_
_
_
_

Luiza Erundina e as contradições da esquerda nas eleições paulistanas

Haddad e Erundina dividem um eleitorado comum e podem acabar de fora do segundo turno

Erundina durante manifestação em 7 de setembro
Erundina durante manifestação em 7 de setembroRovena Rosa (Ag. Brasil)

No dia 11 de setembro, em uma manifestação na Avenida Paulista, que pedia o fim do Governo Temer e a convocação de eleições gerais, cerca de 15% das intenções dos votos à Prefeitura de São Paulo estavam, lado a lado, no alto de um mesmo carro de som. Não os votos em sim, claro, mas os depositários deles: a deputada federal Luiza Erundina (PSOL) e o atual prefeito da cidade, Fernando Haddad (PT). De acordo com a última pesquisa Datafolha, ele tem 10% de intenções, ela 5%. Se ele experimentou uma leve ascensão nos últimos dias, ela caiu. Agora, uma crítica que já existia desde o começo da corrida ficou ainda mais comum entre apoiadores de Haddad: Erundina teria que desistir para não dividir a esquerda em um momento em que o cenário nacional está adverso à orientação política.

A pouco menos de dez dias do primeiro turno das eleições, contudo, vai ficando cada vez mais difícil a possibilidade de que ela (ou ele) abra mão da candidatura própria em favor de uma unidade que, talvez – só talvez – pudesse chegar ao segundo turno e fazer frente aos respectivos 26%, 21% e 16% de Celso Russomanno (PRB), Marta Suplicy (PMDB) e João Dória (PSDB). É curioso. Haddad e Erundina compartilham o mesmo berço político, defendem ideias semelhantes em muitos pontos, mas ambos os lados vem, grosso modo, acusando-se de sepultar as chances do outro.

Mais informações
Erundina: “Não vamos pagar a dívida pública com mais sofrimento para o povo”
Haddad, sem força na periferia e rejeitado até por petistas em pesquisa
“A oposição em SP é obscurantista. Chama ciclista de comunista”
Erundina: “Enquanto a esquerda não se unir, a direita será invencível”

Nesta semana, a discussão sobre o papel do PT e do PSOL nas eleições paulistanas ganhou as folhas do jornal Folha de S. Paulo. Em artigos opostos, o doutor em ciência política Mathias de Alencastro e o professor da Universidade Federal do ABC e candidato a vereador pelo PSOL, Gilberto Maringoni, expuseram seus pontos de vista. O EL PAÍS ouviu os dois. Para Maringoni, é verdade que São Paulo pode ir para uma disputa de segundo turno sem um candidato de centro-esquerda – e aí está inclusa também a possibilidade de Marta, que ainda galvaniza votos de um eleitorado mais identificado com a esquerda, ficar de fora da segunda etapa das eleições. “Mas não dá para desconsiderar o fato de que há uma divisão real de pensamento. A distinção que gerou o PSOL a partir do PT é uma dissidência real, que não concorda com o Lulismo e sua espécie de neoliberalismo social”, comenta o candidato a vereador.

Para Alencastro, embora “a Erundina seja muito respeitada e habilidosa politicamente, existe um cálculo que dá um caráter oportunista a sua candidatura”. Segundo ele, há um casamento de circunstância entre a candidata e o PSOL, que tenta, neste momento, se apresentar como o partido a ocupar o espaço que o PT pode deixar na política. “O espólio do PT já começou, mas com a derrota do Fernando Haddad, é toda a esquerda que perde”, diz. O PSOL, argumenta, é hoje um partido sem estrutura para se sustentar. “É uma legenda em que políticos de esquerda têm se refugiado, é só ver o caso da própria Erundina. O PSOL de 2016 tem a cara do PT de 1989. Por enquanto, não é um partido produtor de políticos de projeção nacional, não é um partido em termos de estrutura e aparelho”, comenta.

O possível casamento de conveniência entre Erundina e PSOL já foi criticado em outros momentos, já que ela tem se movimentado também para formar um novo partido, o Raiz. Para Maringoni, o PSOL adotou no caso dela uma “filiação democrática”. “O partido abriu espaço para ela, mas depois das eleições eu espero que haja uma flexibilidade e que ela possa permanecer conosco. O partido de esquerda que precisamos agora é plural, amplo e que congregue todos os insatisfeitos e descontentes desse país”, diz.

Haddad e Erundina durante manifestação de 11 de setembro
Haddad e Erundina durante manifestação de 11 de setembroReprodução (Mídia Ninja)

São Paulo 2016, Brasil 2018

Segundo Marcos Nobre, cientista político da Unicamp, a intenção de Erundina de formular um novo partido mostra bem o beco em que a esquerda está. “Não são novas legendas que vão resolver. Ninguém ainda descobriu como alavancar a energia de pessoas que estão na rua, que querem fazer política, mas que rejeitam as estruturas do jeito que estão”, diz. A divisão partidária, neste momento, seria um prenúncio do que pode acontecer na corrida presidencial de 2018: a esquerda de fora do segundo turno. “O fato de existirem acusações mútuas entre o PSOL e o PT não é o principal, o principal é que todo mundo está adotando a mesma estratégia, imaginando que um cenário como o de 1989 vai se repetir e uma força política vai conseguir aglutinar o campo da esquerda, como foi o caso do Lula”, diz.

Apesar do cenário adverso para a esquerda, Nobre acredita que a direita também está fragmentada, dispersa. “A única diferença é que a centro direita está sendo mais eficaz ao colocar candidatos no segundo turno, mas não há ninguém com visão global de país, nenhum candidato forte”, comenta. Por isso mesmo, defende que o campo mais progressista busque alternativas rápidas. “Por enquanto, é só um alerta”, conclui. Para Alencastro, a divisão entre os dois espectros políticos está mais clara do que nunca e isso pode facilitar as coisas em 2018. “Com o impeachment de Dilma Rousseff e as primeiras medidas do Governo Temer, a diferença entre um e outro ficou muito clara. Não acredito que as coisas serão tão pantanosas nas eleições presidenciais”, diz.

“Nos tempos do PT fortalecido, uma candidatura de esquerda contra o Haddad, em um momento vital para a legenda, nunca teria decolado. Ele é vítima desse enfraquecimento do partido, mas também paga por opções como a de ter um vice como o Chalita (PDT)”, comenta Alencastro. No alto do palanque, no episódio que abre esta reportagem, ficou clara uma tentativa de aproximação do atual prefeito de São Paulo com setores à esquerda do PT. Ao EL PAÍS, assessores de Haddad confirmaram a intenção. Para Maringoni, é importante que a esquerda se una e que se evite levantar o dedo acusatório. Além disso, é natural que Haddad tente uma aproximação, mas faltando menos de dez dias para as eleições é difícil e não seria honesto que algum dos dois saísse da disputa.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_