_
_
_
_

Mais um capítulo da trama EUA-Rússia: ex-secretária diz que general Flynn mentiu ao vice-presidente

Ex-responsável interina pelo Departamento de Justiça alertou a Casa Branca de que o conselheiro de Segurança Nacional era suscetível “de ser chantageado” pelo Kremlin

Jan Martínez Ahrens
O ex-diretor James Clapper e a ex-secretária Sally Yates antes de depor.
O ex-diretor James Clapper e a ex-secretária Sally Yates antes de depor.A. P. BERNSTEIN (REUTERS)
Mais informações
Bannon deixa o Conselho de Segurança Nacional
Genro de Trump é convocado para depor no Senado
Michael Flynn, o general islamófobo e pró-Rússia de Donald Trump

O tenente-general Michael Flynn era o elo mais frágil da segurança nacional dos Estados Unidos. Não apenas “estava enganando a opinião pública” e o vice-presidente sobre suas conversas com o embaixador russo, como também era suscetível “de ser chantageado” pelo Kremlin. A afirmação foi feita nesta segunda-feira pela ex-secretária de Justiça dos Estados Unidos Sally Yates em seu decisivo depoimento ao Subcomitê Judicial do Senado que investiga a trama russa. Uma declaração explosiva que expressou a preocupante lentidão da Casa Branca no momento de pôr um fim na crise aberta após a revelação das mentiras do conselheiro de Segurança Nacional.

O escândalo Flynn teve o seu epicentro ao final do ano passado. Donald Trump ainda não tinha tomado posse, e o presidente Barack Obama estava prestes a divulgar as sanções que seriam adotadas contra a Rússia por causa de sua intervenção no processo eleitoral por meio de uma campanha difamatória contra Hillary Clinton. Naquele momento, o magnata norte-americano havia delegado o relacionamento com o Kremlin ao tenente-general Flynn. Um militar de 58 anos tão brilhante nos campos de batalha quanto extremista e russófilo (admirador dos russos) no terreno ideológico.

Embora isso não fosse de conhecimento público, Flynn era objeto de investigação do FBI: sua relação com a Rússia ia muito além de suas simpatias pelas brincadeiras de poder de Vladimir Putin. Entre 2012 e 2014, ele havia dirigido a Agência de Inteligência da Defesa. Sua maneira tirânica de lidar com superiores e subordinados lhe valeu ódio profundo em diferentes setores e culminou com sua demissão. Depois de se afastar da Administração, em vez de manter distância começou a atuar como consultor para empresas russas, chegando, com essa aproximação, a sentar ao lado de Putin em um evento público.

Mas não eram apenas essas conexões que levantavam suspeitas. O próprio Obama, segundo fontes da Casa Branca, aconselhou Trump a não nomear Flynn para nenhum cargo, dado o seu comportamento abusivo.

O republicano, porém, desdenhou o conselho. Confiava em Flynn para desanuviar as relações com o Kremlin. E assim aconteceu em 29 de dezembro passado. Nesse dia, Obama anunciou a expulsão de 35 diplomatas russos por ingerência na campanha eleitoral. Em seguida, Flynn telefonou para o embaixador russo, em Washington, Sergei Kislyak. Ao longo de diversos telefonemas, o tenente-general deu a entender que se Moscou mantivesse a calma e deixasse de reagir às sanções, seria mais fácil retomar as relações mais adiante assim que Trump tomasse posse. Na manhã seguinte, Putin decidiu não adotar nenhum tipo de represália.

Após a posse, em 20 de janeiro, Flynn foi nomeado conselheiro de Segurança Nacional. Ao ser interrogado em 24 de janeiro pelo FBI a respeito de suas conversas com Kislyak, ele negou ter falado com o embaixador sobre as sanções. E repetiu essa negativa publicamente. A mesma versão foi reafirmada várias vezes, em entrevistas, pelo vice-presidente do país, Mike Pence.

Foi então que surgiu a intervenção de Sally Yates, a número dois da ex-secretária de Justiça, a democrata Loretta Lynch. Em 26 de janeiro, ela pediu um encontro com o Donald McGahn, conselheiro da Casa Branca. Sabedora das escutas telefônicas que o serviço de inteligência havia feito, de rotina, das conversas de Kislyak e nas quais figurava a conversa com Flynn, Yates avisou que o conselheiro de Segurança Nacional estava faltando com a verdade e que, portanto, era suscetível de ser chantageado pela Rússia.

“Eu lhe disse que o comportamento de Flynn era problemático, que ele tinha enganado o vice-presidente e a opinião pública e que os russos também sabiam disso. Era um problema, pois criava uma situação comprometedora”, afirmou Yates ao Senado.

A ex-secretária e McGahn voltaram a se encontrar no dia seguinte. “McGahn me perguntou qual era o problema de um membro da Casa Branca mentir para outro. Respondi que cada vez que essa mentira era reproduzida a situação ia ficando mais perigosa. E que estava lhe passando a informação para que medidas fossem tomadas”, disse Yates.

O alerta era de extrema gravidade. Um dos maiores responsáveis pela segurança dos Estados Unidos e guardião de seus mais profundos segredos estava mentindo, inclusive para o vice-presidente, sobre sua relação com o Kremlin. A Casa Branca não deu importância ao alerta, considerando que se tratava de uma questão legal, e Trump deixou o tempo passar. Mas Yates não sobreviveu. Quatro dias depois, a secretária foi demitida por se negar a defender o polêmico veto migratório baixado por Trump. E foi só depois que o The Washington Post revelou, duas semanas mais tarde, as conversas com Kislyak que o presidente se livrou de Flynn.

Desde esse dia, 13 de fevereiro, Trump não conseguiu se livrar, porém, da trama russa. O FBI e duas comissões de inteligência investigam se o entorno do republicano agiu ou não de forma coordenada com o Kremlin no ciberataque realizado contra Hillary. Embora essa conexão ainda não tenha sido demonstrada, qualquer novo indício acaba se tornando extremamente nocivo para a Casa Branca. Com Flynn demitido e com o secretário de Justiça, que também ocultou suas conversas com o embaixador russo, parcialmente inabilitado, a próxima peça a ser capturada seria o próprio presidente.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_