Molenbeek, um ano depois do atentado em Bruxelas: mais radicais, mais vigiados
No bairro com maioria muçulmana, onde foram tramados os ataques de 2016 em Bruxelas, a desesperança cresce entre os jovens, junto com a pressão policial
O medo em Bruxelas, às vezes, assume a forma de um desconhecido no metrô, a caminho do trabalho. De mochilas esquecidas que provocam desocupações e alarmes falsos. De um motorista que não para no sinal vermelho e leva no porta-malas um botijão de gás, e em questão de minutos está rodeado de especialistas em explosivos.
Um ano depois dos atentados que deixaram 32 mortos e mais de 300 feridos, o medo na capital europeia também consiste em olhar torto para o bairro de Molenbeek. Para o que acontece em Molenbeek. Não são poucos os que temem que de suas entranhas saia o próximo Salah Abdeslam, o novo Abdelhamid Abaaoud, ou qualquer monstro oculto sem biografia conhecida. Os antecedentes colocam essa periferia como um bastião jihadista na Europa, e os trabalhadores no terreno já acionaram os alarmes. “O número de jovens que aderem sem complexos a discursos radicais aumenta”, advertiu o diretor de combate à radicalização de Molenbeek, Olivier Vanderhaegen, num depoimento ao Parlamento neste mês.
O aniversário dos ataques contra o metrô e o aeroporto domina a Bélgica nesta semana, em pleno esforço para evitar o surgimento de novas ameaças terroristas. O plano do Governo para acabar com o radicalismo em Molenbeek obteve sucessos palpáveis no último ano: a presença policial aumentou em 50 agentes, a marcha de combatentes para as fileiras do Estado Islâmico foi interrompida, e as forças de segurança bateram à porta das associações comunitárias para comprovar que sua atividade é real, e não uma fachada para centros ligados ao radicalismo islâmico.
Esse maior zelo permitiu revelar que pelo menos 102 das 1.600 entidades registradas tinham propósitos criminais, e metade delas é suspeita de manter laços terroristas. O trabalho de campo não acabou por aí: no último ano, mais de 6.000 pessoas foram identificadas por esses novos policiais, e um total de 22.668 foram investigadas; comprovou-se a propriedade de milhares de veículos e moradias; e houve 167 detidos por crimes diversos, num autêntico pente-fino policial que traz à memória as palavras do ministro do Interior, Jan Jambon, depois dos atentados de novembro de 2015 em Paris: “Vamos limpar Molenbeek”, prometeu, depois de saber que vários dos terroristas que agiram na França procediam desse bairro.
Mas a obsessão com a segurança também provocou efeitos colaterais e retrocessos no conceito de sociedade aberta que prepondera no Ocidente. Seu exemplo mais claro é a proibição de que mais de três pessoas se reúnam a partir das 21h em algumas áreas, por força de um regulamento municipal. “Há muitas restrições. É triste para os jovens. Não se pode dizer que a situação tenha melhorado no último ano”, opina Fouad Ben Abdelkader, educador social que trabalha diariamente com adolescentes do bairro para evitar suas tendências extremistas.
Para muitos, o trabalho policial é só um paliativo sob o qual pulsam doenças sem tratar. E o despertar pode ser duro. “O desemprego entre os jovens sobe para 52% em certos enclaves de Molenbeek. Para eles, vender haxixe é dinheiro fácil. Podem ganhar 2.000 euros [6.700 reais] por mês sem ir ao colégio nem procurar trabalho”, diz Christophe Lamfalussy, coautor do livro Molenbeek sur Djihad (inédito no Brasil). Os vínculos entre a pequena delinquência e a posterior radicalização são amplamente conhecidos. O percurso biográfico traficante-detento-jihadista é uma linha temporal já trilhada por muitos anteriormente e documentada pelas autoridades: metade dos combatentes belgas alistados no Estado Islâmico na Síria tinha antecedentes penais.
A debilidade do EI e as crescentes dificuldades da viagem até a Síria abalaram a atração exercida pela areia e a pólvora do campo de batalha, mas isso não elimina a ameaça. A Bélgica não controla o discurso dos 41 centros de culto muçulmano que operam em Molenbeek; dos 46 regressados da Síria, só cinco recebem o atendimento de um funcionário especializado em desradicalização, e a desesperança dos jovens de Molenbeek os transforma nos candidatos perfeitos para os recrutadores. “Estão cada vez mais receptivos às teorias da conspiração e desafiadores”, avisa o chefe do combate à radicalização. “Uma colega policial, muçulmana não praticante, foi insultada por fumar na rua”, exemplifica o argelino Hamid Bénichou, que há três décadas se tornou o primeiro agente de origem imigrante em Bruxelas.
Furiosos com o sistema
Na narrativa sobre a vida no bairro chocam-se duas visões: a que nega a presença radical e acusa os meios de comunicação de estigmatizarem toda a população – 100.000 habitantes –, e a que entende que não se pode ignorar que o bairro é o local de origem de alguns dos autores dos piores atentados que a Europa já sofreu. “Existem setores que não desejam ver e denunciar o islamismo radical que se instalou no bairro. São os que agitam sem autocrítica a bandeira das discriminações étnicas e religiosas", defende José Luis Peñafuerte, autor do documentário Molenbeek, Génération Radicale.
Algumas vozes defendem que o nascimento dessa consciência radical não tem por que resultar em islamismo violento. “Há mais jovens radicais, mas nem sempre enfocam a religião. A maioria está furiosa com o sistema, com a falta de oportunidades, com o racismo e com os privilégios das pessoas endinheiradas”, aponta o educador Ben Abdelkader. “Molenbeek retomou um ritmo de vida normal. Nosso bairro foi apresentado como um ninho de jihadistas, e não é assim, embora notemos, de fato, que cada vez mais jovens se distanciam da política”, avalia o subprefeito Ahmed el Khannouss.
Para Ben Abdelkader, nascido e criado em Molenbeek – como seus pais e seu avô –, a vida normal já não é igual à que era antes daquele 22 de março. “Quando estou no metrô, às vezes olho ao redor e penso: em qualquer momento pode explodir! E isso dá medo”.
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