Eduardo Hochschild, o mecenas que une arte e ciência no Peru
Empresário de mineração peruano, dono de coleção gigantesca, aposta na educação Exposição com obras do colecionador está em cartaz em Madri até 16 de abril
Aceita-se uma lula gigante como obra de arte. E também um arco-íris feito com bolsas coloridas, uma instalação com ventiladores e impressoras térmicas e uma outra constituída por uma dúzia de capas de vinis. Próxima parada. Artistas peruanos na Coleção Hochschild permite que se conheçam, em Madri, os trabalhos daquela que pode ser considerada a geração mais cosmopolita de artistas contemporâneos do país andino. Há uma presença forte da arte pós-conceitual e, logicamente, também pintura, vídeo, fotografia, escultura, juntamente com alguns trabalhos dos antecessores desses jovens, utilizados como referências em uma história que destaca alguns marcos mais influentes. Desde um indigenista dos anos trinta do século passado como José Sabogal, um fotógrafo de Cuzco hoje internacionalmente consagrado como Martín Chambi, a refinada pintora de inclinação surrealista muito peculiar que é Tilsa Tsuchiya ou o pintor abstrato mais conhecido, Fernando Szyszlo.
Por trás de todo esse conjunto de obras está um homem de voz tranquila, atencioso e ar despreocupado. Um empresário de peso que se sente como um jovem empreendedor. Talvez pareça difícil acreditar que o dirigente do importante grupo minerador que leva o seu sobrenome, com minas de ouro e de prata, e diretor ou presidente de empresas e instituições como Cimentos Pacasmayo e Banco de Crédito do Peru, além de centros de ensino técnico superior como o TECSUP e a nova Universidade de Engenharia e Tecnologia (UTEC), queira romper com os moldes estabelecidos. Mas essa é a sua intenção, e, para isso, ele lança mão de uma ferramenta sutil e poderosa, escorregadia e difícil de ser aceita por muita gente. Sim, estamos falando da arte contemporânea.
Para Eduardo Hochschild, 53 anos, ciências e artes devem caminhar de mãos dadas. “A coleção começou sem ter um plano preestabelecido. Eu ia comprando aquilo de que gostava. Minha mulher e minha filha escolhiam o que queriam que ficasse em casa, e fui levando obras para o meu escritório, onde havia muitas paredes vazias, porque o que me interessa é compartilhar a arte”, comenta o empresário em sua casa de Lima, ainda repleta de obras, mesmo descontando as 66 que enviou para a exposição em cartaz na Espanha. “Inicialmente, tive de romper com muitas barreiras de pessoas que trabalham comigo. Elas me perguntavam o que eram aquelas coisas esquisitas que eu instalava nas salas de trabalho. Até que organizei um concurso de grafite nas paredes do escritório, que acabou rompendo com todos os padrões aos quais as pessoas se prendiam. Lembro que um dos mais importantes executivos uma vez me perguntou: ‘Eduardo, você está ficando louco? O que está fazendo?’. Eu respondi dizendo que se a gente não gostasse do resultado, tudo bem, poderíamos pintar a parede de novo. Minha ideia era contagiar os outros com a criatividade, estimular uma atitude criativa na empresa. E é aí que começa uma integração de todos com a arte”.
A mansão iluminada e quase labiríntica onde vive com a mulher e quatro filhos foi se ampliando à medida que a família crescia, diz ele. Mas o fato é que foi aumentando, também, para dar conta da expansão de sua coleção de arte. Desde 2009, Hochschild comprou cerca de 1.500 obras, segundo um dos assistentes que cuidam de sua coleção, Jorge Villacorta. Isso significaria uma aquisição a cada dois dias. Um ritmo certamente assustador, que pode ser melhor compreendido quando se considera que ele costuma comprar várias obras ao mesmo tempo de um determinado artista, séries completas e, por vezes, exposições inteiras. “Nunca comprei apenas parte de uma série, porque acredito que isso é um insulto ao artista”, explica.
“Sempre tive muito interesse pela arte. Quando era estudante na Europa e nos Estados Unidos, frequentava bastante os museus e as exposições. Depois fui comprando algumas obras de que gostava. Não havia nada de sistemático naquilo. Mas, em uma palestra sobre colecionismo a que assisti, aprendi que uma coleção, para ser de verdade, precisa se concentrar em alguma coisa. E decidi que o meu tema seria a arte peruana”, conta Hochschild. “Tive sorte de que ninguém colecionava seriamente a arte peruano moderna e contemporânea, e pude reunir obras muito boas. Sempre vou atrás das melhores de cada artista. Tenho muito interesse pelos criadores mais jovens: José Carlos Martinat, Sandra Gamarra, Fernando Bryce, Elena Damiani...”.
Pois algo que o agrada tanto quanto ver e formar a sua coleção é a relação com os artistas. “É comum eles passarem no meu escritório para me cumprimentar, conversar. Não basta colecionar essas obras. Tanto para mim quanto para os artistas, é interessante promove-las fora das nossas fronteiras. Por isso quis levá-las a Madri, convidando os seus autores também. Não é a coleção de Eduardo Hochschild, são os artistas e suas obras. É a arte viva”, observa.
“Nunca comprei apenas parte de uma série, porque acredito que isso é um insulto ao artista”
O empresário fez estudos de mecânica e física. Quando estava preparado para começar a trabalhar na empresa mineradora do pai, este o enviou para o setor mais pesado. “A Hochschild Mining começou com meu tio-avô Mauricio, que viera da Alemanha. Eu nasci em Lima e com 11 anos fui estudar na Europa. Passei um ano na Inglaterra e sete na Bélgica. Fiz a universidade em Boston, nos Estados Unidos; quando me formei, em 1987, voltei para o Peru para trabalhar no negócio da família. Meu pai me enviou direto para a mina de Arcata, em Arequipa. Ele queria que eu começasse de baixo, literalmente. A convivência com os mineiros foi muito importante. Às vezes, quando volto ali, levo os meus filhos, para que conheçam esse mundo”, conta, com certo orgulho.
Outra de suas grandes paixões é o ensino. Hochschild é presidente da UTEC, cuja sede, recentemente construída, ganhou o prêmio de melhor edifício do mundo em 2016 outorgado pelo Real Instituto de Arquitetos Britânicos (RIBA). Um imponente prédio de concreto no distrito de Barranco com terraços ajardinados, projetado pelas arquitetas irlandesas Yvonne Farrell e Shelley McNamara, da empresa Grafton Architects, que um dos membros do júri descreveu como “um Machu Pichu moderno”.
A Universidade já tem convênios assinados com a Universidade Harvard e o Massachusetts Institute of Technology, o que facilita a que seus alunos possam continuar os seus estudos nessas instituições. “Embora dedique grande parte do meu tempo às minhas empresas, foco a minha responsabilidade social na educação, enquanto a arte é o meu hobby. E o que mais gosto é que, no fim das contas, tudo se combina. A engenharia tem de ser criativa. Na UTEC, pelo menos um dos cinco anos do curso o aluno tem de passar desenvolvendo um projeto próprio. Ou dentro de alguma empresa, ou de forma autônoma”.
Não é uma coisa a que os estudantes de ciências necessariamente almejam conhecer. “No começo, havia 100 alunos. Agora são 1.500. Em um café da manhã que tive, certa vez, com os estudantes dos primeiros tempos, informei-lhes que teriam de fazer cursos de arte com artistas contemporâneos. Eles diziam ‘não, não. Queremos mais matemática, mais mecânica...’. ‘Não é negociável’, eu respondi. ‘Haverá cursos de arte, e basta que vocês assistam às aulas. Não quero que se tornem artistas. Quero que estejam abertos para a arte’. No semestre seguinte, todos queriam continuar tendo algum curso de arte. Você cria uma vontade, incute o vírus da arte. E o acesso a ele, já que não é algo com que eles se encontrariam necessariamente em suas vidas”, conta. E acrescenta: “Tenho muito claro para mim que metade de Hollywood é formada por engenheiros e metade da Internet é formada por artistas. As duas coisas andam muito juntas. Através da universidade e da arte, precisamos fazer com que esse vínculo se estabeleça, estimulando a criatividade no engenheiro. E conseguindo fazer com que o artista saiba como suas obras são construídas. Porque os dois têm de trabalhar juntos”.
Eduardo Hochschild receberá na edição deste ano da feira Arco, em Madri, que se encerrou no dia 26, o prêmio de colecionismo. A exposição com obras de sua coleção, inaugurada no dia 20 na sala Alcalá 31 da Comunidade de Madri e que vai até abril, tem como curador Octavio Zaya, das canárias. Com esse prestigioso conjunto de obras, será possível conhecer aquilo que se produz em um dos países mais pujantes da América Latina, bem como encontrar alguns dos 35 artistas que estarão presentes. Para Hochschild, “conhecer os artistas pessoalmente, falar com eles, é o que mais nos aproxima da compreensão daquilo que eles fazem e da força de sua proposta”.
‘Próxima parada. Artistas peruanos en la Colección Hochschild’. Del 21 de febrero al 16 de abril. Sala Alcalá 31 - C/ Alcalá, 31. 28014 Madrid
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