Caminhando para trás
Uma série de mudanças para tornar nossa legislação mais conservadora encontra-se em pauta
O governo do presidente não eleito, Michel Temer, vai, pouco a pouco, revelando-se um dos mais autoritários e retrógrados da história da República. Além de ter conquistado o cargo de maneira vil, conspirando nos bastidores para derrubar sua companheira de chapa, Dilma Rousseff, Temer chantageia e ameaça a população para obter apoio, sem discussões, a reformas que, de maneira significativa, modificam nosso cotidiano – como as da educação, trabalhista e previdenciária. Reformas que são discutidas e aprovadas por um Congresso que tem a maioria de seus membros – incluindo os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) – envolvidos em denúncias de corrupção.
Ofuscados pelos inúmeros escândalos que sobem à tona todos os dias, não nos damos conta de que, nos bastidores, deputados e senadores vêm trabalhando para empurrar o Brasil cada vez mais para trás. Aproveitando da confusão política generalizada e da ausência de movimentos sociais representativos organizados, uma série de mudanças para tornar nossa legislação mais conservadora encontra-se em pauta - algumas delas, inclusive, nos colocam na contramão da tradição da civilização ocidental. Abaixo, alguns exemplos.
Em tramitação no Senado, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 29/2015 torna crime qualquer interrupção voluntária da gravidez, até mesmo aquelas hoje consideradas legais, como o aborto em caso de risco de vida da gestante, em consequência de estupro ou de fetos com anencefalia (sem cérebro). Esta PEC estava parada há um ano e meio, mas recentemente recebeu parecer favorável do senador Eduardo Amorim (PSDB-SE) para continuar avançando. Tendo como principal proponente o senador da bancada evangélica, Magno Malta (PR-ES), a PEC, caso aprovada pelo plenário do Senado, seguirá para discussão na Câmara. A defesa do endurecimento da legislação anti-aborto é patrocinada pela Frente Parlamentar Evangélica, em Defesa da Vida e da Família e pela Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida, que, segundo o site Congresso em Foco, reúnem juntas 373 deputados e senadores, ou seja, representam 63% do Congresso.
O mesmo senador Magno Malta é o autor do projeto de lei 193/2016, que inclui na Lei de Diretrizes e Bases da da Educação a proposta de “Escola sem partido”. A proposta defende a “pluralidade de ideias no ambiente acadêmico”, “liberdade de consciência e de crença” e a “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”, todos pontos já referendados pela Constituição Federal. A questão é que, em seu artigo 8º, o projeto reza que o Ministério da Educação e as secretarias estaduais “contarão com canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta lei, assegurado o anonimato”. O que se quer, ao fim e ao cabo, é o constrangimento do professor em sala de aula, levando-o à autocensura ou submetendo-o à censura propriamente dita. Quem define o que é “doutrinação política e ideológica”? O que é “neutralidade”? A quem interessa, afinal, a formação de estudantes, ou seja, de cidadãos, sem consciência crítica?
Em discussão preliminar na Câmara encontra-se o projeto de lei 5065/2016, de autoria do deputado Delegado Edson Moreira (PR-MG). O projeto altera a Lei Antiterrorismo, que passa a considerar terrorismo não só ações motivadas por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, mas também por motivação ideológica, política e e social, “quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública, a incolumidade pública e a liberdade individual, ou para coagir autoridades, concessionários e permissionários do poder público, a fazer ou deixar de fazer algo”. Ou seja, passa a criminalizar como terroristas as ações decorrentes de movimentações sociais e de manifestações políticas.
Por fim, mas obviamente não esgotado o assunto, o governo Temer tem pronto um decreto que altera o processo de reconhecimento das terras indígenas. Pelas regras atuais, o governo propõe indenizações financeiras a donos de propriedades rurais, quando estes estão dentro de áreas que são reconhecidamente terras indígenas. O que o novo decreto prevê é que, agora, os índios sejam indenizados e não voltem mais para as terras. A minuta do decreto determina que apenas indígenas que estavam na terra ou a disputavam judicialmente até outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, poderiam ter direito a ela. Com isso, os índios que deixaram ou foram expulsos de suas terras e não as retomaram a partir de 1988, mesmo que por meios violentos, perdem o direito de reivindicá-la. A proposta, deste modo fragiliza terras que já foram demarcadas, abrindo espaço para que essas áreas sejam contestadas por pessoas que pleiteiem o mesmo espaço, o que pode iniciar a abertura desses espaços para o avanço de projetos de infraestrutura e do agronegócio em terras indígenas.
Tempos obscuros, esses...
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- Opinião
- Bancada evangélica
- Escola Sem Partido
- Operação Lava Jato
- Bancada BBB
- Igreja evangélica
- Michel Temer
- Crises políticas
- Caso Petrobras
- Partidos conservadores
- Associações políticas
- Protestantismo
- Lavagem dinheiro
- Subornos
- Financiamento ilegal
- Presidente Brasil
- Congresso Nacional
- Corrupção política
- Conservadores
- Caixa dois
- Presidência Brasil
- Brasil
- Parlamento
- Corrupção
- Governo Brasil