Os recados de Sérgio Moro na denúncia que tornou Lula réu
Juiz federal faz críticas à polêmica apresentação da denúncia, mas confronta defesa de petista
Desde o início da Operação Lava Jato o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da investigação em Curitiba, usa seus despachos para emitir opiniões, mandar recados para os réus e rebater críticas de advogados. Nesta terça-feira, em documento no qual torna réus Lula, sua mulher Marisa e o diretor do Instituto Lula, Paulo Okamotto, entre outros, o magistrado repetiu a estratégia. Chamou de “questionáveis” alguns "elementos probatórios" e evidências apresentadas pelo Ministério Público Federal (para em seguida dizer que no atual momento do processo isso não é um problema), lamentou o envolvimento de Marisa e confrontou a defesa de Lula no caso do tríplex do Guarujá. Veja alguns dos recados de Moro.
Elementos probatórios “questionáveis” do Ministério Público Federal
Na apresentação feita na semana passada na qual foi feita a denúncia contra o ex-presidente, os procuradores o chamaram de “comandante da propinocracia”. Com o auxílio de um Power Point, a força-tarefa afirmou que Lula tinha conhecimento e participação direta no esquema criminoso. Eles foram além e citaram o escândalo do mensalão, argumentando que o “petrolão” é apenas a continuação do anterior. A defesa do petista e especialistas criticaram o que foi chamado de “espetacularização” e “politização” dos procuradores, que se estenderam na tese de que Lula era "maestro da orquestra criminosa" sem acusá-lo formalmente por formação de quadrilha. Em seu despacho, Moro lista todos estes pontos mais polêmicos da denúncia, e em seguida escreve: “Certamente, tais elementos probatórios são questionáveis”. Mais adiante, o magistrado diz que “nessa fase preliminar, não se exige conclusão quanto à presença da responsabilidade criminal, mas apenas justa causa”.
Celeuma e Lula
Ainda sobre a polêmica envolvendo a apresentação da denúncia e as acusações da defesa de Lula de que ele não é imparcial, Moro disse que tornar os acusados réus não equivale a ter “juízo conclusivo quanto à presença da responsabilidade criminal”. Ele justifica a afirmação, dizendo que “tais ressalvas são oportunas pois não olvida o julgador que, entre os acusados, encontra-se ex-presidente da República, com o que a propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de toda a espécie”. Segundo ele, no entanto, as celeumas “ocorrem fora do processo”, e que dentro dele o magistrado continuará trabalhando para a “observância estrita do devido processo legal, independentemente do cargo outrora ocupado pelo acusado".
Marisa Letícia e a ocultação do patrimônio de Lula
Em sua defesa das acusações feitas pela Lava Jato, o ex-presidente sempre se preocupou em dizer que estavam usando sua mulher, Marisa Letícia, para atingi-lo: o petista sempre defendeu a inocência do casal. Em seu despacho, no qual torna Marisa ré pela primeira vez por suposto envolvimento no escândalo de corrupção da Petrobras, Moro escreve que “lamenta” a imputação feita pelos procuradores contra a mulher de Lula. Mas logo em seguida afirma que “por ora” as provas são suficientes para julgá-la. “Muito embora haja dúvidas relevantes quanto ao seu envolvimento doloso, especificamente se sabia que os benefícios decorriam de acertos de propina no esquema criminoso da Petrobras, a sua participação específica nos fatos e a sua contribuição para a aparente ocultação do real proprietário do apartamento é suficiente por ora para justificar o recebimento da denúncia também contra ela e sem prejuízo de melhor reflexão no decorrer do processo”.
O tríplex da discórdia
Com relação ao tríplex no Guarujá, um dos principais pontos da denúncia - que teria sido dado ao presidente como parte das propinas devidas pela OAS no esquema, na tese da acusação-, Moro dá a entender que a acusação é robusta. Ele, inclusive, levanta a hipótese de que Lula e Marisa apenas não transferiram formalmente o apartamento do Guarujá para seu nome devido à prisão do empreiteiro Léo Pinheiro, em novembro de 2014. “Apesar da realização das reformas e benfeitorias do apartamento para atender o ex-presidente e sua esposa, não foi formalizada a transferência do apartamento 164-A da OAS para eles. É possível que ela [transferência] tenha sido interrompida pela prisão preventiva (...) do Presidente da OAS, o acusado José Adelmário Pinheiro Filho”, o Léo Pinheiro. Para Moro, os indícios de que o apartamento e o sítio de Atibaia (que não é alvo da denúncia, mas segue sob investigação pela força-tarefa) seriam de Lula não resultam "de conspiração de inimigos do ex-presidente, pois, ilustrativamente, até mesmo José Bumlai, com o qual, em princípio, manteria boas relações, declarou que o sítio em Atibaia seria utilizado pelo ex-presidente".
Diretor do Instituto Lula na mira
Okamotto é acusado de ser responsável pelo contrato de mudança e armazenamento do acervo de Lula, também pago pela OAS e que totalizaria dez contêineres. A iniciativa, também seria, segundo o MPF, uma compensação a Lula. A defesa do diretor do Instituto Lula chegou a afirmar, em pedido de habeas corpus protocolado no Supremo, que de fato a empreiteira foi responsável pelo material, mas disse que era “de praxe” que ex-presidentes tenham seu acervo preservado com "com o apoio de fontes privadas". Moro não se sensibilizou com a tese e disse que a própria petição dos advogados constituem um “reconhecimento das premissas fáticas estabelecidas pelo MPF em relação a esse ponto”. O juiz vai além, e diz que “quanto à afirmação da defesa de que (...) seria usual que empresa privadas contribuíssem para a manutenção do acervo privado de ex-presidentes, trata-se primeiro de uma afirmação de fato carente de comprovação”.
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