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Quando um tenente alemão roubou a identidade de um refugiado sírio

Autoridades suspeitam que um soldado se fez passar por asilado para cometer atentado

Ana Carbajosa
Soldado alemão monta guarda em Hanôver em abril de 2016.
Soldado alemão monta guarda em Hanôver em abril de 2016.Kai Pfaffenbach (Reuters)

A assombrosa história por trás da prisão de Franco A., deixou sem palavras, e sobretudo sem respostas, o próprio Ministério do Interior da Alemanha. Meio país se pergunta agora como é possível que um militar exemplar tenha conseguido enganar tanta gente durante tanto tempo. Como é possível que um soldado de 28 anos que não fala árabe tenha conseguido ser legalmente reconhecido como um refugiado sírio durante 16 meses e se armasse, supostamente para cometer um atentado e manchar assim a reputação dos que fogem das guerras, em um clima de crescente xenofobia. As perguntas agora deixam acuadas as autoridades que precisam explicar qual foi a falha e até que ponto este caso é apenas um reflexo do caos administrativo provocado pela chegada de mais de um milhão de refugiados ao país.

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Foi no final de janeiro, quando o soldado F.A. voou para Viena e precipitou por sua torpeza o início da investigação que mobilizou as polícias da França, Alemanha e Áustria, e que agora culmina na sua detenção. O plano confesso da viagem era o comparecimento ao Baile dos Oficiais na capital austríaca. Ali, o militar com oito anos de carreira, comprou uma pistola de calibre 7,65 que escondeu depois em um banheiro do aeroporto de Viena. Quando foi recuperá-la, dias mais tarde, ativou uma armadilha policial e foi preso. Os agentes austríacos examinaram as impressões digitais e em seguida se deram conta de que não coincidiam com as de nenhuma pessoa detida com antecedentes. A surpresa chegou quando o computador informou que as digitais pertenciam a um refugiado sírio registrado com o nome de David Benjamin.

O detido havia pedido asilo em janeiro de 2016 e recebido um lugar em um centro de acolhimento na Baviera, no sul do país. O Governo lhe concedeu mais tarde proteção subsidiária –um amparo similar ao de refugiado– e lhe pagava mensalmente uma ajuda, como aos demais beneficiários, segundo informa a imprensa alemã. Durante a audiência no órgão encarregado da imigração ele disse que era um cristão sírio de origem francesa, filho de um quitandeiro que vivia perto de Aleppo, de acordo com as mesmas fontes. Que o autodenominado Estado Islâmico o perseguia por pertencer a uma minoria cristã e que seu árabe era ruim porque sempre falava em francês com sua família. F. A. levou assim uma vida dupla durante meses, entre seu quartel militar e o centro de refugiados.

Os detalhes que emergem pouco a pouco sobre a vida do detido contribuem ainda mais para o desconcerto. O jornal digital Spiegel afirma que F. A. tinha sido um aluno muito aplicado, que aprendeu muito bem o francês e um pouco de árabe e pertencia a um clube de remo, com o qual havia vencido numerosas competições. Sonhava em ser jornalista.

As mensagens de telefone interceptadas entre o falso refugiado e um suposto cúmplice de 24 anos, também detido, deixam claro o ódio que F.A. professava contra os estrangeiros, o que leva os investigadores a suspeitarem que planejava um ataque de extrema direita.

Erros

O Governo alemão reconheceu nesta sexta-feira que houve erros e no Ministério do Interior garantiram que “removeremos até a última pedra para saber o que se passou”. Enquanto isso, nas fileiras social-democratas seus membros levam as mãos à cabeça e exigem explicações contundentes. Thomas Oppermann, dirigente social-democrata, considerou o ministro do Interior e a titular da Defesa “um perigo para a segurança da Alemanha”. “Se alguém pode ser reconhecido como refugiado sem conhecer o idioma do suposto país de origem, então assistimos a um fracasso absoluto da autoridade competente”, disse Katharina Barley, também social-democrata.

Este caso sucede a outro de certo modo semelhante, ocorrido há apenas duas semanas. Na ocasião, um homem provocou um atentado com três artefatos explosivos contra um ônibus no qual viajavam os jogadores do Borussia, de Dortmund. O detido, que havia recebido treinamento militar no passado, deixou no lugar do ataque três notas com uma suposta reivindicação islamista de autoria, com as quais pretendia incriminar a comunidade muçulmana. Os dados publicados pela revista Spiegel indicam que os serviços secretos das forças armadas investigam 280 casos de soldados suspeitos de estar alinhados com a extrema direita. Desse total, 97 correspondem a este ano.

A chegada ao país de mais de um milhão de requerentes de asilo nos últimos dois anos suscitou reações de solidariedade entre boa parte da sociedade, mas também provocou uma onda de ataques xenófobos, sobretudo no leste da Alemanha.

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