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Tarso Genro: “Temer perdeu o apoio do oligopólio da mídia e não vai se sustentar”

O ex-governador petista do RS avisa sobre o risco de uma "putrefação do Estado"

Tarso Genro, em dezembro de 2016, na Espanha
Tarso Genro, em dezembro de 2016, na Espanhauly martín

Transcorrido menos de um ano do afastamento definitivo de Dilma Rousseff da presidência da República, o assunto brasileiro é novamente o impeachment ou renúncia de um presidente. Depois da conversa gravada pelo dono da JBS, Joesley Batista - em que ele fala com Michel Temer sobre planos para barrar a Operação Lava Jato - o assunto ganhou as tribunas do Congresso, as ruas e os telejornais. As únicas questões discutidas no Brasil passaram a ser: Temer vai renunciar? Quando vai renunciar? E, se renunciar, o que pode acontecer depois? O cenário é tão ou mais incerto do que o que precedeu o impeachment de Rousseff. O ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Educação, Tarso Genro (PT), conversou com o EL PAÍS sobre o volátil cenário político brasileiro. Os destaques da conversa estão abaixo.

Pergunta. Temer disse que não vai renunciar. Um presidente na situação em que ele está é sustentável?

Resposta. Não, mesmo porque a Globo, que foi o “partido político” que deu sustentação para o impeachment de Dilma Rousseff, acabou de publicar um editorial retirando seu apoio. Portanto, o apoio principal do Temer, que é o oligopólio da mídia, está se retirando. Com isso, ele perde mais da metade da base dele, que é uma base política que não tem sustentação ideológica ou programática. É aquele resíduo oportunista e fisiológico que sempre tem um papel de desempatar questões políticas que estão no Congresso. Por isso, acho que não se sustenta. Acredito que ele vai revisar sua posição e vai renunciar.

P. Em sua opinião, a base aliada abandona o Governo a partir de hoje, então?

R. Sim. Eu tenho convicção disso. Porque a manutenção do Temer no Governo tinha uma profunda vinculação com as reformas – principalmente a da Previdência e a Trabalhista – e já se viu no primeiro baque que grande parte da bancada começou a se retrair. Agora, aprová-las representaria um duplo sacrifício: a impopularidade de passar reformas antipopulares e o ônus de manter Temer com todo o cerco político e jurídico em que ele se encontra.

P. Você disse que Temer perdeu o apoio que tinha na mídia, o que mudou para que isso acontecesse?

R. A estabilidade do Governo dele, e o apoio da mídia que ele tinha, estava vinculado a passagem e aprovação das reformas. Como elas estão bloqueadas pela crise, ele não serve mais. Há, em boa parte da sociedade brasileira, uma crítica muito forte ao apoio que Temer ganhava da mídia – a despeito de ter oito ministros investigados – e ao cerco ao qual o PT era submetido. Agora, como as delações da JBS saíram junto com as gravações, ou seja, combinadas com provas, a mídia caiu em uma armadilha em que é obrigada a tomar uma posição pública como se fosse um desague natural de posições anteriores. É uma espécie de mea-culpa­, já que as acusações contra Temer e PSDB são infinitamente mais sustentáveis do que as que pesam contra Lula, que vinha sendo o alvo do noticiário.

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P. Por outro lado, há setores de esquerda que dizem que tudo o que está acontecendo é “espuma” para que o Moro condene Lula...

R. Isso não é verdade. Esse processo contra a corrupção tem texto e subtexto. O texto fundamental é que é uma reação do Estado e da sociedade brasileira contra a corrupção endêmica e histórica no Brasil, que vem desde as capitanias hereditárias. O subtexto é que há hoje uma instrumentalização política através da Lava Jato para fazer um cerco a esquerda, um cerco ao PT e ao Lula. Não à toa, a movimentação por dentro da Lava Jato demonstrou, inclusive, que foram bloqueadas informações que levariam ao Temer e ao Aécio [referindo-se ao fato que o juiz Sergio Moro indeferiu 21 perguntas feitas pela defesa de Eduardo Cunha a Temer]. Por isso, eu não acredito que as informações da JBS sejam uma conspiração com Curitiba para prender o Lula. Agora, o futuro de todo mundo que está envolvido nas investigações é indeterminado. Isso porque é um processo político sem um objetivo pré-definido e trabalhando simultaneamente com a legalidade e a exceção e, nesse roldão, pode ir muita gente justamente e injustamente.

P. Mas você acredita que a investigação judicial persegue uns e outros não?

R. Eu tenho mantido uma posição de análise em relação a essas questões. É impossível dizer o que é justo e o que é manipulação nessas investigações, na medida em que você tem processos que vem de exceção. Para ter uma análise fria e não partidarizada, é preciso olhar apenas do ponto de vista político. Assim sendo, eu acredito que há uma desestruturação da elite política tradicional e existe um processo de instrumentalização da Justiça para a luta política. Quem vai ser o vencedor? Não se sabe. Na Itália, foi o Berlusconi que manteve 12 anos dos Governos mais corruptos da história do país. Agora, na sociedade brasileira, esse resultado ainda não está escrito porque as questões de fundo ainda não foram resolvidas.

P. PMDB, PSDB e PT sofrem abalos políticos diretos. Você citou o Silvio Berlusconi, acha que o caminho está aberto para aventureiros no Brasil?

R. Sim. Acredito que dentro desse processo de instrumentalização política da Justiça, a grande mídia transformou a disputa política em algo a ser demonizado. O interesse por trás disso é a promoção da tecnocracia, autoritarismo e, no seu limite, o fascismo. É isso que estamos vivendo no país. Esse processo ainda não foi interrompido, mas pode ser.

P. Se o Temer renunciar, o que acontece no dia depois do impeachment?

R. Não existe solução previsível. Quem diz o que é a Constituição é o Supremo. A Constituição é aquilo que o Supremo lê da Constituição. Eu chamo a atenção para o fato de que recentemente teve uma decisão sobre o Governo do Amazonas e o governador foi deposto por compra de votos. E o que o Supremo determinou? Nova eleição e não eleição pela Assembleia. Então, pode ser que aconteça um processo interpretativo aí, né? A leitura normal da Constituição apontaria para a eleição pelo Congresso. Isso vai ser determinado pelo processo político e pela leitura que o Supremo vai fazer da norma constitucional.

P. E em sua opinião, o que seria capaz de dar um rumo de tranquilidade para o Brasil?

R. A grande saída é a eleição geral e direta para presidente e Congresso. É preciso ter um poder central revigorado e, seja quem for eleito, terá legitimidade para governar. O que eu tenho medo da eleição indireta pelo Congresso é uma solução “técnica”, que acha que vai conseguir governar tecnicamente, sem política ou políticos e, assim, o clima no Brasil se deterioraria mais ainda.

R. O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro propõe na Folha de S. Paulo um entendimento acima de divergências políticas. Ainda há espaço para isso nesse momento?

P. Acho que sim. O próprio jogo político vai determinando os sujeitos que vão ser excluídos e os que vão sentar para negociar. O pior que pode acontecer nesse momento é o que os clássicos chamam de putrefação do Estado. Ou seja, que haja um embate de forças, as instituições deixem de funcionar e a dialética que passe a funcionar seja a de amigo e inimigo.

P. Mas não é isso mesmo que está acontecendo?

R. É um pouco, mas isso é superável. E não é necessário fazer concessão para ninguém. Os processos judiciais devem e podem continuar, mas é necessário coloca-los nos eixos, tirando os resíduos de exceção que eles têm. Assim, as pessoas precisam conversar até para uma emenda constitucional que vise alterar o calendário eleitoral. As soluções tem que ser dadas no plano político e jurídico e dentro da Constituição. Se não for por aí, nós vamos ter uma crise radical do Estado e da própria funcionalidade política do Estado que pode levar para qualquer lado, qualquer solução.

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