_
_
_
_
_

Viagem ao túnel das drogas dos Estados Unidos

Fronteira entre Arizona e Sonora é uma das portas de entrada de drogas aos EUA. O cartel de Sinaloa controla 90% dos narcóticos dessa área

Sandra vive a menos de dez metros do Arizona, mas não pode cruzar para território americano porque não tem visto. Sua casa, uma construção com um par de paredes sem tinta, fica no alto de uma colina, à qual se chega após subir um caminho acidentado e sem asfalto, localizado na cidade mexicana de Nogales (234.000 habitantes), no estado nortenho de Sonora. Ao lado de sua casa, está o muro da fronteira que a separa da outra Nogales, uma pequena cidade do Arizona, com pouca população (20.000 habitantes) e várias lojas de roupa e comida, onde os moradores fazem suas compras. Da porta da casa de Sandra, observa-se os dois países separados por uma imensa cerca que serpenteia pelos morros até perder-se na imensidão.

Mais informações
El Chapo relembra sua infância: “Me davam golpes de vara para vacas”
Cidade do México aposta na legalização da maconha para uso medicinal
Polícia espanhola vincula traficante Mono Muñoz a autoridades mexicanas
Misha Glenny: “Os grandes traficantes brasileiros não moram nas favelas”

"Na casa rosa ali embaixo, encontraram um ‘narco-túnel’. Nesse dia, vieram os helicópteros e fecharam as ruas", afirma a mulher de 38 anos, do alto da colina.

Ela vive na colônia Buenos Aires, uma das mais conflituosas de Nogales. A estratégica localização do bairro —adjacente ao Arizona— propiciou que, em algumas das casas, como a mencionada por Sandra, sejam descobertos túneis que desembocam em território americano. Além disso, é uma zona completamente supervisionada pelo crime organizado. Cada uma das avenidas, esquinas e becos está infestada de punteros (aviõezinhos) ou falcões, homens com binóculos e rádios de comunicação que vigiam os movimentos da patrulha fronteiriça para informar o deslocamento dos agentes americanos em volta da cerca, para facilitar a passagem de drogas ou imigrantes sem documentos.

"Às vezes, estou lavando roupa e escuto, no idioma deles, para descerem da cerca. Quando vejo alguém tentando cruzar com um pacote (de drogas), entro em casa para não me meter em problemas", diz.

Sandra vive na colônia há 15 anos. Lembra que, antes de haver um enorme muro de barras oxidadas, havia uma cerca que era rompida com alicates, e as pessoas cruzavam-na para fazer compras “no outro lado”, como se diz. Em seguida, retiraram a cerca para colocarem lâminas planas. Em 2007, começaram a construção da cerca que existe atualmente, relata. Um grupo de operários trabalhou dia e noite para terminar o muro.

"Nos anos noventa, eu cheguei a cruzar pelo buraco, como falamos. Naquela época, não havia tanta tecnologia como agora", conta, enquanto aponta às câmeras no outro lado do muro.

Alguns metros para baixo, está um jardim de infância pintado em tons coloridos, que contrastam com a cerca ocre. Vanessa Quijada, diretora da escola, conta que as crianças estão acostumadas a verem o movimento da polícia e homens tentando cruzar o muro. “Eles sabem que a cerca nos divide. Que separa um país do outro”. A avenida onde fica a escola chama-se Internacional e é a mesma que atravessa o centro de Nogales. Ali, em frente a lojas e a alguns passos da guarita, todos os dias homens sobem as barras retangulares com mochilas carregadas de drogas. “É algo muito comum. Sobem como se fossem o Homem-Aranha e rapidinho passam para o outro lado”, afirma um comerciante da região.

Nogales, Sonora, é uma cidade onde 40% da população é flutuante, segundo cálculos das autoridades municipais. As centenas de imigrantes que tentam cruzar para os EUA e não conseguem ou aqueles que diariamente são deportados ficam no local por longos períodos, muitas vezes de forma permanente. Sua principal atividade econômica é a indústria. Foi uma das primeiras cidades do norte do México onde foram instaladas maquiladoras (empresas manufatureiras) e montadoras. O padre Ricardo Reciado, que realiza trabalhos comunitários em colônias em conflito, afirma que a dinâmica da cidade fronteiriça leva centenas de jovens a serem recrutados pelo tráfico. “Usam estudantes de cursinhos ou ensino médio para passar a droga, ou crianças de colônias para que sirvam de aviõezinhos, afirma.

A cerca que divide Nogales, Sonora, e Nogales, Arizona.
A cerca que divide Nogales, Sonora, e Nogales, Arizona.Ángel Plascencia

Uma fronteira perigosa

A fronteira entre o Arizona e Sonora é uma das maiores portas de entrada de drogas aos Estados Unidos. O setor Tucson da patrulha fronteiriça é um dos que mais tem atividade policial, já que cobra a maior parte do estado do Arizona por meio de oito estações que vão desde o Novo México até o condado de Yuma. Ali, nesses 421 quilômetros de fronteira, os agentes apreendem historicamente 50% da maconha que entra nos Estados Unidos, explica Vicente Paco, porta-voz da patrulha de fronteira nesse setor.

As gangues criminosas atualmente são organizações transnacionais, destaca, porque não apenas encarregam-se do contrabando de drogas, como também controlam as rotas de tráfico de pessoas e de armas. “Qualquer pessoa que queira entrar ilegalmente nos Estados Unidos tem que tratar com o crime organizado. Tem que pagar uma taxa às organizações e, se não tiver dinheiro, são usadas como burros de carga ou mulas”, menciona.

Apenas em Nogales, foram descobertos 107 túneis que atravessam a fronteira

Um dos pontos de maior conflito da fronteira entre Sonora e Arizona é o deserto de Altar, onde as temperaturas chegam aos 50 graus. Por ser uma região inóspita e desolada, por suas brechas se dá uma maior atividade para o tráfico de drogas, diz o agente da Patrulha de Fronteira. Uma forma comum é por meio de burreros, grupos de 10 a 15 homens que fazem travessias de quase quinze dias no deserto com carregamentos de maconha nas costas, que pesam de 20 a 25 quilos.

A rede do crime organizado é tão grande que utiliza cidadãos dos dois lados da fronteira para realizar o seu trabalho ilícito. Desde 2014, no Arizona, foram presas mais de 80 pessoas que foram descobertas nas colinas vigiando os movimentos da Patrulha Fronteiriça. “Antes, um falcão que vigiava nossos movimentos apresentava-se como imigrante e a única coisa que poderíamos fazer era devolvê-lo ao seu país”, explica o agente. Agora, se eles detectam acampamentos em um morro, com equipamentos paramilitares e rádios de frequência secreta, apresentam denúncias à promotoria do Arizona. “Eles são os olhos das organizações criminosas”, destaca.

Um relatório da Patrulha de Fronteira detalha que, durante o ano fiscal de 2015, ao longo de toda a fronteira dos Estados Unidos com o México, foram apreendidos 680.000 quilos de maconha e 1.947 quilos de cocaína. O setor de Tucson foi o que realizou mais apreensões, com 48,6% do total. O agente Vicente Paco diz que tem visto um aumento na apreensão de narcóticos como metanfetamina, heroína e cocaína.

O crime organizado diversifica cada vez mais as maneiras de cruzar a droga. Apenas em Nogales, foram descobertos 107 túneis que atravessam a fronteira e, diariamente, homens com carregamentos nas costas escalam o muro. “Nogales também é conhecida como a capital do túnel. Por Sonora ser um estado de mineração, existe a tecnologia para construir esse tipo de infraestrutura”, afirma o agente Paco. Em outros pontos, foram encontradas catapultas, escadas ou rampas em cima da cerca de metal.

O cartel de Sinaloa intensificou sua presença no Arizona para introduzir uma maior quantidade de drogas como a maconha e a heroína, alerta um relatório do DEA (agência americana anti-drogas). A organização de Joaquín El Chapo Guzmán representa a maior ameaça nos condados do Arizona. Estima-se que o cartel sinaloense e suas células controlem aproximadamente 90% das drogas que cruzam a fronteira no Arizona. Também controlam o tráfico de armas e de dinheiro ilícito.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_