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Estados Unidos e o mundo reagem com perplexidade à eleição de Trump

Barack Obama e Hillary Clinton prometem ajudar o novo presidente na sua tarefa

Obama, nesta quarta-feira, depois de comentar a vitória de Trump.Foto: atlas | Vídeo: Susan Walsh AP / ATLAS
Marc Bassets

Donald Trump já se prepara para ocupar a Casa Branca, enquanto os Estados Unidos e o mundo tentam superar a estupefação, entender o que ocorreu e se adaptar à nova realidade. Como lutar com um populista à frente da maior potência mundial? A primeira mensagem das instituições norte-americanas, que o republicano colocou em dúvida ao longo dos últimos meses, veio nesta quarta-feira, pela boca do presidente Barack Obama e da candidata democrata derrotada, Hillary Clinton. Foi uma mensagem de continuidade: ambos aceitaram o resultado e, de acordo com o costume no país, se comprometeram a ajudar o novo presidente em sua tarefa. Foi também um lembrete sobre os valores do país e os limites ditados por sua Constituição.

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O triunfo de Trump contra Clinton é uma das maiores convulsões políticas para a superpotência e seus aliados. Em tempos recentes, apenas os atentados de 11 de setembro de 2001 e a quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, tiveram um eco semelhante em todo o planeta.

Os Estados Unidos oferecem lições para um fenômeno onipresente nos países desenvolvidos: o descontentamento das classes médias, que tentam entender como viver em um mundo liderado por alguém como Trump.

Com um discurso de populismo econômico e uma retórica xenófoba, o aspirante republicano soube captar o difuso mal estar dos brancos norte-americanos, provocado por uma recuperação econômica que pouco beneficiou a classe operária e por mudanças demográficas aceleradas que transformam o país. Assim, contrariando o prognóstico da maioria das pesquisas e o desejo das elites econômicas, políticas e midiáticas, Trump liquidou as ambições de uma das candidatas mais preparadas para a presidência em toda a história.

Trump, que já defendeu a tortura, o bombardeio de crianças e mulheres, a deportação de milhões de imigrantes e a construção de um muro na fronteira com o México, é agora o presidente-eleito. Esse é o título dado ao vencedor da eleição entre o anúncio do resultado e o dia da posse, 20 de janeiro, quando Donald John Trump, de 70 anos, se tornará oficialmente o 45º. presidente dos EUA, sucedendo a Barack Hussein Obama, de 55 anos.

Trump não é mais uma simples hipótese, e as capitais internacionais, da Cidade do México a Bruxelas, de Moscou a Pequim, redesenham suas estratégias. Trump se declara admirador do presidente russo, Vladimir Putin, questiona o papel dos EUA como potência tutelar da OTAN e insinua que poderá retirar a proteção nuclear ao Japão e à Coreia do Sul. Parte do trabalho das chancelarias – e serviços de inteligência – consiste agora em elucidar quanto do que Trump disse na campanha era a sério, e quanto eram meras bravatas para entusiasmar o seu eleitorado. O caráter errático do vencedor (“imprevisível”, gaba-se ele) complica as coisas. Também seu desconhecimento sobre questões básicas do ofício.

Haverá tempo de sobra para avaliar como será recebido pelos sócios internacionais e como se sairá nas reuniões de cúpulas e em contatos bilaterais mais delicados. A pressa é maior nos EUA. Faltam 72 dias para a transmissão do cargo, e o trabalho já começou. Obama telefonou para Trump na madrugada de quarta-feira, após conhecer os resultados, e o convidou a visitá-lo na quinta-feira.

Em pronunciamento na Casa Branca, disse que insistiu com sua equipe para que seja organizada uma transição exemplar e prometeu se empenhar para que presidência do seu sucessor seja um sucesso. Depois de elogiar o tom moderado de Trump na conversa por telefone, disse que os EUA precisam de “senso de unidade, senso de inclusão, respeito às nossas instituições, ao nosso modo de vida, ao nosso Estado de direito, e respeito pelos outros”. “Espero que ele mantenha esse espírito durante a transição, e certamente espero que seja assim que comece sua presidência”, acrescentou. A mensagem foi semelhante à de Clinton em seu discurso de aceitação da derrota em Nova York.

Oposição leal

A mensagem da democrata, depois da dolorosa derrota, é clara: serão uma oposição leal e farão o possível para preservar a continuidade institucional. Justamente o contrário do que vinha dizendo o presidente-eleito desde que iniciou sua improvável jornada à Casa Branca. As declarações de Obama e Clinton soaram como um curso rápido de educação cívica para um político que ignorou todas as convenções sociais em sua ascensão ao poder.

Cabe perguntar como teria reagido Trump se tivesse ganhado no número de votos, mas perdido em número de representantes no Colégio Eleitoral, que é o que conta. Clinton, segundo a apuração já quase concluída, ultrapassou Trump com uma vantagem de 230.053 votos populares, mas Trump obteve 306 votos eleitorais, contra 232 de Clinton.

É uma incógnita como e com quem Trump governará. Na campanha, cercou-se de uma equipe de velhas glórias republicanas, como o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani e o ex-presidente da Câmara de Representantes (deputados) Newt Gingrich. Seu círculo inclui figuras próximas à direita alternativa (a alt-right), grupos que flertam com o racismo e o antissemitismo, todo um submundo que o ganhador trouxe à tona e desembarcará em Washington em janeiro. A ele se unirá o universo dos reality shows, seu Camelot particular.

Uma grande experiência política – a chegada de um showman bilionário à máxima instância de poder mundial – acaba de começar, e o sistema, o grande derrotado nas eleições, tenta delimitar o campo de jogo.

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