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Coluna
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A lição das ruas

As ruas e as redes sociais explicitam o desejo de virar em definitivo uma página trágica da nossa história e colocar um ponto final na forma antiga de fazer política

Protesto contra o Governo Temer em São Paulo, no último domingo.
Protesto contra o Governo Temer em São Paulo, no último domingo.STRINGER (REUTERS)

Há algo a aprender com o resultado da votação pela cassação do mandato do ex-todo poderoso presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), terceiro deputado mais votado de um dos estados mais ricos da Federação, com cerca de 233.000 votos. Arrogante, ele manipulou os colegas por 314 dias, mas na última hora seus apoiadores, de olho nas eleições municipais e principalmente nos protestos de rua, debandaram – somente 10 deputados se manifestaram a seu favor, nove se abstiveram e 42 se ausentaram. Cunha, que já responde a duas ações penais no Supremo Tribunal Federal, além de ser alvo de outros seis inquéritos, foi julgado por um plenário composto por 160 políticos – um terço do total da Casa - investigados pelos mais diversos crimes. Os deputados lançaram luz sobre Cunha para tentar manter-se nas sombras...

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Mas talvez não por muito tempo.

Parece haver um novo fenômeno no exercício da cidadania no Brasil. Ainda que os ânimos permaneçam exaltados, e na superfície o país siga dividido em grupos antagônicos irreconciliáveis, respira-se novo ar nas ruas e nas redes sociais. A tentativa de vincular os protestos populares que se espalham pelo país unicamente à militância ligada ao PT é risível. Assim como é risível os dirigentes petistas acreditarem nisso. De um lado, o governo e os anti-petistas em geral, tentando desqualificar os protestos, inflacionam o poder de mobilização das centrais sindicais, que há muito já não o possuem. Por outro lado, o PT, buscando se reapropriar de bandeiras que um dia foram suas, esbarram no envolvimento em casos de corrupção de suas principais lideranças. Resultado: ambos, petistas e anti-petistas, avaliam erroneamente os protestos que apregoam o lema “Fora Temer!”

Em excelente reportagem publicada por EL PAÍS em 11 de setembro, Carla Jiménez e Marina Rossi evidenciam que os manifestantes que têm ido para a rua protestar contra o presidente não eleito Michel Temer não eram necessariamente favoráveis ao governo de Dilma Rousseff. Há várias correntes de pensamento e diversos motivos de reivindicação, mas todos convergem para a certeza de que falta ao governo legitimidade, aferido nas pesquisas de opinião pública, que mostram uma rejeição a Michel Temer estagnada acima dos 70% dos entrevistados.

A indignação contra o golpe sofrido pela presidente Dilma Rousseff, conduzido nos bastidores por Michel Temer e desferido por um Congresso amplamente corrupto, ultrapassa colorações ideológicas. Até porque, o próprio PT, no afã de preservar as ruínas do que foi um dia, abandonou Dilma Rousseff à sua sorte. O que as ruas – e as redes sociais - explicitam é o desejo de virar em definitivo uma página trágica da nossa história e colocar um ponto final nesta forma antiga de fazer política, que Michel Temer encarna e que o Congresso Nacional representa. “Fora, Temer!” significa isso: uma tentativa de recomeçar tudo, agora em bases ajustadas ao século XXI, no qual ainda nem pusemos os pés.

Trata-se de uma chance única, essa de aproveitar o momento favorável e ter a coragem de propor a reinvenção do exercício da política. Começar extirpando do cenário corruptos como Eduardo Cunha, mas não se deter nele: exigir a queda de outros notórios medalhões, pertençam eles a que partidos pertencerem. Reivindicar a construção de um novo país, onde os sistemas de saúde e educação de qualidade não sejam privilégios de poucos, mas direitos de todos; onde a polícia ao invés de reprimir manifestações pacíficas seja usada para manter a segurança pública; onde haja distribuição efetiva de renda, e não apenas transferência de renda, que, como dizia o baião de Luiz Gonzaga, ou mata de vergonha ou vicia o cidadão; onde sejamos, cada um de nós, conscientes de nosso papel na comunidade e não indiferentes habitantes de um espaço comum.

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