pelo crivo do Congresso. A novela fiscal dos últimos anos volta então a se repetir: a economia se vê mais uma vez refém da política em tempos de forte turbulência.

Das onze propostas anunciadas pelo Governo de Michel Temer nesta semana para tentar alavancar a arrecadação e reduzir os gastos, nove dependem do aval do Legislativo (veja quadro abaixo). Apenas a economia de 2,6 bilhões de reais esperada com uma alíquota menor do Reintegra, programa de incentivo fiscal a exportadores, e a extinção de 60.000 cargos vagos do setor público (que evitará despesa futura) são certas já que necessitam apenas de um decreto do presidente. Todas as demais propostas – como o teto para a remuneração do funcionalismo, o adiamento de reajustes salariais e a reoneração da folha – que poderiam garantir um aumento de receita de 31 bilhões de reais precisam passar pelo Congresso.

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O economista Otto Nogami, do Insper, avalia que a nova meta deste ano é pouco crível devido à dependência dessas receitas que podem ser frustradas e do tamanho do déficit primário em junho, que já chegava a 183 bilhões de reais. "A equipe econômica não está sendo realista, contando com uma arrecadação complementar bem incerta até o fim do ano para diminuir esse rombo. A própria demora do Governo no anúncio da nova meta foi uma sinalização de que o número era superior aos 159 bilhões", explica.

Na avaliação do economista, dado o cenário atual existe uma chance alta de que, nos últimos meses do ano, o presidente tente renegociar a meta ainda que Meirelles tenha insistido que os novos números são "para valer" e não serão alterados. Nogami acredita ainda que à medida que as receitas complementares comecem a não entrar, o remédio mais amargo para a sociedade será inevitável: o aumento de impostos.

"O problema é que o Governo brinca com a meta. E enquanto o rombo e a dívida pública aumentam, ele compromete recursos para investimentos e adia a retomada da economia. Cria-se uma defasagem cada vez maior de potencial de produção e uma eventual demanda", diz.

O banco Credit Suisse considera também que o risco da gestão de Temer não cumprir as metas fiscais deste ano e do próximo são significativas. Em nota, a instituição explicou que a estratégia de cortar despesas discricionárias, ou seja, aquelas que não são obrigatórias, e de manter grande dependência de medidas extraordinárias geralmente não é bem sucedida. As batalhas no Congresso para aprovar propostas que ajudem a criar caixa têm sido complicadas, como se viu recentemente no caso do Refis – que renegocia dívidas – e da própria tentativa de emplacar o fim da desoneração da folha de pagamento.

O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, no entanto, garante que o Governo tem plena confiança na aprovação das medidas que reforçarão o caixa do Brasil em 2018. "Dentro das discussões, as medidas foram testadas e discutidas com líderes do Congresso e houve a avaliação de que há viabilidade alta de serem aprovadas", afirmou o ministro em entrevista ao Estado de S. Paulo.

Primeiro embate

Mas o cenário não é tão certo como diz o ministro. Antes mesmo de ter que negociar as novas medidas, o presidente deverá enfrentar dificuldade para aprovar a própria meta fiscal. Isso porque Temer vetou uma série de artigos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018, aprovada antes do recesso de julho, causando um mal estar entre os parlamentares aliados do Governo. A aprovação da meta pelos parlamentares tem que acontecer até o dia 31 e, nos bastidores, já se fala na possibilidade de Temer rever alguns dos vetos para garantir apoio na votação.

Na avaliação do economista Nelson Marconi, da FGV de São Paulo, apesar de todo ajuste fiscal gerar sempre embates e ser uma agenda difícil, em tempos de recessão e turbulência envolvendo denúncias contra o presidente, as dificuldades tomam proporções maiores. "O Governo acaba ficando com um poder de manobra muito pequena para aprovar algumas medidas. Temer definitivamente tem apoio para se sustentar no poder, mas não para votar determinadas matérias", explica.

O "timing" que o país atravessa pode complicar ainda mais o cenário para que os planos saiam do papel, já que são poucos os que aceitam encampar medidas austeras. A pressão dos servidores contra o congelamento dos salários e o aumento da contribuição previdenciária do setor também pode ser forte, já que eles podem paralisar os serviços em caso de greve. "No próximo ano já temos eleições, será um ano complicado e nenhum deputado vai querer votar medidas impopulares. Assim como a Reforma da Previdência, mais medidas ficarão para frente", afirma. 

Para Zeina Latiff, economista-chefe da XP Investimentos, a reação do Congresso faz parte da regra do jogo já que a agenda não é fácil. "As medidas anunciadas são importante pelo simbolismo: é uma agenda de eliminar privilégios, não vão resolver os problemas fiscais do Governo, mas, pela primeira vez, se está revendo políticas públicas para eliminar privilégios", explica. Ainda segundo Latiff, a classe política está mais consciente da questão fiscal, pois sabe que sem reformas, principalmente a da Previdência, e ajustes o Brasil vai se transformar no Estado do Rio de Janeiro, "totalmente quebrado" sem dinheiro para previdência nem para o funcionalismo.

Mesmo com o risco de uma nova alteração da meta no fim do ano, a economista considera que o mercado reconhece o esforço do dream team de Meirelles e, por isso, não "azedou" com o Governo após a revisão do déficit. "Claro que cometeram erros como o de aumentar o salário de servidores, mas eles mostram esforços, não tem pedalada, não tem história esquisita, definitivamente são transparentes".

Ao seu lado, o Governo também ainda conta com as agências de risco que, mesmo depois da alteração da meta, continuam dando um voto de confiança para a equipe econômica. Ciente que a revisão era inevitável, Meirelles teria entrado em contato com os representantes das principais agências pedindo mais três meses para rever as notas brasileiras. Logo após o anúncio do novo rombo, a Standard & Poor's manteve o rating global BB do país e colocou a perspectiva em negativa. De acordo com a S&P, a economia mostra sinais de estabilização apesar das questões políticas.

"Ainda há uma boa vontade das agências, o mercado financeiro trata diferente esta equipe. Quando foi anunciada a mudança da meta com o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, da gestão Dilma Rousseff, foi uma tragédia. Agora já falam que eram inevitável, há um componente político forte", diz o economista Nelson Marconi. 

Sinais positivos

A semana tumultuada pelo anúncio do aumento do rombo terminou, no entanto, com uma notícia alentadora para a economia brasileira. No segundo trimestre deste ano, a atividade econômica em junho cresceu 0,5% na comparação com maio, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central I(BC-Br), considerado uma "prévia" do PIB. O resultado veio melhor do que o esperado e se soma a lista de pequenos avanços registrados como a evolução do consumo e a reação de  alguns segmentos industriais.

A recuperação foi celebrada por Meirelles que assegura que o país "já voltou a crescer".  "Independentemente de ser pouco acima de zero, zero, ou um pouco abaixo, o índice do Banco Central já mostrou um crescimento forte", disse o ministro. Resta saber o quanto essa recuperação lenta poderá ajudar a retomar a arrecadação para dar certo alívio a desastrosa radiografia fiscal do país.

Medidas para cobrir o rombo fiscal

PARA GERAR MAIS RECEITAS

PARA DIMINUIR AS DESPESAS

A equipe econômica divulgou, na última terça-feira, um pacote de medidas que visam aumentar receitas e reduzir gastos. A maioria delas está nas mãos do Congresso:

- Tributação sobre fundos de investimento (+ 6 bilhões de reais)

- Reoneração da folha de pagamento (+ 4 bilhões de reais)

- Elevação da contribuição previdenciária dos servidores (+ 1,9 bilhão de reais)

- Reintegra 2018 (+2,6 bilhões de reias)

- Congelamento do reajuste salarial de servidores em 2018 ( -5,1 bilhões de reais)

- Cancelamento de reajuste de cargos comissionados de 2018 (-175 milhões de reais)

- Redução do gasto com ajuda de custo nas transferências de servidores para outros estados (- 49 milhões de reais)

- Redução dos gastos com auxílio-moradia ( - 35,6 milhões de reais)

- Implantação efetiva do teto salarial do funcionalismo 2018 ( - 725 milhões de reais)

- Reestruturação das carreiras do Executivo (- 18,6 bilhões de reais em cinco anos)

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