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Turquia ameaça Europa com abertura das fronteiras a três milhões de refugiados

Parlamento Europeu quer congelar a adesão por causa do retrocesso democrático no país

Andrés Mourenza
O presidente de Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em 24 de novembro.
O presidente de Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em 24 de novembro.ADEM ALTAN (AFP)
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Um único bairro turco acolhe 300.000 refugiados sírios
Editorial | Tensão com a Turquia

As relações entre a Turquia e a União Europeia ficam cada dia mais tensas de uma forma não vista há anos, o que ameaça romper o acordo antimigratório firmado por ambas as partes em março. “Se forem mais longe, abriremos as portas (das fronteiras); Isso vocês têm de saber”, advertiu nesta sexta-feira o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, durante um discurso. Apesar de as autoridades turcas terem enfatizado que a decisão adotada pelo Parlamento Europeu, instando a congelar temporariamente as negociações de adesão da Turquia, não tem caráter vinculante, o certo é que não caiu nada bem em um país que se considera injustamente tratado pela União Europeia, em cujas portas bate desde 1963.

Já na noite de quinta para esta sexta-feira, Erdogan denunciou que a decisão do Parlamento Europeu é uma “crítica injusta” à situação da Turquia e acusou a Europa de “estar do lado dos terroristas”. Dura reprovação que na manhã desta sexta-feira completou com sua ameaça de abrir as fronteiras para que os refugiados e imigrantes que se encontram em solo turco possam passar livremente a território europeu. “Quando as crianças mortas atingiram as costas mediterrâneas vocês não decidiram cuidar delas. Quando os barris-bombas choveram sobre essas pessoas, nós não os abandonamos à sua sorte. Nós os ajudamos sem perguntar se viria ou não ajuda da UE. Nós alimentamos 3 milhões de refugiados neste país e não abrimos as portas (fronteiriças) esperando que nos chegasse apoio da UE. Mas vocês não cumpriram suas promessas”, arremeteu o líder turco.

Não é a primeira vez que Erdogan recorre a esse tipo de ameaça. Nos últimos meses utilizou constantemente a questão dos refugiados como pressão sobre Bruxelas para que permita aos cidadãos turcos viajarem sem visto a território comunitário, algo com que a UE se havia comprometido em troca do acordo antimigratório e que Ancara também cumprisse uma série de 72 medidas. Praticamente todas elas tinham sido acertadas quando em maio Erdogan irrompeu nas negociações e afirmou que seu país não modificaria a lei antiterrorista, e forçou a demissão de seu primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, que era o encarregado das conversações com os europeus, por não considerá-lo suficientemente leal.

Áustria impõe um embargo à venda de armas à Turquia

Andrés Mourenza

O Parlamento da Áustria voltou na quinta-feira por unanimidade a imposição de um embargo à venda à Turquia de todo tipo de armamento bélico ou de duplo uso, incluindo químicos e tecnologia que possam ser utilizados por civis e militares, e instou a União Europeia a fazer o mesmo.

Os partidos austríacos apontaram a “ameaça de conflitos armados” e a situação dos direitos humanos na Turquia – em especial de jornalistas e políticos oposicionistas, bem como a repressão à população curda – como razões que justificam tal restrição à venda de armas.

O ministro turco da Defesa, Fikri Isik, não deu importância à medida – na verdade, a Áustria não vendeu material bélico à Turquia nos últimos anos – e disse que “na prática não afetará” o país. “Além disso, utilizaremos isso como uma oportunidade para desenvolver nossos próprios modelos de armas nacionais”, acrescentou.

“Durante 53 anos, a UE não nos abriu a porta. O que aconteceu? Nós afundamos? Olhem para onde levamos a Turquia em 14 anos (de governo islamista). É o Ocidente que precisa da Turquia, e não o contrário!”, afirmou Erdogan, que nas últimas semanas tem flertado com a ideia de convocar um referendo, “como o do Brexit”, para que seu povo decida se prossegue ou não com as negociações de adesão.

“A Europa é acusada de fazer chantagem com a Turquia, mas também seria preciso perguntar à parte turca: isto é uma negociação e as 72 medidas estavam sobre a mesa, por que não as cumpriu?”, questionou Vakur Kaya, diretor do site AB Haber (Notícias da UE), entrevistado pela CNN-Türk. Segundo Kaya, ambas as partes são culpadas pelo descarrilamento do processo. Ele instou a “diplomacia” a assumir posições na questão: “De outro modo, a disputa adquirirá maiores dimensões”.

Já no início deste mês, o ministro da Defesa austríaco, Hans Peter Doskozil, alertou para a possibilidade de que o acordo antimigratório fosse suspenso e exortou a UE a elaborar um plano de contingência. Embora algumas fontes diplomáticas consultadas por este jornal se queixem de que o pactuado no passado não está sendo totalmente cumprido — a Turquia está recebendo menos imigrantes devolvidos a partir da Grécia do que o previsto —, o certo é que a cifra de cruzamentos da fronteira se reduziu enormemente: 211.000 refugiados chegaram às costas gregas procedentes de território turco em outubro de 2015, e nos últimos meses o número passou a 3.000. Portanto, uma abertura de fronteiras poderia significar um duro golpe para uma Grécia que se mostrou incapaz de manter em condições dignas os cerca de 60.000 refugiados que se encontram no país.

Contudo, alguns analistas turcos alertam também que talvez não interesse a Erdogan deixar sair da Turquia todos que quiserem, já que entre os refugiados e imigrantes poderiam ocultar-se aqueles que escapam da repressão desencadeada no país depois do golpe de Estado de 15 de julho. Não é à toa que mais de 56.000 passaportes foram cancelados para evitar que seus donos fugissem da Turquia.

No caso de finalmente cumprir sua advertência, Erdogan terá firmes aliados, como o presidente da companhia de transportes Metro, Galip Öztürk, um dos empresários próximos ao poder na Turquia. “Se o chefe (Erdogan) ordenar — afirmou recentemente Öztürk — estamos prontos para enviar os refugiados à fronteira, com nossos milhares de ônibus.”

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