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Oscar 2017
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

Oscar 2017: ‘A Chegada’ é uma ficção científica estranha e poética

O diretor Denis Villeneuve imprime um ritmo lento a essa história que transcorre em poucos cenários, longe do império dos efeitos especiais, mas com estética e clima especiais

Carlos Boyero
Amy Adams, em uma cena de 'A chegada'.
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Há algo de muito confortável no universo da ficção científica quando adquire o tom dos pesadelos e reforça nossa segurança de que suas histórias nunca se tornarão realidade, que são só produto da imaginação. Duvida-se que a maioria dos judeus alemães e dos cidadãos arianos com um mínimo de inteligência (afinal, era o país mais alfabetizado da Europa) e um pouquinho de coração previssem que um tal Hitler venceria as eleições com 44% dos votos e que isso provocaria o maior terror que a humanidade já sofreu. Nós, espíritos simples, também não acreditávamos possível que graças à democracia um bizarro e selvagem gorila de cabelo tingido em tom cítrico chegaria ao trono do universo.

Mas a ficção científica também pode ser gratificante. Não só os confederados mas tampouco seus rivais unionistas, e muito menos os cidadãos sofridos de pele escura, poderiam prever que um negro se tornaria presidente de sua nação. Aí a ficção científica ofereceu um final tão inusitado quanto feliz.

Mas este gênero tão viciante quase sempre é apocalíptico (com exceção da obra do visionário alegre de sobrenome Verne), o futuro é sombrio, a Terra se autodestruirá por sua irresponsabilidade e cobiça ou será assumida por seres vindos de outros terríveis planetas.

O maior prazer que o cinema de ficção científica me proporcionou ocorre em um futuro indesejado ou no espaço. Um é um thriller muito noir e com toque lírico intitulado Blade Runner, e outro é terror de primeira classe a bordo da nave Nostromo, intitulado Alien, quer dizer, o primeira da saga; o resto é só aceitável e o último era infame.

A CHEGADA

Direção: Denis Villeneuve.

Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Michael Stuhlbarg.

Gênero: ficção científica, EUA, 2016.

Duração: 116 minutos.

Indicações ao Oscar 2017: melhor filme; melhor diretor (Denis Villeneuve); roteiro adaptado; design de produção; fotografia; edição de som; mixagem de som; melhor montagem.

Denis Villeneuve, esse diretor tão atraentemente estranho e frequentemente inquietante (estão aí para provar Incêndios, Os suspeitos e Sicario), dotado de um poderoso senso visual, fã de contar histórias nada convencionais, se aproxima da ficção científica com A Chegada (indicado ao Oscar 2017 de melhor filme), um filme pedagógico nada discursivo, cheio de clima, no qual renuncia ao abuso de efeitos especiais e aos sustos gratuitos e propõe que a linguística pode servir não só para saber de coisas muito transcendentes sobre os seres humanos como também para a possibilidade de se entender com os extraterrestres. E também para a temível oportunidade de conhecer o próprio futuro.

Seguindo a influência e o caminho do atrevido (quero dizer que no fundo Spielberg acreditava possível o idílio entre cérebros humanos tocados pela fé e os super civilizados marcianos), inquietante, espetacular e bonito Contatos imediatos do terceiro grau, Villeneuve descreve a chegada em vários pontos da Terra de doze naves gigantescas e escuras que esperam um contato e uma resposta dos humanos. O exército, sempre tão belicoso em suas sinalizações de identidade, tem a prudência de recorrer a uma superdotada especialista em línguas vivas e mortas e a um físico para conhecer as demandas de seres com aparência de uma grande lula.

O diretor imprime um ritmo lento a essa história que transcorre em poucos cenários, só o que pede a história, com uma voz em off que soa poética. Vejo o filme às dez da manhã, depois de uma noite de insônia, essa cruel agressora noturna. E há momentos em que os olhos ameaçam fechar. Aparentemente a ação é mínima e Villeneuve deixa claro que sua história não precisa de anfetaminas. Nem do império dos efeitos especiais. Mas esse filme tem uma estética e um clima muito especiais, que não me deixam render ao sono. Mas preciso assistir de novo.

Carlos Boyero é crítico de cinema do EL PAÍS.

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