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China, o paraíso (e o caos) das motos elétricas

País asiático é o principal mercado do mundo desses veículos sustentáveis, cujo uso é pouco regulado

Motos elétricas cruzando uma avenida na cidade de Zhengzhou
Motos elétricas cruzando uma avenida na cidade de ZhengzhouNICOLAS ASFOURI (AFP)

Em plena hora do rush da manhã em um cruzamento movimentado de Pequim, cerca de vinte motos elétricas vão chegando a uma faixa de pedestres com o sinal fechado. Antes de ficar verde, não há mais nenhuma. Todas passaram entre as buzinadas: algumas como um relâmpago aproveitando os poucos segundos sem carros; outra lentamente e em grupo, conquistando uma a uma as pistas da avenida. Minutos depois ouve-se uma brecada forte que, felizmente, desta vez não resultou em nada grave.

É o pão de cada dia nas principais cidades chinesas, cujos cidadãos receberam com entusiasmo há anos as motos elétricas. Em 2016 foram vendidas quase 30 milhões de unidades no país (o número mais alto em todo o mundo), e estima-se que a frota total destes veículos de duas rodas supere os 220 milhões de unidades. O uso difundido das chamadas e-bikes significa um respiro para a má qualidade do ar nas cidades, mas a praticidade é a principal razão pela qual elas são usadas.

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O preço de uma moto elétrica varia entre 1.500 yuans (cerca de 678 reais) para os modelos mais básicos, com uma estética semelhante a uma bicicleta, até 4.300 yuans (cerca de 1940 reais) para as mais completas, tipo scooter. Sua autonomia varia entre 60 e 150 quilômetros e a velocidade máxima está entre 35 e 60 km/h, embora algumas chegam aos 90. A bateria da grande maioria dos modelos é removível – podendo ser recarregada em casa à noite –, exceto as motos mais sofisticadas, que é fixa.

Mas tudo isso é relativo. Em qualquer loja, e em menos de vinte minutos, os vendedores alteram as características do modelo para se adaptar às necessidades de cada consumidor. Tudo é possível: desde incorporar uma bateria removível em um modelo que não deveria admiti-la, ou que dure mais, ou que pese menos, até retocar – para mais, claro – a velocidade máxima do veículo.

A moto elétrica não precisa ser registrada nem ter seguro, e não é preciso ter licença para dirigi-la. Você vai até a loja, paga e usa. Não é estranho que tenha triunfado entre os trabalhadores vindos de outras partes do país, que geralmente vivem nos subúrbios das grandes cidades, onde os aluguéis são acessíveis – e trabalham no centro. “No ônibus encontro engarrafamentos monumentais, o metrô é tão cheio que é um inferno e nunca vou ter dinheiro suficiente nem a sorte de ter um carro. É a minha salvação”, conta Cheng Hong, trabalhadora de uma agência de viagens em Pequim, mas nativa da província de Heilongjiang. Uma moto convencional não está nem em discussão.

Mas o amor por este veículo que sente quem possui uma, transforma-se em ódio quando conversamos com o resto das pessoas. “Todos esses cabelos brancos são por causa dessas motos”, conta Huang Xue, um motorista de táxi que afirma ter se envolvido em uma dúzia de pequenos choques com esses ciclomotores no último ano. “Por si, o trânsito de Pequim é caótico, mas elas não respeitam nada”, diz ele. As motos elétricas geralmente circulam pelas faixas especiais junto com as bicicletas, os tuk-tuk, os caminhões elétricos, mini veículos de quatro rodas elétricos, segways, patinetes elétricos e outras bugigangas (elétricas, obviamente) impossíveis de classificar. Mas é comum vê-las também (mas não ouvi-las) nas pistas para carros, nas calçadas e até mesmo vindo na contramão.

A única lei na China que regula as motocicletas elétricas é do ano 1999, quando só circulavam pelas ruas. Então, entre outros parâmetros, foi estabelecido que esses veículos não podiam pesar mais de 40 quilos nem chegar a velocidades acima dos 20 quilômetros por hora. “Há alguns anos que nenhuma das motos que vendemos se encaixa nesse critério, mas nada acontece. Em Pequim você pode andar na velocidade que quiser, a polícia não se importa”, diz Liu Guosheng, proprietário de uma loja.

O governo chinês não publica cifras nacionais sobre o número de acidentes de trânsito relacionados com as motos elétricas, mas dados das províncias de Henan e Jiangsu estimam que dentro de sua jurisdição chegam a cerca de 70% do total.

Por razões de segurança, vários governos municipais emitiram suas próprias leis: Pequim, por exemplo, não deixa que circulem pela Avenida Chang’an (a que cruza a Praça Tiananmen pelo lado norte) e outras ruas adjacentes. O caso mais dramático é o da cidade de Shenzhen, no sul, onde elas não podem acessar o centro e a polícia confiscou dezenas de milhares destes veículos.

“Proibir não é a solução. Há muitos incidentes com motos eléctricas, porque seu número é muito alto, mas muitos deles são causados pelos carros”, defendem na Associação de Motocicleta de Pequim. A entidade admite que é preciso uma revisão das regras em nível nacional, mas pede que a moto elétrica não seja criminalizada por problemas como a velocidade máxima: “somos os primeiros que esperamos que um novo padrão seja criado em breve”. Enquanto isso, as práticas motos continuarão sendo o paraíso para alguns e o inferno na terra para outros.

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