Perdão por ver ‘Friends’ 23 anos depois
Desculpem, mas até agora nunca tinha visto um episódio da série
“Mas como você nunca viu Friends?”, “Sério?”, “Tá louco?”, “Você tá brincando, né?", “Que sorte a sua!”. “E o que você faz quando lhe contam coisas com as cenas dos episódios?”. Eu me calo. Embora, confesso, também invento séries para reprimir suas ânsias inquisitivas. “Você já viu Hardketrtg?”, pergunto. “Sobre o que é?”, respondem incrédulas – e com espasmos – as hienas carnívoras do Jávitudo. “Procure na internet, não gosto de dar spoilers”. E chegou o início de fevereiro de 2017 e viajei a 22 de setembro de 1994: o início de Friends. O dia em que tudo começou a fazer sentido.
Faz algumas horas que Monica e Chandler foram pais de gêmeos, que Rachel se despediu de todos e que Phoebe pisou no acelerador pelas ruas de Nova York. Sim, ao lado de Ross no mítico táxi amarelo. Mas ninguém vai comentar O final no Twitter? Não, os assuntos ali são outros. Nada. Nem um só comentário sobre o final de O SERIADO? Ou será que os tuiteiros só estão proibidos de falar de Friends?
Eu chorei. E confessei isso no grupo de WhatsApp do trabalho. Adeus aos dias de Ação de Graças em pleno março, abril, maio. Adeus ao sofá laranja, ao café com leite de Gunther no Central Perk e à risada inigualável de Janice. Adeus ao pato e ao pintinho. Ao pebolim. Ao cabelo de Rachel. À imaginação de Phoebe. Ao apartamento de Chandler e Joey. E a Ross. Ross. Adeus, adeus, Friends. Começa o luto e essa sensação parecida à morte de alguém próximo. Uma espécie de viuvez. Um ponto final a uma era. “Smelly cat, smelly cat...”. E o começo de outra no WhatsApp:“Te falei”, “Entendeu agora?”, “Te falei”. Mas vocês já devem ter visto o último episódio de Hardketrtg?
Ao contrário dos meus amigos – eles não tinham outra opção ao assisti-la dublada em espanhol nos canais a cabo ou na TV aberta -, apostei por vê-la na versão original, em inglês. Pequei, Senhor. O dia que em que contei isso para eles em um jantar fiquei com a cara de incredulidade de Ross ao observar os gestos que me faziam. Os guardiões de Friends me lançaram olhares furtivos, como se se tratasse de uma infidelidade. “Na versão original? Sério?”, insistiam. “Que sorte, dizem que a voz de Monica não tem nada a ver”. E experimentei ver dublado. Um episódio, claro. Bom, na realidade, por dois minutos após escutar todas as vozes. A dublagem não está ruim, mas é diferente. É a mesma coisa quando viajamos de avião e passa um filme dublado em espanhol latino-americano.
Vinte e três anos depois, não acredito que a série tenha envelhecido mal. Pelo contrário. Suas piadas e suas peripécias não saíram de moda. Comédia pura. Clássica. Afinal de contas a vida não mudou muito. É a mesma coisa, mas contada nas redes sociais. Um cara conhece uma garota. Um grupo de amigos de 30 anos. Um casinho aqui, outro ali. Um jantar, um café, uma turma de seis amigos. Ferrenhamente amigos.
É curioso que durante as 10 temporadas eu não tenha sofrido nenhum spoiler. Se quisesse, teria que procurar no Google. Uma raridade em tempos de Netflix, HBO e cia.: é o que dá chegar 23 anos atrasado para ver Friends.
E 236 capítulos depois, a história terminou. Para colocar alguns defeitos: a história de Rachel e Joey, ou quando este, no fim, se tornou demasiado bobalhão. Sim, todos nós sabíamos o que ia acontecer, mas que final. Como teria sido isso tudo com as redes sociais? No Twitter, milhares de críticas, claro. No Facebook, adulações – e dos mesmos autores, com certeza. E no Instagram, fotos da pizza de pepperoni de Joey, do famoso cheesecake roubado e dos cookies de chocolate de Dona Nestley Toulouse.
No fim, agora que sou um de vocês, suponho que cumprirei o ritual de voltar a ver episódios de vez em quando. Esta noite, por exemplo. Começarei pelos meus favoritos: o da fantasia de tatu para o Hanukkah, o da troca de apartamentos, o da pornografia grátis. Ou aquele em que Phoebe ajuda Joey a ensaiar seus diálogos. E depois, capítulos ao acaso. Obrigado, Friends. E, claro, o protagonista de Hardketrtg morre.
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