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Polícia espanhola vincula traficante Mono Muñoz a autoridades mexicanas

Relatório detalha ligação do representante do cartel Los Zetas na Europa com a classe política

Juan Manuel Muñoz Luévano, conhecido como Mono Muñoz, suposto elo da quadrilha Los Zetas na Europa, mantém estreitas relações com importantes políticos e funcionários da Justiça do México, segundo um relatório da polícia espanhola ao qual o EL PAÍS teve acesso e que cita numerosas conversas telefônicas do narcotraficante gravadas ao longo de vários anos na Espanha. Muñoz foi detido em 18 de março na luxuosa casa de Madri onde residia havia vários anos e de onde supostamente coordenava a entrada da cocaína do cartel na Europa. As autoridades dos EUA solicitaram sua extradição. 

uan Manuel Muñoz (à esq., de óculos), numa reunião em Madri gravada pela polícia.
uan Manuel Muñoz (à esq., de óculos), numa reunião em Madri gravada pela polícia.

O relatório policial não pode ser mais taxativo: “Ao longo do período de intervenção telefônica ficou manifesta a proximidade de Juan Manuel Muñoz com a política e a administração judicial mexicana. No que diz respeito à política mexicana, encontra-se muito relacionado com determinadas pessoas que desempenham cargos em administrações municipais e regionais, como é o caso de prefeitos ou congressistas do Estado de Coahuila, bem como candidatos a ocupar cargos”. “Com relação à administração judicial, fica clara a relação deste (Muñoz) com procuradores e ex-procuradores como Homero Ramos (procurador de Coahuila), Adrián de la Garza (procurador de Nuevo León) e Jesús Torres Charles (ex-procurador de Coahuila). A influência dessa pessoa na vida política do Estado de Coahuila se estende a ponto de tentar amedrontar o atual governador, Rubén Moreira, com informações reservadas que tem em seu poder”, diz o texto.

O primeiro exemplo citado pelos agentes da Unidade de Delinquência Econômica e Fiscal (UDEF) menciona uma conversa de 27 de maio de 2014 que revela a ligação de Muñoz com Alejandro Froto García, que foi subsecretário de Fazenda no Governo de Humberto Moreira, ex-presidente do partido PRI, ex-governador de Coahuila e irmão do atual governador. Segundo a interpretação policial da conversa, o político “solicita um empréstimo de 10.000 [pesos o valor equivale a 1.700 reais] para o conserto do seu navio”.

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O diálogo grampeado é o seguinte:

– OK. E me pediu que quer 10.000 pesos, que a gente empreste, que eles nos paga em 15 dias, porque o barco dele emperrou – diz.

– Para o Alejandro? – responde Muñoz.

– Sim, para o Alejandro.

-Ah, bom. Sim, sim, sim. Tem aí... Peça à Mirea.

O relatório policial, datado de março, destaca a suposta relação entre Muñoz e Jesús Torres Charles, ex-procurador do Governo da Coahuila durante o mandato de Humberto Moreira e ex-assessor jurídico no Governo de seu irmão Rubén. O documento cita um relatório da UDEF de 30 de junho deste ano em que é citada uma conversa de 7 de junho de 2014 com uma menção a Jesús Torres como pessoa próxima a Rubén Moreira “para ser utilizada por Juan Manuel Muñoz em benefício de seus próprios interesses”.

(Um juiz) me pediu 10.000 pesos porque o barco dele emperrou”. “Sim, sim... deem. Peça, à Mirea”, respondeu Muñoz

Humberto Moreira, ex-presidente do Partido Revolucionário Institucional (PRI) e ex-governador de Coahuila, foi detido neste ano em Madri, sob a acusação de lavagem de dinheiro e vinculação com os Zetas, e colocado em liberdade meses depois por falta de provas de sua ligação com o crime organizado. Moreira, que em uma carta a este jornal negou qualquer relação com os Zetas, vivia em Barcelona com sua mulher e duas filhas desde que foi defenestrado da política mexicana, após deixar um enorme rombo nas contas públicas de Coahuila. A embaixada do México em Madri se dedicou a cuidados e gestões em favor de Moreira e de sua família, conforme revelou o EL PAÍS.

A polícia espanhola destacou também a suposta vinculação de Mono Muñoz e Gerardo Garza Melo, secretário de Gestão Urbana, Água e Ordenamento Territorial do Governo de Coahuila. Nesse caso, os agentes mencionam um ofício da UDEF de 21 de outubro de 2015 ao Tribunal Central de Instrução número 2 da Audiência Nacional espanhola na qual é citado um diálogo de Humberto Moreira, em 14 de outubro de 2013, com menção à suposta relação entre o narcotraficante e o alto funcionário:

- Humberto: “Não, não, tudo porque não dizem que Gerardo Garza Melo está metido com o Mono Muñoz. Este será investiga do pela CIA, sabia?

- Homem desconhecido: “Não sabia, professor”.

Em outro relatório da UDEF, de 30 de maio, é citado outro diálogo, de 9 de maio de 2015, em que uma pessoa, falando do México, comenta com Muñoz que está “batalhando com as autoridades administrativas pela questão do álcool”, ao que Juan Manuel responde que “se o problema de vocês é com Garza Melo ele vai resolver logo”.

Para os agentes, apesar da sua vida de luxo e lazer na Espanha, ele tenta se passar por um empresário de médio porte

A Polícia espanhola acompanha de perto os passos de Juan Manuel Muñoz Luévano desde que ele se instalou na Espanha, e considera que seu nível de vida e investimentos no país europeu não correspondem com a atividade que desenvolve. Os relatórios policiais dão conta de que criou empresas “sem atividade comercial e sem capital suficiente para seu desenvolvimento, utilizando terceiros como administradores”. “Não há uma fonte de renda na Espanha que justifique os investimentos realizados e o nível de vida mostrado, tanto por ele como por sua família. Ele não desenvolve em nosso país uma atividade remunerada lícita, seja empresarial, como autônomo ou assalariado, nem ele nem nenhum membro da sua família”, diz o documento oficial.

Os agentes afirmam que Muñoz exibe um alto nível de vida, “que tenta ocultar por trás da aparência de um empresário mexicano médio”. Usa carros de luxo, pernoita em hotéis de quatro e cinco estrelas, faz viagens nacionais e internacionais, “desembolsa importantes quantidades destinadas ao lazer próprio e de terceiros e compra de artigos de luxo (relógios Rolex, Bulgari)”. Para os investigadores, o capital que usa nos seus investimentos na Espanha é de origem desconhecida. Às vezes, recorre ao seu filho como laranja para as atividades financeiras.

O capital de Muñoz no México é conhecido. Tem cerca de 30 postos de gasolina em Saltillo (México), fazendas, terrenos, imóveis urbanos e até um avião particular, sempre segundo a investigação conduzida na Espanha pelo juiz Santiago Pedraz, da Audiência Nacional, e pelos promotores José Grinda e Juan José Rosa, especializados no combate à corrupção. Durante sua detenção, a Polícia confiscou no seu domicílio em La Moral, um bairro de luxo na capital espanhola, um computador com várias planilhas onde o suposto homem dos Zetas na Europa anotava a entrega, em hotéis do centro da capital mexicana, de valores em dólares equivalentes a 216,6 milhões de reais, em 59 movimentos diferentes. Este dinheiro, segundo a contabilidade, refletia os lucros obtidas pela organização criminosa com a venda de 2,1 toneladas de cocaína na Europa.

A Polícia, com base em relatórios das autoridades dos EUA, afirma que Muñoz colabora de forma independente não só com o sanguinário cartel de Los Zetas como também com os de Sinaloa, do Golfo e Beltrán-Leyva.

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