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Entre a euforia e o temor de uma nova bolha, Wall Street vive ‘boom’ de negócios

Bolsa dos EUA alcança picos históricos impulsionada por empresas de tecnologia, como Google, Netflix e Facebook. Analistas alertam sobre possível correção

Luis Doncel
Um corretor, com um boné que comemora o recorde de 22.000 pontos do Dow Jones, no fechamento da jornada na Bolsa de Nova York em 2 de agosto.
Um corretor, com um boné que comemora o recorde de 22.000 pontos do Dow Jones, no fechamento da jornada na Bolsa de Nova York em 2 de agosto.Drew Angerer (AFP)

Wall Street teve que esperar um quarto de século para recuperar o nível perdido no crash de 1929. A grande recessão, contudo, só precisou de cinco anos para que o Dow Jones voltasse ao máximo atingido em 2007. Desde 2009, o índice de referência da Bolsa de Nova York registra mais de oito altas consecutivas. E esta semana alcançou seu máximo histórico, superando a barreira dos 22.000 pontos. Até o presidente Donald Trump comemorou a euforia dos papéis, embora recriminando a imprensa por não prestar muita atenção ao fato. Enquanto os mercados batem recordes, os analistas começam a se perguntar até onde chegará essa corrida – e, principalmente, o que acontecerá quando ela atingir o teto.

A Bolsa norte-americana vive uma nova bolha? “Cada novo máximo histórico aumenta o risco de uma forte correção nos mercados. Ainda mais se levarmos em conta que o ciclo empresarial já está muito maduro. Será difícil cumprir as atuais expectativas de rendimentos”, diz Carsten Brzeski, economista-chefe da ING Alemanha.

O analista Juan Ignacio Crespo é mais ponderado. “Para começar, só se pode falar de bolha uma vez que tiver estourado”, diz, irônico. Mas admite que, de fato, vê elementos que fazem pensar em superaquecimento. Sobretudo num reduzido grupo de empresas de tecnologia que se autodenominam FAANG, ou seja, Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google.

O S&P é um bom exemplo disso. Desde seus níveis mínimos de 2009, esse índice cresceu cerca de 270%, o que significa um aumento de capitalização de 3,5 trilhões de dólares (10,8 trilhões de reais). Mas a distribuição é muito desigual: desse aumento na Bolsa, 1,5 trilhão corresponde apenas a seis empresas de tecnologia, segundo Crespo. As cinco grandes – Apple, Alphabet/Google, Amazon, Facebook e Microsoft – superaram neste mês a barreira dos três bilhões de capitalização conjunta, segundo o Google Finance.

A capitalização da Apple, próxima a 830 bilhões de dólares (2,6 trilhões de reais), teve na quarta-feira um fortíssimo empurrão após anunciar seus excelentes resultados. Naquele dia, sua capitalização aumentou perto do valor total de 400 das 500 empresas do S&P. “Mais que uma bolha na Bolsa, eu diria que há uma bolha nas empresas de tecnologia”, conclui Crespo, assessor do fundo Multiciclos Global Renta 4.

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Alguns analistas veem certos paralelismos com a bolha pontocom que estourou em 2000. O economista-chefe da ING admite certas semelhanças, mas também aponta diferenças. “Os líderes do setor digital têm agora uma posição de mercado muito mais ampla e estruturada que no final dos anos noventa. Além disso, é muito pouco provável que os bancos centrais contribuam para estourar a bolha, como fizeram antes”, afirma Brzeski. “Apesar de tudo, a experiência das últimas décadas mostra que os campeões de hoje não são necessariamente os de amanhã.”

Apesar da incapacidade de saber o que ocorrerá no futuro próximo, os sintomas de fim de ciclo se acumulam. Uma recente pesquisa da Bloomberg revela que a maioria dos gestores de fundos acredita que as altas na Bolsa dos EUA estão chegando ao fim. E os altíssimos níveis de liquidez no mercado também fazem soar os alarmes.

A Apple ganhou na Bolsa, na quarta-feira, o valor de 400 das 500 empresas do S&P

Faz tempo que os EUA discutem sobre o superaquecimento dos mercados. Depois de comprar 120 milhões de ações da Apple, o investidor bilionário Warren Buffet negou em fevereiro que o mercado tenha entrado em “território de bolha”, mas admitiu que a Bolsa de Nova York poderia cair 20% no dia seguinte sem que isso significasse uma grande surpresa.

Greenspan mira na dívida

Alan Greespan, ex-presidente do Federal Reserve, também entrou no debate. O homem que muitos responsabilizam pela crise, por sua resistência em regular os produtos financeiros e sua política monetária frouxa, negou a existência de uma bolha na Bolsa. Pediu aos economistas que deixem de se preocupar com os mercados de renda variável e se concentrem noutra direção: o mercado da dívida.

Greenspan negou uma bolha na Bolsa, mas admite uma bolha na dívida

“As taxas de juros reais de longo prazo estão num nível baixo demais – e, portanto, insustentável”, afirmou o ex-presidente do Banco Central norte-americano. “Quando subirem, é provável que o façam rapidamente. Estamos vivendo uma bolha, mas não na Bolsa, e sim nos preços dos bônus, algo que o mercado ainda não descontou.” Greenspan se referia ao papel desempenhado nos últimos anos pelo Fed, que acumula ativos de 4,5 bilhões de dólares (13,9 bilhões de reais), a maior parte em dívida pública. Antes da crise, o balanço girava em torno de um bilhão de dólares (3,1 bilhões de reais).

Mas Crespo não concorda com a possibilidade de uma bolha da dívida. “Seria a bolha mais longa da história, pois começou há 35 anos”, afirma o analista. “Na verdade, acredito que estamos diante de uma tendência secular em direção a taxas mais baixas”, conclui, com um toque de humor.

BCE não vê supervalorização

Os investidores europeus não podem compartilhar a euforia de seus colegas do outro lado do Atlântico. Enquanto o Dow Jones e o S&P vivem altas espetaculares – em torno de 250% desde os níveis mínimos de 2009 –, as Bolsas europeias têm que se conformar com aumentos mais modestos. O Eurostoxx subiu 91% em oito anos. Já o Ibex espanhol, cerca de 77% em comparação com o mínimo de 2012.

Em seu último boletim econômico, o Banco Central Europeu (BCE) estima em 40% a alta na Bolsa dos bancos da eurozona desde julho de 2016. O Eurobanco afirma que o índice que mede o prêmio por risco no mercado da Bolsa não está especialmente baixo, “o que indica que as ações não estão altamente valorizadas com relação à dívida”.

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