Os voos transatlânticos serão mais longos, poluentes e turbulentos
A mudança climática está alterando as correntes de ar e a frequência das turbulências
Em 8 de janeiro de 2015, foi registrado um recorde na aviação internacional: um voo que fazia a rota entre Nova York e Londres levou apenas 5 horas e 16 minutos. São 22 minutos a menos em relação ao tempo médio dos últimos 20 anos. Para os cientistas, o recorde, longe de ser excepcional, será repetido no futuro. A culpa é da mudança climática, que está alterando os ventos que sopram sobre o Atlântico. Mas o aquecimento também irá causar mais turbulências e mais fortes, além de maiores problemas na decolagem.
Se os esforços para frear o aquecimento global, como o Acordo de Paris, não conseguirem reverter o aumento das temperaturas, todos os modelos climáticos traçam um cenário muito quente para a segunda metade do século. O aumento da concentração de gases de efeito estufa, como o CO2, fará com que a temperatura média global suba, no mínimo, dois graus, embora o topo da projeção indique uma elevação de três ou quatro graus. Com essas temperaturas, um dos processos climáticos mais afetados seriam as grandes correntes de ar, que interferem no clima mundial.
Uma dessas correntes foi a culpada pelo recorde em 8 de janeiro de 2015. O avião que vinha de Nova York aproveitou um vento de cauda forte e constante que, literalmente, o fez “voar” até a capital britânica. Ao contrário do que acontece com as superfícies planas, em uma esfera como a Terra, a distância mais curta entre dois pontos não é uma linha reta, e sim um arco sobre o círculo máximo da esfera. O arco ideal entre a Europa e a América do Norte transformou as regiões mais ao norte do Atlântico no maior corredor aéreo no mundo. Nesta zona, sopra a corrente de ar subtropical do hemisfério norte, que não afeta igualmente os aviões que estão indo e voltando.
“O jet stream [corrente de ar] é a razão pela qual os voos transatlânticos para o leste duram cerca de uma hora a menos do que os voos que vão a oeste”, diz o meteorologista da Universidade de Reading (Reino Unido), Paul Williams. Na ausência de vento, um avião com uma velocidade ideal que sobrevoe o círculo máximo atlântico levaria cerca de 6 horas e 9 minutos para fazer a rota Londres-Nova York. Mas essa corrente de ar, que se move através das camadas superiores da atmosfera, sopra do oeste com ventos de mais de 300 quilômetros por hora. Não é o mesmo ter esse vendaval na cauda e de frente. “A mudança climática está acelerando o jet stream na altitude que as aeronaves voam, o que está fazendo com que as viagens para o leste sejam mais rápidas e as que vão para o oeste, mais lentas”, explica Williams.
O corredor do Atlântico Norte pode registrar mais de 2.500 voos diários em um mês de agosto
A simulações realizadas por este cientista para um cenário em que a concentração de gases de efeito estufa tenha duplicado, o que poderia acontecer antes do fim do século, mostram que os voos da América do Norte serão encurtados em cerca de quatro minutos, em média. Enquanto isso, os voos procedentes da Europa serão prolongados em 5 minutos e 18 segundos. Assim, um trajeto de ida e volta será mais de um minuto mais longo, conforme publicado pela Environmental Research Letters.
Para um simples passageiro não parece muito, mas acumulados podem ter um grande impacto. Apenas pelo corredor do Atlântico Norte, voam mais de 2.500 aviões por dia em um mês de agosto, segundo dados do centro de controle de tráfego aéreo NATS. Se esses números forem mantidos, a partir de 2050 isso resultará em milhares de horas de voo a mais, o que significa mais combustível para queimar. De acordo com a Aviação Civil, por quilograma de combustível são gerados 3,16 kg de CO2, o que significa que, no futuro, os voos, além de mais longos, serão mais poluentes.
Um relatório da Organização da Aviação Civil Internacional publicado em agosto detalhava vários dos impactos que a mudança climática pode ter sobre os voos. Além de afetar a duração dos mesmos, otimizar o design e desempenho dos motores ou exigir uma maior elasticidade nas programação das rotas, o aquecimento irá interferir no transcorrer dos trajetos em dois momentos particularmente estressantes para muitos viajantes: o da decolagem e das turbulências no voo.
Embora as turbulências sejam comuns em voos, raramente sua intensidade requer um pouso de emergência. A companhia aérea espanhola Iberia, por exemplo, apenas tem registrados um voo proveniente de Milão e outro do Brasil, mas ambos ocorreram há vários anos. No entanto, em meados deste ano, um voo da United Airlines vindo de Houston (EUA) e com destino a Londres teve que pousar em um aeroporto na Irlanda devido à turbulência. Doze pessoas, incluindo passageiros e tripulantes, ficaram feridas.
“As turbulências de céu claro são causadas por instabilidades no jet stream. Na verdade, há três vezes mais turbulências nestas correntes de ar que em outras partes da atmosfera”, lembra Williams. Junto ao seu colega da Universidade de East Anglia, Manoj Joshi, o cientista britânico realizou, em 2013, um dos poucos estudos sobre a relação entre as alterações climáticas e as turbulências de céu claro, as menos previsíveis. Estimaram então que, especialmente nos meses de inverno [no hemisfério norte], os episódios de turbulência poderiam aumentar em até 40%, enquanto a intensidade poderia subir cerca de 170%. “À medida que a mudança climática acelera a corrente de ar, as instabilidades serão mais frequentes e mais fortes”, acrescenta Williams.
No verão do hemisfério norte, o problema será outro. Com o calor, o ar torna-se menos denso, o que dificulta a capacidade das asas de sustentar o avião na decolagem. Por isso, em julho e agosto, em aeroportos tais como o de Barajas, em Madri, os voos mais pesados estão programadas para as horas mais frescas do dia e decolam na pista mais longa. Às vezes isso não é suficiente, e é preciso diminuir o peso do avião soltando lastro, seja reduzindo a quantidade de combustível, de carga ou até mesmo de passageiros. O problema também é bem conhecido em aeroportos como os de Quito (Equador) e Cidade do México, a mais de 2.000 metros de altitude, ou o de La Paz (Bolívia), a 4.061 metros de altitude.
Em condições de altitude ou muito calor, os aviões precisam diminuir o peso para decolar
“A altitude do aeroporto tem o mesmo efeito que o aumento das temperaturas, porque, em altitudes mais elevadas, a densidade do ar é menor, por isso os aviões têm de ir mais rápido para decolar. É fazer isso ou reduzir o peso”, diz o pesquisador da Universidade Columbia (EUA), Ethan Coffel. Com os colegas da NASA, Coffel estudou como o aquecimento global afetaria as restrições de peso das aeronaves.
Os pesquisadores usaram para seus cálculos as especificações de um Boeing 737 da série 800, um avião de curto e médio alcance. Usaram como modelo quatro aeroportos dos Estados Unidos: um muito quente no verão (Phoenix), outro elevado (Denver, a 1.600 metros acima do nível do mar) e dois com pistas relativamente curtas (o Aeroporto Reagan, em Washington, e o LaGuardia, em Nova York). À medida que o século avance, os quatro aeroportos terão de aumentar as restrições de peso na decolagem e muitos voos deverão deixar passageiros em terra.
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