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México assume a liderança da América Latina na crise da Venezuela

A postura firme das últimas semanas representa uma mudança na diplomacia mexicana, historicamente ativa, mas morna na última década

Javier Lafuente
Confrontos entre opositores e chavistas, no sábado passado.
Confrontos entre opositores e chavistas, no sábado passado.MIGUEL GUTIERREZ (EFE)
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A escalada do autoritarismo de Nicolás Maduro levou a Venezuela a limites que pareciam impossíveis de superar. Diante do que ocorreu no último ano e meio, não há indícios de que a situação se reverta. A oposição voltou a recuperar nas ruas a força que tinha perdido em outubro, apesar da violenta repressão a que foi submetida nos últimos dias. Enquanto isso, a comunidade internacional intensificou sua pressão sobre o regime chavista. No caso da América Latina, o México decidiu dar um passo à frente e assumir a liderança da região diante da crise do país sul-americano. Uma atitude até agora incomum, que representa uma mudança substancial na política externa mexicana na última década.

O México lidera o grupo de 14 países da região – todos, exceto Equador, Bolívia, Nicarágua e o bloco caribenho que, há tempos, demonstrou sua preocupação com a deterioração da Venezuela. A Argentina, com a chegada de Mauricio Macri à presidência, encabeçou em um primeiro momento essa corrente, que foi acompanhada, entre outros, por Peru, Chile, Colômbia, Brasil e México, sob cuja liderança, e diante das últimas decisões do regime de Maduro, subiu o tom. O último comunicado conjunto, pela primeira vez, pedia a liberação dos presos políticos, a determinação de um calendário eleitoral e que “se reconheça a legitimidade das decisões da Assembleia Nacional”.

“Não podemos e não devemos continuar sendo indiferentes, trata-se de uma violação sistemática dos princípios da democracia”, afirmou recentemente o chanceler Luis Videgaray, a declaração mais contundente da diplomacia mexicana até agora, que fez com que sua colega venezuelana, Delcy Rodríguez, o tachasse de “servil”. Outro gesto veio esta semana. O presidente, Enrique Peña Nieto, recebeu Lilian Tintori. O governante era um dos poucos dirigentes mundiais que ainda não tinha recebido a esposa do preso político Leopoldo López. Entre os principais presidentes latino-americanos, só Juan Manuel Santos (Colômbia) e Michelle Bachelet (Chile) recusaram essa reunião. Para além do conteúdo, o simbolismo desse tipo de encontros costuma ser considerado uma afronta pelo Governo de Nicolás Maduro.

“Uma soma de conjunturas propiciou um papel mais ativo”, reconhece Luis Alfonso de Alba, embaixador do México na Organização de Estados Americanos (OEA). Um dos motivos é a “paralisação” do diálogo, encabeçado pela Unasur e respaldado pelo Vaticano, e mais três ex-presidentes ibero-americanos, entre eles o espanhol José Luis Rodríguez Zapatero. “Não damos por destruída essa mediação, mas seria preciso haver uma proposta nova porque não conseguiram fazer avançar a situação”, afirma o diplomata mexicano, uma opinião que em boa parte da oposição venezuelana é mais drástica. “Zapatero ficou desqualificado”, afirmou recentemente Henrique Capriles, líder da oposição impedido pelo chavismo por 15 anos na sexta-feira passada, dia 7.

O objetivo do México à frente desse tipo de G-14 é propiciar uma alternativa para evitar retomar a mediação dos ex-presidentes e também uma hipotética expulsão da Venezuela da Organização de Estados Americanos (OEA). “Temos que ver como reage o Governo e a oposição, é essencial que haja unidade”, diz De Alba, que afirma que os contatos com a diplomacia venezuelana são constantes. “Procuramos uma resposta muito menos retórica”, acrescenta, enquanto descarta terminantemente qualquer intervenção estrangeira na Venezuela, como costuma sugerir o chavismo.

Os movimentos das últimas semanas representam uma mudança substancial na concepção da política externa mexicana em relação à América Latina. Os seis anos de Felipe Calderón (2006-2012) foram marcados pela cooperação com os Estados Unidos e a guerra contra as drogas, enquanto Peña Nieto até agora tinha dado mais ênfase em promover suas reformas. “Durante dois anos e meio, Peña Nieto foi cúmplice de Maduro, nunca levantou a voz nem fez críticas; com a chegada de Videgaray o tom mudou”, afirma o ex-chanceler Jorge Castañeda. “Se na América Latina você não sai à frente para defender a democracia e os direitos humanos, você não tem bandeira. Agora voltou-se a uma posição tradicional, o México condenou as ditaduras militares e contribuiu para a paz na América Central”, acrescenta Castañeda.

A reunião na ilha de Contadora em 1983 entre México, Venezuela, Colômbia e Panamá, que assentou as bases para pacificar a América Central, é um dos exemplos a que recorrem os especialistas, entre eles Armando Chaguaceda, professor da Universidade de Guanajuato e membro da direção da divisão venezuelana da LASA (Latin America Studies Association). “A solução para a crise virá de dentro da Venezuela, mas há que continuar aumentando a pressão. Se a via diplomática for rompida, que seja pelo Governo de Maduro, que é o único ator que emperra qualquer saída”, afirma Chaguaceda, que sustenta abertamente uma posição que cada vez cala mais fundo entre os círculos políticos e diplomáticos conhecedores da situação: “Lamentavelmente, uma negociação efetiva, para que não demore e realmente traga soluções, acontecerá em um contexto mais violento, de fechamento total do regime, com uma oposição unida e mobilizada; será rápida porque alguém do próprio regime forçará a buscar uma saída.”

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