Combate a incêndios no Chile depende de voluntários
Bombeiros do país se negam a alterar sua regra mais básica: prestar um serviço gratuito
Longe da sua casa em Talagante, nos arredores de Santiago, morreu em 25 de janeiro o bombeiro Hernán Avilés. Com 35 anos e nove de experiência na corporação, havia viajado a Constitución, 340 quilômetros ao sul, para ajudar a combater incêndios que mantiveram o país em alerta por vários dias. Desde novembro, o Chile vive uma temporada de incêndios florestais particularmente agressiva. Calcula-se que 596.000 hectares foram comprometidos desde julho, e para controlar o “pior desastre florestal” da história, como descreve o Governo, foi necessária a ajuda de brigadistas e aeronaves do mundo todo. Onze pessoas morreram.
As mortes de Avilés e de Juan Eduardo Bizama – cujo caminhão capotou dias depois – elevaram a 320 o número de mártires em 165 anos de história do Corpo de Bombeiros do Chile, uma instituição totalmente voluntária, ou seja, que não oferece remuneração a seus 48.000 integrantes. Avilés, por exemplo, era funcionário do Ministério de Obras Públicas.
Na atual crise, o envio de voluntários às regiões mais afetadas superou os 4.000, e mais de 300 veículos adicionais foram mobilizados para ajudar no combate ao fogo. Segundo uma pesquisa da empresa Plaza Pública-Cadem, 98% dos chilenos aprovam o trabalho dos bombeiros.
Desde a criação do primeiro corpo de bombeiros do Chile, no porto de Valparaíso, em 1851, essa atividade foi definida como gratuita e voluntária durante situações de emergência. Peru e Paraguai também adotam o mesmo sistema, e outros países sul-americanos optam pela atividade remunerada ou por um sistema misto.
“Todos nós que ingressamos nas corporações nos inspiramos em ajudar à comunidade sem nenhum tipo de interesse nem remuneração”, diz Miguel Reyes, presidente da Junta Nacional dos bombeiros e, portanto, a máxima autoridade da corporação. Ele esclarece que a formação dos bombeiros chilenos é igual à dos seus colegas remunerados dos EUA. “Somos voluntários, mas profissionais”.
Reyes se recusa a receber salário, alegando razões éticas e econômicas. Diz que o custo com mão de obra representa até 85% do orçamento dos bombeiros em países como a Espanha. “Achamos que, pelo fato de ser remunerado, o serviço não terá a mesma qualidade. Em lugares onde há remuneração existem regras trabalhistas e reivindicações que muitas vezes terminam em greve. É incompatível com a peculiaridade dos bombeiros chilenos”, afirma.
Quem recebe salário na corporação são os telefonistas das linhas de emergência, os motoristas profissionais e o pessoal de apoio administrativo. Os bombeiros do Chile não só trabalham sem remuneração como ainda pagam uma mensalidade. É uma norma tradicional e varia segundo cada companhia, a unidade básica na estrutura da organização. José Matute é membro da décima Companhia de Bombeiros do Santiago – também conhecida como Bomba España – e mensalmente desembolsa o equivalente a 60 reais para evitar sanções como a expulsão.
Devido à uma lei promulgada em 2012, o Estado chileno tem a obrigação de destinar parte do seu orçamento nacional aos gastos e investimentos nos Bombeiros. Para este ano, ficou definida uma dotação de 161 milhões de reais, que serão distribuídos entre os 313 grupos regionais, segundo suas necessidades. “Os percentuais são determinados de acordo com a população de cada região, os atos de serviço, a quantidade de bombeiros e o patrimônio de cada cidade”, detalha Matute, que é também o tesoureiro nacional da instituição.
Prejuízo milionário
Além da verba nacional, as companhias podem complementar seu orçamento com financiamentos de Governos locais e coletas comunitárias. Além disso, o Estado cobre os gastos e prejuízos causados por uma determinada emergência. Em meio à crise provocada pelos incêndios no começo do ano, a presidenta Michelle Bachelet confirmou a destinação de 18,6 milhões de reais adicionais para custear a reparação de danos causados por outras catástrofes em anos anteriores.
Um cálculo feito quando a emergência ainda não estava controlada indica que os recentes incêndios florestais provocaram um prejuízo superior a 27 milhões de reais, entre gastos com combustível, material prejudicado e um quartel recém-construído que foi devorado pelas chamas em Santa Olga. O tesoureiro Matute diz que o panorama melhorou nos últimos anos. Os bombeiros gozam da prerrogativa de não serem demitidos dos seus trabalhos se faltarem para atender a uma emergência, e o mercado das seguradoras financia seus gastos médicos. Também existe um mecanismo que permitirá que as viúvas do Avilés e Bizama recebam uma pensão vitalícia ligeiramente superior a 3.000 reais.
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