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Holanda prepara-se para medir nas urnas a força da extrema direita na Europa

O extravagante Geert Wilders será o primeiro a submeter-se às urnas, nesta quarta-feira

Na próxima quarta-feira, acontecerá a primeira grande eleição em um ano que também terá votações na França e na Alemanha, onde as pesquisas preveem a maior vitória da direita desde a Segunda Guerra Mundial. E não podemos esquecer da Itália, que irá às urnas entre setembro e meados de 2018. Por lá, nasceu nos últimos tempos um sentimento antieuropeu mais ou menos oculto até agora. Também apareceu o presidente russo Vladimir Putin, a figura que paira sobre todas as eleições por suspeitas de uma possível interferência de Moscou —uma intromissão que levou a Holanda a voltar à contagem manual de votos para evitar qualquer falsificação— e que acaba de assinar um acordo de colaboração com a xenófoba Liga Norte de Matteo Salvini.

Um grupo de jovens manifesta-se contra a visita do líder ultraderechista Geert Wilders a Heerlen.
Um grupo de jovens manifesta-se contra a visita do líder ultraderechista Geert Wilders a Heerlen.David Morales (EFE)

Volendam é uma cidade pitoresca ao norte de Amsterdã, com ruas de pedras e veleiros amarrados no pier. Os donos das embarcações descem, depois de ancorá-las, e colocam moedas no parquímetro. As vendas da rua principal têm enguias defumadas, queijos e gofres. As garças comem na mão dos turistas. A vila de pescadores e comerciantes com casinhas de frente para o mar é um dos redutos do PVV (Partido pela Liberdade), a sigla defendida por Wilders, que já foi visto na cidade pelo menos duas vezes. Ali, não há nem rastro de imigrantes, mas os habitantes locais creem que seu estilo de vida está ameaçado. Sobretudo por um motivo: o islamismo —religião seguida por cerca de 6% da população local—.

"Antes, vinham espanhóis trabalhar aqui e nós gostávamos. Agora chegam muçulmanos que vêm impor suas leis. Eles roubam nossas tradições. Vou votar em Wilders, ele é o único político que defende a Holanda e nosso povo", diz Don Caruso, um senhor de 75 anos e com nome de tenor. Ele vende sorvetes perto do mar e acha que o Governo holandês "dá casas e seguro-desemprego" a todos os que vão ao país. Caruso expande seu descontentamento ao falar de Bruxelas: "Odeio. Odeio a Europa. O dinheiro vai para a Turquia, vai para ajudar a Grécia. Horroroso". Ele está convencido de que uma vitória de Wilders frearia essa progressiva perda de identidade e salvaria sua pequena cidade de 35 mil habitantes de sofrer o mesmo. Os bárbaros, na visão de Caruso, estão batendo na porta.

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A promessa de Wilders é fechar a porta. Seu programa eleitoral cabe todo em uma pasta pequena, mas ele se apropriou da ideia de que a Europa foi invadida por islâmicos radicais que querem mudar seus costumes e valores, e que chegou a hora de fazer alguma coisa. Até algumas semanas atrás, esse discurso já era suficiente para liderar as intenções de voto, mas nos últimos dias ele perdeu espaço na disputa com o primeiro ministro, Mark Rutte, um liberal de direita. Depois de ver para onde estava indo a disputa, ele lançou dois lemas eleitorais que poderiam ser wilderianos: "A Holanda tem que continuar sendo Holanda" e "Nossos valores devem ser protegidos". Rutte é o candidato que menos investe em educação, segundo seu programa, e quer fechar as fronteiras externas europeias.

De toda forma, nenhum dos dois poderá governar sem o apoio de outras forças, e ninguém com peso real parece disposto a aliar a Wilders. Com os sociais-democratas praticamente fora da disputa por sua incapacidade de conectar com os problemas da nova sociedade, os analistas políticos prevêem um Governo de três ou quatro partidos (28 siglas estão disputando) sem contar com o PVV, mesmo que Wilders e seu partido sejam os mais votados. O político esperto e falante que nunca se esconde na hora de dar uma opinião pode acabar isolado e sem poder.

"Antes os espanhóis vinham trabalhar e nós gostávamos. Agora, chegam os muçulmanos, que vêm impor suas leis. Roubaram nossas tradições. Vou votar em Wilders, é o único político que defende a Holanda e seu povo"

Após as eleições na Holanda, chegará a vez da França e da Alemanha, mas Adriaan Schout não acha que os resultados de um pleito influenciará nos outros. O pesquisador do Instituto de Relações Internacionais Clingendael de Haya assegura que as pessoas votarão pensando em seus próprios países, ainda que com "questões paralelas" que aumentaram o apelo do populismo, como a insegurança, a globalização, a diminuição de postos de trabalho por causa dos avanços tecnológicos ou a integração dos muçulmanos.

Problemas paralelos

Schout diminui a importância de dada a Wilders. "Esses 20% de apoio que ele parece ter é o mesmo que a extrema direita tem em outros países. Vejamos Le Pen, a Bélgica, Suécia, Áustria, Dinamarca... Não é um fenômeno exclusivo da Holanda", analisa, em entrevista por telefone. Para ele, um político que não tem planos claros por medo de ser atacado não tem chances de chegar ao Governo: "muita gente dá razão para ele no assunto da imigração, mas não quer sair da União Europeia, como propõe Wilders. Ele é mais radical que seus próprios eleitores!"

Os holandeses sentem-se como se o mundo nunca tivesse prestado tanta atenção neles. A contradição de que uma sociedade aberta, liberal, de navegadores e banqueiros internacionais possa cair na tentação de fechar-se em si mesma aumenta a curiosidade. "Estamos decidindo o rumo do país. São as eleições mais importantes que já tivemos. Não é um debate sobre economia e leis. Não importa o dinheiro. O que está em jogo é a paz, o bem-estar", afirma Linde Jooesten, uma designer gráfica de 30 anos que nos fins de semana trabalha em um restaurante de saladas e sucos orgânicos.

Jooesten votará no partido animalista, que tem ideias opostas às de Wilders. E ela o sorveteiro Don Caruso vivem a uma dezena de quilômetros de distância, nasceram no mesmo país, veem os mesmos programas e talvez até se cruzem de vez em quando em alguma loja, mas vivem em duas realidades diferentes. Na quarta-feira, a Holanda decidirá em que direção seguirá.

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