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O vídeo dos anos 90 em que a Shell admite a existência da mudança climática

Em vídeo dirigido às escolas, a companhia petrolífera alertava para os terríveis efeitos das emissões de gases de efeito-estufa

De Correspondent.
Isabel Ferrer

A multinacional petrolífera anglo-holandesa Shell alertou, em 1991, para os perigos da mudança climática, mas depois não agiu de forma consequente. Climate of Concern é o jogo de palavras usado em inglês para intitular um vídeo de divulgação de 28 minutos, realizado pela empresa, que já alertava para “as variações muito altas de temperatura, inundações, fome extrema e suas vítimas, que atingiriam o mundo inteiro se se continuasse a utilizar a energia fóssil”.

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Recuperada pelo De Correspondent, um site jornalístico holandês, o filme assinala a necessidade “de se adotar medidas imediatas, porque, embora não se possa afirmar inequivocamente a existência do aquecimento da Terra, muitos acreditam que aguardar para comprová-lo pode ser uma atitude irresponsável”. Concebida para passar em escolas e universidades, o vídeo está fora de circulação há décadas. A Shell dedica a maior parte de seus investimentos à exploração de combustíveis fósseis, que geram os gases de efeito-estufa. Nesta terça-feira, a companhia deu uma declaração em que “reconhece os desafios da mudança climática e o papel da energia na manutenção da qualidade de vida das pessoas”.

O De Correspondent compartilhou a sua publicação com o jornal britânico The Guardian, e os dois veículos de comunicação divulgam trechos do filme para mostrar o quanto a Shell acertou em suas previsões. “As ilhas tropicais que hoje [1991] mal aparecem na superfície da água se tornarão inabitáveis, para depois ser cobertas pelas águas (...) os lençóis subterrâneos das terras litorâneas baixas do mundo, indispensáveis para a agricultura e o abastecimento urbano, serão contaminados”, afirma o narrador, que depois se faz a seguinte pergunta: “quem irá cuidar dos refugiados da mudança climática em um mundo já com uma superpopulação submetido a essas mudanças radicais de temperatura?”.

O filme admite a possibilidade de erros serem cometidos pelos modelos informatizados usados para se chegar a essas conclusões, mas todas as possibilidades que levanta, os chamados cenários da mudança climática, “alertam para a gravidade do problema”. Um alerta, continua o vídeo, “assumido pelos cientistas encarregados de analisar a questão para as Nações Unidas”. “O que preveem não é uma mudança geral e regular do clima. Eles observam variações constantes nas temperaturas (...) e a suposição é de que, se as águas do mar se aquecem, podem ocorrer tormentas atrozes e destrutivas”. O filme se encerra fazendo um chamamento “para uma nova era de cooperação técnica e econômica, porque os problemas e os dilemas colocados pela mudança climática afetam a todos nós”.

O filme alerta para “as variações muito radicais de temperatura, inundações, fome extrema e suas vítimas, que atingiriam o mundo inteiro se se continuasse a utilizar a energia fóssil”

Tom Wigley, especialista em questões climáticas, chefe do departamento de Pesquisas Climáticas da universidade britânica de East Anglia de 1978 a 1993 e um dos cientistas que participou da produção do vídeo para a Shell, disse ao portal jornalístico holandês que “é espantoso o nível de acerto de suas previsões de 25 anos atrás levando em conta o que conhecíamos na época”. Um relatório reservado da empresa, datado de 1986 e ao qual teve acesso o jornal britânico, afirma que a transformação prevista “pode ser a maior já registrada na história”.

O vídeo de 1991 elogia o desenvolvimento da energia eólica e seus moinhos, mas, segundo a ONG britânica InfluenceMap, “a Shell investiu em 2015 cerca de 20,7 milhões de euros [67 milhões de reais] para convencer ou pressionar (lobby) contra a adoção de políticas destinadas a frear a mudança climática”. Patricia Espinosa, a diplomata e política mexicana eleita em 2016 secretária executiva da Convenção das Nações Unidas para a Mudança Climática, afirmou as companhias petrolíferas “são indispensáveis para combatê-la, e sem elas não conseguiremos transformar a economia; mas os seus investimentos no campo da energia limpa ainda são baixos”. Reagindo à divulgação do vídeo de 1991, a Shell afirma que é líder na produção de gás natural e de etanol obtido a partir da fermentação da cana-de-açúcar, que são respectivamente o hidrocarboneto e o biocombustível menos poluentes.

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