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Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

‘T2 Trainspotting’: Retorno digno, mas desnecessário

Não é um filme desprezível, mas a antiga graça desapareceu

Carlos Boyero

Há vinte anos, Mark Renton, protagonista de Trainspotting, aquele rapaz desesperado, mas, finalmente, pragmático e traidor, procurava desculpas por ter se entregado à heroína, recitando um monólogo sarcástico que começa com "Escolha uma vida..." e afirmando-se na eterna "viagem" em comparação com o catálogo de felicidade que uma existência convencional oferece. Mas estranhamente a lógica morte que ameaça os junkies não se encarniçou contra ele e seus velhos amigos. Chegou a hora do reencontro. Vai ser difícil. E Mark, que está longe da heroína há muito tempo, volta a refletir em outro memorável "Escolha uma vida..." sobre as bem-aventuranças que esta concede agora se você ficar longe do caminho selvagem.

T2 TRAINSPOTTING

Direção: Danny Boyle.

Intérpretes: Ewan McGregor, Jonny Lê Miller, Robert Carlyle.

Gênero: drama. Reino Unido, 2017.

Duração: 117 minutos.

Calculo que a idade dos membros daquela turma de gente extrema esteja por volta dos quarenta e cinco anos. Todos continuam na ruína, então existe o perigo de que tentem poetizar sua nostalgia do passado, sua convicção consoladora de que quando dependiam da agulha havia esplendor na relva, que surgiam muitos dias perfeitos como garantia Lou Reed em uma canção imortal. Mas a lucidez se impõe.

Mark lembra o colega que, devido ao seus excessos,não evitou que seu bebê afogasse. Ele, que visitava o inferno toda vez que lhe faltava uma dose de heroína. E assim todos. E o único que morreu foi o mais inocente.

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Embora estivessem na lona, os personagens da primeira parte possuíam uma energia furiosa, necessária para buscar a sobrevivência, ou seja, para alegrar as veias. Agora estão apagados, ainda que sonhem com a glória. Spud, sempre tão frágil, tão perdedor, nunca abriu mão da heroína. E chora por isso: não serve nem para se suicidar. O psicopata e alcoólatra Begbie, perpetuamente vinculado à violência, pingando bile, sonhando com a vingança, está há vários anos no xadrez, embora o isolamento não tenha reduzido nem um centímetro a sua crueldade ancestral, e sem que o Viagra dê um jeito na sua sexualidade desastrosa. O antigo galã Simon, aspirante a gigolô de luxo, substituiu a heroína pela coca. E anda acelerado, admitindo o quanto é patético, acreditando que pode bancar o bonitão apesar de sofrer com a impotência. E Mark? Esse também não encontrou o Éden depois de roubar os amigos e fugir para Amsterdã.

O diretor, Danny Boyle, caprichou em vitalidade, magnetismo, sarcasmo e estética de vanguarda, contando-nos sobre os meninos maus de Edimburgo no primeiro Trainspotting. E marcou muitos espectadores. Aquele ímpeto já não existe. Na segunda parte, ele dá a sensação de estar tão perdido quanto seus personagens. Não é um filme desprezível, mas a antiga graça desapareceu. Tudo se tornou cinzento nos piores momentos e tragicômico nos melhores. Duvido que tenhamos uma terceira parte, contando-nos sobre a velhice desses profissionais da infelicidade.

Para compensar minha relativa decepção com T2 Trainspotting, assisto esta noite, num programa caseiro duplo, aos dois melhores longas que já vi sobre as drogas. Um é Drugstore Cowboy, aquele em que Matt Dillon dizia: “As pessoas normais nunca sabem qual será o seu estado de ânimo em cada momento da sua existência. Os viciados só têm que escolher as drogas para saber como vão se sentir.” O outro é Bird, doloroso, sombrio genial, à altura da beleza criada por Charlie Parker, seu trágico protagonista. Sua morte impede continuações para presenciar o envelhecimento dos junkies redimidos. Melhor assim.

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