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A corrida de obstáculos de João Doria, o prefeito de São Paulo que já flerta com 2018

Prefeito cogitou pela primeira vez disputar prévias no PSDB para se postular ano que vem Entre desafios estão a disputa com mentor Alckmin e a tarefa de "se inventar" no Nordeste

Gil Alessi

Desde que Fernando Henrique Cardoso passou a faixa presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2003 os tucanos sonham em voltar ao Planalto. O senador José Serra tentou duas vezes e perdeu. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi derrotado uma vez, e recentemente Aécio Neves completou o rol de fracassos eleitorais do PSDB na seara. A disputa interna que jamais abandona os tucanos ganhou de vez um neófito, o prefeito de São Paulo, João Doria. Em Nova York para receber um prêmio e falar a investidores, Doria, que ocupa seu primeiro cargo eletivo apenas desde janeiro, flertou abertamente com uma candidatura em 2018 — o mais claro que chegou até agora ao falar do tema. Em entrevista à agência Bloomberg, disse que concorreria caso fosse escolhido em prévias no PSDB: "Respeitando a democracia, por que não?

Assessor filma Doria enquanto ele fala a investidores em Nova York.
Assessor filma Doria enquanto ele fala a investidores em Nova York.Prefeitura Municipal de São Paulo

Num cenário de terra arrasada na política com a Operação Lava Jato, o prefeito que se apresenta como "gestor" ganha destaque e foi o tucano mais bem posicionado nas simulações de 2018 publicadas pelo Datafolha no começo do mês — nas quais Lula, alvo da artilharia máxima da operação, segue em primeiro. Incluído pela primeira vez no levantamento, Doria, que tem buscado polarizar com o petista nas redes sociais, apareceu com entre 5% e 11% dos votos a depender do cenário. E, à diferença do ex-presidente e dos demais tucanos, com baixa rejeição: 16%. "Será o candidato do PSDB para presidente da República aquele que tiver a melhor posição na opinião pública para vencer o PT e o Lula", lançou o prefeito dias atrás.

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A maior parte dos analistas adverte que é cedo para fazer prognósticos com tanta antecedência e num cenário eleitoral instável, inclusive na economia. Mas, feitas as ressalvas, dizem que já são claros, logo de partida, os vários obstáculos que Doria enfrentará para pôr seu nome na cédula de forma competitiva. O primeiro deles será o de vencer a guerra interna no PSDB. Depois, o de ter uma administração convincente e bem avaliada e explicar ao eleitor sua eventual saída precoce do posto, sem falar na necessidade de calibrar seu discurso por vezes intempestivo e de "se inventar" no resto país, especialmente Nordeste, onde Lula segue forte.

Guerra interna

Apadrinhado político do governador Alckmin, Doria agora caminha em campo minado ao tentar atrair atenção para o seu nome, inclusive internacional, sem melindrar o mentor que apostou nele para a prefeitura e ganhar o carimbo de "traidor". Alckmin não esconde sua ambição de concorrer em 2018, não sem constrangimentos. Na viagem que compartilham nesta semana em Nova York, o governador tem sido obrigado a dedicar muito tempo tanto para comentar as chances do pupilo como para negar sinais de rompimento.

“Doria é um candidato natural, porque os grandes tucanos estão em maus lençóis. O Alckmin, além da Operação Lava Jato, tem o problema dos trens [escândalo do trensalão]”, afirma o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. Outros nomes presidenciáveis do PSDB, José Serra e Aécio Neves, também tem de responder a acusações na Lava Jato.

Ainda assim, não é tarefa fácil ser um outsider na máquina partidária e um sinal evidente foi a exclusão do prefeito neotucano do programa gratuito do PSDB na TV no começo do mês. Luciano Dias, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, acredita que Doria só tem chances de ser escolhido pelo partido caso Alckmin seja carta fora do baralho. “Existe uma fila partidária que costuma ser seguida. Aécio tentou em 2014, agora é a vez de Alckmin. Todo o marketing que o Doria tem não se traduz em possibilidade dele se candidatar pelo PSDB, tampouco em votos”.

Coleira e Nordeste

Na capital paulista, Doria surfa em uma onda de popularidade, impulsionado por algumas medidas polêmicas que cumprem sua promessa de campanha, como o aumento da velocidade nas marginais. Usando o mesmo mote da disputa eleitoral, o de João Trabalhador, o tucano e ex-apresentador de TV imprimiu um ritmo de reality show à comunicação da prefeitura, com crescimento importante de seguidores nas redes sociais. Por outro lado, também chama a atenção reações suas consideradas agressivas ou desproporcionais, como chamar de "vagabundo" quem aderiu à greve geral de março contra as reformas do Governo Michel Temer ou jogar fora uma flor recebida de uma ativista crítica do novo aumento das mortes nas marginais.

"Pelas reações de Doria, alguém terá que pôr uma coleira nele e não deixar que ele reaja com seu instinto. Ele também vai ter que aprender a responder sobre o imponderável e sobre coisas que ele não sabe, coisa que se aprende fazendo muitas campanhas, mas que tem gente para ensinar", diz Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo.

Doria tem buscado falar de temas nacionais que possam consolidá-lo como nome anti-Lula nacionalmente. Foi assim durante a greve geral e foi assim nos dias que antecederam ao depoimento de petista na Operação Lava Jato, na semana passada. O deputado federal Heráclito Fortes (PSB-Piauí) encorajou Doria a alçar voo fora de São Paulo, afirmando que em seu Estado natal todo mundo pergunta “quem é esse Doria”. O tucano comemorou, e usou as redes sociais para dizer que fica “feliz em saber que nosso trabalho está despertando curiosidade em todo país”. Mas ao contrário do que faz crer o parlamentar piauiense, a tarefa de conquistar os Estados onde Dilma Rousseff bateu Aécio em 2014 não será fácil num terreno onde o PT segue forte. "Doria terá que ser inventado no Nordeste, sua imagem (terá de ser) construída. Isto não vai ser fácil de se fazer, sobretudo sem apoio de redes partidárias e com pouco dinheiro", diz Limongi.

O cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal do Pernambuco, aposta que caso mantenha o mesmo discurso “liberal de empresário” usado em São Paulo, Doria terá dificuldades de conquistas os eleitores do Norte e Nordeste. “Essa retórica que opõe o João trabalhador, empresário, gestor, ao que ele considera como sendo o PT corrupto tem vazão em parte dos brasileiros. Mas outra parcela da população dessas regiões é estadólotra [favorável a uma maior presença do Estado], defende as políticas sociais da era Lula”, afirma Oliveira. Logo, para obter sucesso em âmbito nacional, Doria teria que “incorporar a ideia de que o Estado deve ajudar quem precisa”.

O professor também aponta que é preciso separar o petismo do lulismo: “Quando Doria foi eleito o PT estava no auge da crise com o impeachment de Dilma e a Lava Jato. Mas o Lula já começou a se reerguer, o lulismo é maior do que o petismo”. É no Nordeste, por exemplo, que o presidente Michel Temer (PMDB) tem seu maior índice de rejeição: 67%, de acordo com pesquisa Ibope divulgada no final e março. Durante os governos petistas a região passou por um "ciclo virtuoso", que trouxe crescimento econômico, distribuição de renda e uma série de políticas desenvolvimentistas.

O historiador Altemar da Costa Muniz, da Universidade Estadual do Ceará, acredita que as críticas constantes de Doria a Lula podem ser um empecilho ao prefeito para conquistar o eleitorado nordestino. “A popularidade do ex-presidente ainda é muito grande na região, principalmente nas camadas mais populares. Basta ver a multidão que acompanhou Lula na inauguração não-oficial de um trecho da transposição do São Francisco em março”, diz o professor. Ele também afirma que o eleitor nordestino é menos volátil. “O eleitorado paulista é atípico. Elege Fernando Haddad e na sequência João Doria. Vota na Luiza Erundina e depois em Paulo Maluf. Nesse sentido o eleitorado do Nordeste é mais compreensível, ele surpreende menos com guinadas”, afirma.

Dias, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, acredita que não é possível generalizar o comportamento do eleitor do Norte e do Nordeste. “Acho que nas capitais do Nordeste o efeito Doria seria semelhante ao que ocorre em São Paulo. Salvador, por exemplo, elegeu e reelegeu um prefeito de direita [Antônio Carlos Magalhães Neto]”, diz. Segundo o professor, os eleitores do interior tem uma tendência a votar em candidatos do Governo. “Foi assim desde a época do Fernando Henrique Cardoso. Esse eleitorado tende a votar em candidatos governistas, então o sucesso o fracasso de Doria com essa parcela da população dependeria do apoio do PMDB”, afirma.

Com informações de Carla Jiménez e Flávia Marreiro.

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