Vitória de Trump, mais uma fonte de incerteza para a economia brasileira
Forte política protecionista defendida por Trump deve ser a que mais afetará o comércio mundial e consequentemente o Brasil
A inesperada vitória do republicano Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos trouxe à tona novas incertezas sobre o futuro da política externa da maior potência do mundo com o resto do globo. No caso do Brasil, especialistas ouvidos pelo EL PAÍS apostam que a relação dos dois países não deve sofrer grandes alterações, mas ressaltam que a economia brasileira, que já enfrenta uma recessão histórica, sentirá alguns efeitos indiretos com a chegada do republicano à Casa Branca.
A forte política protecionista defendida por Trump durante sua campanha deve ser a que mais afetará o comércio mundial e, consequentemente, o Brasil. "Trump quer criar milhões de empregos no país e reduzir o déficit americano nas transações com o resto do mundo, o que inclui o Brasil. Nesse caso, ou teríamos que importar mais deles ou exportar menos. Ainda há risco de alguma política de restrição para o exportador", vislumbra José Augusto Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Hoje, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil e recebem 20% das exportações brasileiras, atrás da China, que é o principal destino de produtos brasileiros. Para Augusto Castro, como Trump vem defendendo uma guerra comercial contra a "concorrência desleal da China", toda a dinâmica do comércio mundial deve ser alterada com reflexos na América Latina e no Brasil.
Não há clareza ainda de quais serão as reais ações de Trump e sua equipe econômica - ainda não revelada-, mas acordos e negociações com outros países têm grande probabilidade de serem inviabilizados, já que serão revistos pelo republicano. "A chegada de Trump reduz, por exemplo, a possibilidade do Mercosul aprovar um acordo de comércio com os EUA", explica Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP. A decisão afetaria fortemente a agenda de retomada de crescimento da economia brasileira do presidente Michel Temer, que aposta na abertura do comércio para impulsionar a atividade econômica.
A grande dúvida agora é qual comportamento o republicano adotará em seu mandato no próximo ano: o agressivo e de tom protecionista da campanha ou o da linha conciliadora adotada no discurso da vitória. "Não é incomum pessoas que fazem uma campanha prometendo algo e depois fazer outra coisa. Mas é inevitável que, em uma nova dinâmica comercial, vamos ter que nos tornar mais competitivo e reduzir o chamado custo Brasil, o que pode ser visto como positivo", explica João Luiz Mascolo, professor de economia do Insper.
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, afirmou que o Brasil poderá "ter problemas" no setor de exportações caso o presidente eleito adote de fato uma postura "protecionista". O ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, também admitiu nesta quarta-feira que o discurso de Trump "é uma preocupação". Segundo Pereira, passada a eleição norte-americana, é hora de "aguardar observando", as medidas e o tom do novo mandatário.
O economista André Perfeito, da Gradual Investimentos, também está de acordo com a necessidade de entender quem exatamente é o novo presidente e quais as suas verdadeiras intenções. Para o ele, provavelmente o banco central americano, FED, deverá postergar ainda mais um alta de juro, evitando criar mais ruído e volatilidade no mercado financeiro.
A maior percepção de risco das futuras políticas de Trump também podem impulsionar uma tendência de alta do dólar frente à moeda brasileira, como ocorreu nesta quarta-feira. A vitória do republicano fez o dólar abrir o dia em alta de mais de 2% frente ao real e chegou a ser vendida a 3,25 reais. "Essa desvalorização do real pode fazer com que a taxa de juros caia mais lentamente ou nem caia também. Podemos ter também uma inflação maior do que a esperada", explica Augusto Castro. Ainda segundo o presidente da AEB, a instabilidade gerada pelo mandato de Trump pode influenciar também na queda dos preços das commodities, o que ainda afetaria negativamente a economia brasileira. "O alcance e a duração das reações dos mercados dependerão da atitude de Trump quando tenha o poder nas mãos", disse Harm Bandholz, economista-chefe do UniCredit nos EUA.
Em tom mais ponderado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, procurou passar tranquilidades aos mercados ao afirmar que a economia brasileira tem força para driblar as oscilações derivadas à vitória de Trump. "O Brasil está preparado para lidar com qualquer volatilidade dos mercados resultante das eleições presidenciais nos Estados Unidos", afirmou o ministro por meio de nota.
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