Putin muda seu embaixador em Washington, figura central da trama russa
Chefe de uma operação secreta ou simples diplomata, os contatos de Sergey Kislyak com a equipe de Trump causaram as suspeitas de conluio
Moscou retira do jogo seu homem em Washington. Sergey Kislyak, o personagem mais misterioso e onipresente da trama russa, abandona a Embaixada. Após quase 10 anos no cargo, o diplomata gorducho e extremamente educado retorna à sua terra em um momento crucial das relações e com uma pergunta que o perseguirá até o final de seus dias. Qual foi seu papel no caso? Ninguém tem ainda a resposta, mas chefe de uma operação secreta ou simples embaixador, deixa atrás de si um escândalo que ameaça arrasar a Casa Branca. O sonho de qualquer espião.
Ambassador S.Kislyak has concluded his assignment in Washington, DC
— Russia in USA 🇷🇺 (@RusEmbUSA) July 22, 2017
Minister-Counselor D.Gonchar will act as Chargé d'Affaires ad interim🇷🇺 pic.twitter.com/180FfyQvXK
Sua saída foi comunicada sucintamente na conta de Twitter da Embaixada como um “fim de missão”. Seu sucessor não foi designado, mas se especula o nome de Anatoly Antonov, antigo vice-ministro das Relações Exteriores.
Kislyak, de 66 anos, se tornou tóxico. A própria administração Trump, tão chegada a Putin, provou de seu veneno. Primeiro foram suas conversas com o tenente-general e antigo diretor da Agência de Inteligência de Defesa, Michael Flynn. As mentiras sobre seu conteúdo forçaram sua renúncia quando estava há somente 24 dias como conselheiro de Segurança Nacional.
O próximo a sentir seu contato elétrico foi o promotor geral, Jeff Sessions. Em suas audiências de confirmação no Senado, escondeu que havia se reunido duas vezes com o embaixador durante a campanha eleitoral. Quando a verdade veio à tona, o incêndio alcançou tamanha proporção que, para se salvar, abandonou o trabalho com tudo relacionado ao caso. Uma mutilação que desde então o impediu de controlar a investigação do FBI, o pesadelo de Trump.
O terceiro golpe veio quando se descobriu que Kislyak também havia se reunido com o genro do presidente, Jared Kushner. Na mesma Torre Trump, o garoto de ouro pediu ao sempre amável embaixador que lhe abrisse um canal secreto e direto com Putin. Dito de outra maneira, que fosse a Rússia a, sem levar em consideração a segurança nacional norte-americana, organizar a forma de comunicação justamente com o presidente dos Estados Unidos. Ao contrário dos outros, Kushner se salvou por sua proximidade a Trump. Mas ficou ferido. Tanto que sua renúncia foi especulada.
Flynn, Sessions, Kushner. A proximidade com Kislyak se tornou tão perigosa que recebeu o título jornalístico de “embaixador mais radioativo de Washington”. As suspeitas de espionagem o perseguem. É o funcionário russo de patente mais alta nos EUA e seria difícil que uma operação dessa magnitude escapasse de seu conhecimento. Mas os que o conhecem negam que seja o necromante que alguns desejam ver. Falam de sua excelente cozinha na sede do número 2659 da avenida Wisconsin, de sua simpatia e suas habilidades políticas.
Físico, casado e com uma filha, começou sua carreira diplomática na Guerra Fria. Ocupou um cargo médio em Nova York e logo escalou os degraus até ser o representante da Rússia na OTAN, embaixador em Bruxelas e vice-ministro das Relações Exteriores. Guarda boas recordações de seus anos na OTAN. Kislyak, como contou o antigo embaixador dos EUA em Moscou, Michael McFaul (2012-2014), é um especialista em negociação armamentista e tecnologia nuclear. Alguém de modos bruscos, mas de grande capacidade de convencimento. Mais um político do que um mestre da espionagem. Em seus pronunciamentos públicos sempre defendeu com habilidade os excessos de Putin. Da anexação da Crimeia à repressão de opositores e homossexuais.
Mas nem todas as suas habilidades puderam impedir a constante deterioração das relações entre Washington e Moscou. Uma distância que Obama aprofundou e que agora está em um ponto estranho. Enquanto o presidente sustenta uma reconciliação e se reuniu longamente com Putin no G20, seus falcões temem a aproximação. E a realidade não o ajuda. O ciberataque contra Hillary Clinton e o enxame de funcionários de Trump que esvoaçaram ao redor de Kislyak mostram o lado obscuro da Rússia.
Os Governos russo e norte-americano não quiseram explicar o motivo de sua saída. Nove anos é muito tempo e o ciclo entrou em fase negativa. São argumentos suficientes. Mas não é segredo para ninguém que se tornou mais uma peça do escândalo. Certo ou não, era visto por muitos como o guardião do labirinto. O homem que tinha e tem as chaves do maior escândalo do século em Washington. O embaixador de Putin na trama.
Jogo de espiões
A trama russa é o cenário de uma titânica batalha entre os serviços de inteligência norte-americanos e o Kremlin. Os americanos, alarmados pela periculosidade da aproximação de Trump com Moscou, vazam continuamente informação para demonstrá-lo. Deram o último passo na semana passada ao revelar que na reunião realizada em plena campanha entre o embaixador russo e o atual promotor geral, Jeff Sessions, se falou sobre assuntos eleitorais. Uma situação extrema que foi negada por Sessions e que agora pode custar-lhe o cargo. A origem dessa informação era um relatório enviado por Kislyak aos seus superiores em Moscou e que foi interceptado pelos serviços secretos norte-americanos. Espionagem pura.
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