O fascismo bate à porta
A primeira atitude de Temer, entronizado, foi iniciar o desmonte das modestas, mas fundamentais conquistas obtidas sob os governos petistas
Se compreendermos o fascismo como o culto a um Estado autoritário, que prega a eliminação a qualquer custo dos adversários e ignora os direitos individuais, então, o Brasil vive um preocupante flerte com essa perigosa forma de governar. Os Três Poderes vêm dando mostras suficientes de rompimento com as regras básicas da democracia e, pouco a pouco, vai se instaurando um clima de violência política que nos empurra para um impasse somente visto nesse país quando estivemos sob o regime de exceção das ditaduras civis e militares.
A conspiração para afastar a presidenta Dilma Rousseff do poder, insuflada pelo vice-presidente Michel Temer, executada pelo Congresso Nacional e avalizada pelo Judiciário, colocou em xeque os pressupostos da nossa jovem e frágil democracia, cassando, por puro revanchismo, os votos de 54 milhões de brasileiros. E a primeira atitude de Michel Temer, entronizado, foi iniciar o desmonte, uma a uma, das modestas, mas fundamentais conquistas obtidas sob os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
De forma prepotente, sem qualquer consulta à sociedade, em poucos meses Michel Temer já decretou mudanças radicais e polêmicas nos sistemas de saúde, de educação e de previdência, numa clara sinalização de que seu governo não tem e nem terá como marca o diálogo com os mais amplos setores, mas apenas atenderá aos interesses daqueles que contribuíram para concretizar o impeachment de Dilma Rousseff, que, não por coincidência, enfileiram-se entre os derrotados nas urnas em 2014. Para não ser contestado, Temer veste-se com o manto da legalidade proporcionada por um Judiciário mais comprometido com um discurso baseado na moral do que no direito.
A perseguição seletiva patrocinada pelo Ministério Público Federal a membros do Governo petista tornou-se tão escancarada que o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, chegou a anunciar previamente uma nova etapa da Operação Lava Jato, em uma evidente irregularidade, já que se trata de ações sigilosas, às quais ele somente poderia ter acesso após efetivadas. Todos os envolvidos em denúncias de corrupção devem ser processados, julgados e, se condenados, presos, mas obedecendo ao ordenamento jurídico.
Não é o que vem ocorrendo. Além da farsa montada para o golpe contra Dilma Rousseff e a escandalosa peça de convicções sem prova contra Lula da Silva, acompanhamos a espetaculosa prisão do ex-ministro Guido Mantega em um hospital, onde sua mulher estava internada para tratamento de um câncer. A ordem de detenção de Mantega se deu porque, segundo o juiz federal Sergio Moro, em liberdade o ex-ministro poderia atrapalhar as investigações. Mantega, que possui endereço conhecido e não representa perigo para a sociedade, foi solto horas depois pelo mesmo Moro, o que se constitui em uma perceptível tentativa de intimidação. Se agem assim com uma autoridade, de forma discricionária e descomedida, imaginem o que fariam conosco, cidadãos comuns...
O jovem procurador Deltan Dallagnol, um dos mais destacados membros da força-tarefa que vem conduzindo os processos da Operação Lava Jato, representa a outra corrente de mentalidade autoritária que vem corroendo as nossas débeis instituições. Dallagnol, que se diz “seguidor de Jesus”, é filiado à Igreja Batista do Bacacheri, uma denominação pentecostal. Pertence, portanto, à categoria dos fundamentalistas cristãos que, como todos os fundamentalistas, encarnam uma visão teológica e moralista da sociedade.
Moralista, eu disse — não confundir com ética. A moral é transitória e relativa, a ética é universal e inegociável. O que vem ocorrendo é uma confusão interessada entre esses dois conceitos — os evangélicos crescem e disseminam suas ideias no campo em que proliferam a miséria, a insegurança, a desesperança e a ignorância. Condenando a corrupção, combatem tudo aquilo que consideram corrupção, seja ela ética, seja ela moral. Ou seja, em sua fúria puritana, enxergam o Mal naqueles poucos avanços conseguidos na luta por uma sociedade mais justa, não só em termos econômicos e sociais, mas também em termos de igualdade de direitos. Mas os evangélicos sabem que apenas poderão impor sua mentalidade machista, homofóbica, classista e tacanha se alargarem seu espaço junto ao poder. E é aqui que os moralistas se aliam aos amorais: ambos desejam a mesma coisa e aceitam pagar o preço que for necessário.
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