Lições de uma ‘Intifada’ não violenta em Jerusalém
Israel acabou cedendo diante de um movimento unitário palestino de resistência pacifica
À véspera de uma jornada da ira durante as orações muçulmanas de sexta-feira, todas as condições estavam reunidas para a explosão de uma nova Intifada em Jerusalém. Tal como ocorreu em setembro de 2000, os palestinos denunciavam que Israel havia fechado a área da Esplanada das Mesquitas para aplicar medidas extraordinárias de controle nos acessos ao terceiro lugar mais sagrado do islamismo. Os habitantes de Jerusalém Oriental, ocupada e anexada pelo Exército de Israel desde a guerra de 1967, tinham protagonizado, desde 14 de julho, um movimento de resistência sem precedentes contra o cordão policial constituído em torno do maior símbolo identitário de seu povo.
Desta vez, a explosão de violência não se consumou. Após a eclosão de uma desobediência civil popular, com milhares de fiéis boicotando pacificamente as orações na Mesquita de Al-Aqsa diante do uso das tropas israelenses, o Governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu acabou desativando as medidas de segurança.
Da noite para o dia, desapareceram as câmeras e os detectores de metal instalados no perímetro da Cidade Velha administrado pela Waqf, uma fundação religiosa sob a tutela a monarquia hachemita. Os aparelhos haviam sido colocados ali depois de um atentado em que dois policiais drusos israelenses morreram alvejados por três árabes com nacionalidade de Israel, que por sua vez foram abatidos por outros agentes.
“Al-Aqsa é a última referência da Palestina que resta em Jerusalém depois da ocupação”, argumenta o porta-voz diplomático palestino Xavier Abu Eid, “e por isso Israel se deparou com uma reação popular espontânea ao ultrapassar um limite.” O assessor do Departamento de Negociações da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) destaca que vários partidos e organizações apoiaram os protestos ao lado da Autoridade Palestina. “Mas o movimento surgiu da rua, de forma não violenta, entre palestinos que vivem sob controle israelense em Jerusalém”, conclui.
A tensão emergia com força uma semana depois do atentado contra os dois agentes. Os distúrbios àquela altura haviam levado à morte de quatro palestinos (aos quais depois somariam outros dois) e três colonos israelenses, apunhalados num assentamento da Cisjordânia por um jovem árabe. A situação se agravou pouco depois com o incidente em que um guarda da Embaixada de Israel em Amã abriu fogo contra um agressor que havia lhe ferido com uma faca, e no qual outro cidadão jordaniano também morreu por causa dos disparos.
O agente e o resto da missão diplomática tiveram que deixar Amã após uma intensa negociação. A imprensa israelense relatou que Netanyahu havia se comprometido a retirar as medidas de segurança impostas na mesquita de Al-Aqsa. “Foram estabelecidos contatos para normalizar a relação o mais rapidamente possível, com a volta do embaixador à Jordânia”, diz, em Jerusalém, Michal Maayan, porta-voz-adjunta da chancelaria. “Israel abriu uma investigação oficial sobre os fatos ocorridos em Amã”, acrescenta.
O ex-primeiro-ministro trabalhista Ehud Barak responsabilizou Netanyahu por ter permitido que a tensão disparasse na Esplanada das Mesquitas, o que segundo ele seria uma forma de distrair a opinião pública das investigações policiais por corrupção que tem como alvo o premiê israelense.
Depois do fim do protesto na Al-Aqsa, o analista Amos Harel, do jornal Haaretz, citava a reflexão anônima de um responsável pelos serviços de segurança sobre o desenrolar da crise: “Na falta de outra opção, pusemos fim [à tensão] tomando uma decisão correta, mas só depois de termos cometido todos os erros possíveis no processo”.
Para os judeus, que rezam aos pés da parte ocidental do complexo de Al-Aqsa, diante do Muro das Lamentações, o chamado Monte do Templo é também o mais importante dos lugares sagrados. Mais de 1.000 israelenses visitaram a Esplanada das Mesquitas esta terça-feira durante a celebração religiosa do Tisha BeAv – dia de luto e jejum pela destruição dos templos situados, segundo a tradição rabínica, neste mesmo recinto sagrado, pelo Holocausto e por outras desgraças que se abateram sobre o povo judeu ao longo da história.
Ninguém dúvida de que o Exército de Israel é o mais poderoso e mais bem equipado do Oriente Médio, mas, depois de duas semanas de potencial Intifada, é questionável se suas tropas estão preparadas para confrontar um desafio palestino inspirado nas ideias de Mahatma Gandhi e Martin Luther King.
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