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Molenbeek, ‘refúgio’ jihadista na UE

Vários supostos colaboradores do atentado em Paris foram detidos no bairro de Bruxelas

Belén Domínguez Cebrián
Uma das ruas de Molenbeek (Bruxelas) no domingo 15 de novembro.
Uma das ruas de Molenbeek (Bruxelas) no domingo 15 de novembro.YVES HERMAN (REUTERS)

O desconhecido canal de Bruxelas separa dois mundos no centro da capital da Bélgica. De um lado, um bairro cheio de vida e repleto de pequenos bistrôs e cervejarias. Do outro, o deprimido Molenbeek, berço e refúgio de uma boa parte dos jihadistas na União Europeia. “O bairro está fora de controle”, declarou no domingo em sua conta do Twitter Jan Jambon, ministro do Interior do país que afirmou à imprensa belga que a subprefeita do distrito, a socialista Françoise Schepmans, pediu ajuda para “esclarecer a situação” terrorista nessa área de ampla maioria muçulmana.

Com seus quase seis quilômetros quadrados no noroeste da capital belga, Molenbeek foi na sexta-feira e no sábado da última semana um dos principais focos da ação policial depois dos sangrentos atentados de Paris que deixaram 129 mortos e mais de 350 feridos, 90 em estado crítico. “É um bairro muito tranquilo”, constata o gerente de uma padaria que não quer dar o nome. Também as poucas (e completamente cobertas dos pés à cabeça) mulheres que passeiam pelas avenidas afirmam à boca pequena que “nunca houve nenhum problema” na área, arranha uma delas em francês enquanto espera o ônibus com uma amiga que diz “só” fala árabe. Somente em Molenbeek há 16 mesquitas ou centros de culto ao Islã, segundo a rede social muçulmana Masjidway.

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Na um pouco mais isolada rua de Dubois-Thorn, paralela à linha de trem, as autoridades belgas detiveram no sábado passado um jovem suspeito de ter colaborado nos atentados de Paris. No domingo, já eram cinco os detidos por suspeita de colaboração nos ataques, segundo a Promotoria. “É um bairro de maioria muçulmana, mas isso não quer dizer que haja terroristas”, exclama Reda Caib, farto do “estigma” e do “racismo” que estão germinando contra sua comunidade ultimamente e em especial desde o ataque em janeiro de 2015 ao semanário francês Charlie Hebdo, em que foram assassinados 12 desenhistas e jornalistas por cidadãos europeus radicalizados que voltavam da jihad (guerra santa) na Síria.

Não compartilha da mesma opinião o primeiro-ministro belga Charles Michel ao afirmar que “cada vez [que há um atentado com a marca islâmica] existe um vínculo com Molenbeek”. E depois do atentado fracassado em agosto no Thalys, o trem de alta velocidade que une Amsterdã a Paris através da Bélgica, descobriu-se que o agressor identificado como Ayub el Khazani tinha passado por Molenbeek, assim como os autores dos assassinatos no Museu Judaico de Bruxelas em maio de 2014 e do já citado atentado ao Charlie Hebdo. Michel acredita, portanto, que além de prevenir, é preciso reprimir, conforme apura a imprensa local. A Bélgica calcula que tem em seu território 300 jihadistas retornados da Síria, segundo dados de 2014.

Apesar da aparente normalidade no bairro, a polícia realiza uma vigilância “extrema” – embora discreta – de todos os moradores, declara Rachid Mrabti, contador de 28 anos e pai de dois bebês, um deles ainda no ventre de sua mulher. “Qualquer que tenha um celular com conexão a Internet está sendo vigiado”, explica enquanto se pergunta de maneira retórica por que Molenbeek, o bairro em que seus avós marroquinos se estabeleceram há décadas, é o alvo de todos os olhares cada vez que há um atentado. “Hoje o terrorismo vem de uma parte da religião muçulmana, em outros tempos foi nazista. Em cada época há algo que representa o terror e aqui somos uma comunidade árabe”, declara para logo declarar orgulhoso que ele é “árabe, belga e muçulmano”. “Árabe, belga e muçulmano”, sentencia com um sorriso logo antes de cruzar a rua.

Poucas perspectivas de futuro

Molenbeek, de apenas 100.000 habitantes, é um bairro jovem com uma média de idade de 34 anos. O maior problema: a taxa de desemprego. “Os jovens daqui querem ser jogadores de futebol. Não terroristas”, lamenta-se Caib, de 32 anos, enquanto aponta para um grupo de adolescentes que tenta dançar breakdance às portas do metrô.

A vizinhança, em cujas ruas semidesertas se mistura o som do francês e do árabe com o aroma de frango assado e pão recém-saído do forno, sofre uma das maiores taxas de desemprego de toda a cidade; 28,6% para os homens e 33,1% para as mulheres, segundo dados oficiais do distrito. Cifras que se destacam em comparação aos 22% para homens e 19% para mulheres em Ixelles, um bairro típico da capital belga. “Eu dirijo um bonde desde que deixei a escola aos 20 anos”, diz Caib. “Mas quase ninguém do meu entorno trabalha”, acrescenta após explicar que seu salário oscila entre 1.300 e os 2.000 euros (5.000 a 8.000 reais) mensais, dependendo se trabalha no turno do dia ou do noite.

Vestido de rapper desde o boné de aba larga até os tênis pretos de uma conhecida marca americana, Caib afirma categoricamente que os cinco detidos suspeitos de envolvimento com os atentados de Paris “não são terroristas”. Caib explica que as prisões sempre acontecem nesse bairro porque é de maioria muçulmana. “É uma mentira da polícia. [As prisões] são só para que a sociedade veja que a autoridade está respondendo. Mas é tudo falso”, sentencia convencido e exasperado em meio a uma praça próxima ao lugar das detenções que, de forma algo paradoxal, é a praça de Mahatma Gandhi.

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